Portugal faz parte da ONU, juntamente com mais de 190 países, dos quais a maioria não tem regimes democráticos.
A ONU tem membros de primeira, que são os 5 do Conselho de Segurança, e de segunda, que são os outros. Destes, 10, que vão variando, têm a oportunidade, de 2 em 2 anos, de fingir que não são de segunda, privilégio de que já gozamos em 2011 e 2012 e ao qual voltaremos possivelmente ainda antes de ganhar o Campeonato do Mundo de Futebol.
E faz também parte da NATO, juntamente com mais 26 países, incluindo a Albânia e a Turquia, dois países com credenciais democráticas absolutamente irrepreensíveis. Aliás, Portugal é membro fundador, além de outros 11 países, que decerto não se aperceberam então (em 1949) da natureza antidemocrática do regime que à época e ainda por mais um quarto de século foi o nosso.
A Commonwealth conta 53 membros (54, presumivelmente, quando Mugabe for fazer reformas agrárias nos campos do Inferno, o que não deve tardar, e o Zimbabwe for governado por pessoas). Um dos membros é o Brunei, um sultanato petrolífero que se distingue por viver ainda nos tempos do califado, mas com telemóveis e uma área do tamanho do Algarve, e outro é o nosso, da CPLP, Moçambique.
Todas estas, e muitas outras, organizações internacionais se regem por estatutos que são alegremente ignorados por muitos dos seus membros. A Commonwealth, por exemplo, tem como objectivos "the promotion of democracy, human rights, good governance, the rule of law, individual liberty, egalitarianism, free trade, multilateralism, and world peace" - é para que saibam.
Semelhante facto não parece incomodar ninguém, e em geral quem pertence a um organismo internacional não quer sair. No caso da ONU há inclusive um país que gostaria de entrar mas não pode porque já lá está - é a República da China, cujos eleitores são representados na ONU não por quem democraticamente os governa mas por chineses continentais que ninguém elegeu.
É neste pano de fundo que a CPLP, um organismo inteiramente inútil, salvo para diplomatas e poetas da língua e da lusitanidade, saltou para os meios de comunicação social, por um país que fala espanhol a ela ter requerido a adesão, entusiasticamente patrocinada, parece, por Angola e pelo Brasil.
A Guiné Equatorial é governada por um Bokassa local, como acontece a tantos países saídos da descolonização; e tem petróleo, muito. Quem tem muito dinheiro quer investi-lo; e para investir requer-se alguma respeitabilidade, porque o dinheiro dantes não tinha cor mas agora a força das opiniões públicas faz com que, às vezes, tenha.
Os outros países perceberam imediatamente o que estava em jogo, e deram as boas vindas ao novo membro, pagando o preço menor de apertar a mão corrupta e sanguinária de Obiang.
Os nossos líderes também. Mas gente que não aprecio por aí além comentou sardonicamente que a Comunidade passaria a ser a dos Países de Líquido Petrolífero; e gente que aprecio muito declarou que preferia "pagar o preço da desintegração da CPLP a ver Obiang na mesa de honra da organização".
Em nome de princípios, já estivemos orgulhosamente sós; em nome do amor de companhias supostamente desinteressadas, já fomos os bons alunos da Europa.
Peço licença para achar que Paris vale bem uma missa
Eu propunha soluções mais participadas. O governo alugava uma cave em Algés. Daquelas com janelas à altura das peúgas que passam na rua, geralmente ocupadas por armazéns de contrafacção ou escritórios de linhas eróticas de valor acrescentado. Começava por lhe aplicar uma obra de restauro, que consistia em pintar todo o interior de verde chroma (paredes, tectos, portas, móveis, tudo), como se usa no cinema. Com a correspondente portaria, ficava estabelecido o Gabinete de Estudos.
A seguir mandava fazer bonecos de papelão com as fotografias em tamanho natural de todos os parceiros sociais. O de Arménio Charles levava uma camada reforçada de verniz de alto brilho nas zonas da testa e do queixo, para ficar tal e qual. Em sistema de turnos, ia nomeando peritos para presidir a Comissões constituídas por eles mesmos e meia dúzia de personagens fictícias, representadas por figurantes sorteados entre todos os gabinetes ministeriais. Cada equipa instalava-se, digamos, durante 15 dias e escolhia uma política pública para aperfeiçoar. Durante o meio dia da manhã, recebiam e respondiam a telefonemas dos telespectadores dos programas de antena aberta. Da hora do almoço em diante intrigavam com jornalistas.
Em cada momento eram escolhidos os parceiros sociais adequados à reportagem. Para o efeito, o senhor ministro Maduro, destacado para o local, encarregava-se de retirar da despensa os respectivos bonecos, colocá-los a jeito, e voltar a arrumá-los no fim dos trabalhos. Sobre o chroma, e em pós-produção, seriam projectadas bonitas imagens dos interiores de palácios ucranianos reunidas antes da ocupação.
Uma vez por ano, os contribuintes elegiam a sua equipa favorita de entre as 24 disponíveis. Cada contribuinte dispunha de um número de votos calculado pelos cupões atribuídos a concurso no Portal das Finanças, de acordo com as facturas registadas. Como é evidente, acabava-se com o sorteio dos Audis (que nunca foi uma boa ideia). Após um período de telefonemas, rigorosamente acompanhado por um representante do Governo Civil enfiado num fato fora de moda (como é de rigueur), apurava-se o perito que os portugueses queriam homenagear.
No dia previsto, feriado nacional, alugava-se o Terreiro do Paço ao dr. Costa. O aluguer consistia numa encomenda de rissóis de berbigão, confeccionados pelo próprio segundo a sua receita de família e em número suficiente para dar de lanchar a todo o povo que quisesse juntar-se à festa. A equipa chegaria ao centro empoleirada numa carroça puxada pelos 3 peritos mais votados, rodeada por uma escolta de campinos ribatejanos.
Com recurso a um sólido sistema de roldanas, os peritos (presos pelos pés) seriam içados ao palanque e primorosamente maquilhados para uma emissão em directo. Um cabeleireiro transexual, recrutado nas oficinas de reinserção do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, ficaria encarregado de lhes ornamentar as cabeças com penteados alusivos à selecção portuguesa de futebol. Após esta homenagem sentida, um grupo de aposentados cantava “ó pavão, lindo pavão” enquanto refrescava o segundo e terceiro classificados com esfregonas previamente mergulhadas na gordura de fritar os rissóis.
O segundo classificado tomava posse como Secretário de Estado do Empreendedorismo, Criatividade, e Inovação; o terceiro como Comissário Europeu para a mesma pasta.
A jornalista Ana Lourenço aguardava impaciente pela sua oportunidade, quando lhe seria disponibilizado o perito-mor para entrevistar. De olhinho insinuante e beicinho vulnerável, levantava 2 ou 3 assuntos fundamentais e, quando não conseguisse mais segurar os seus impulsos, rapava de uma motosserra que trazia guardada na carteira e desmontava o campeão numa pasta informe de sangue, ossos, e cabelos, para dentro de um alguidar. Da multidão soltavam-se “bravos”, “vivas”, e fogo de artifício.
A parte protocolar das cerimónias seria encerrada com o discurso de um sociólogo prestigiado, tratando Portugal por “tu”. A festa prolongava-se noite fora numa borracheira colectiva, animada por canções de Charles do Carmo e outros bardos premiados. No dia seguinte, perante os vestígios e os eflúvios deixados das comemorações, os funcionários do lixo faziam greve.
Mas lá está; se eu mandasse no país isto ia de outra maneira.
Não sei, realmente não sei, por que razão, não podendo haver reduções da receita fiscal enquanto não se reformar o Estado (isto é, enquanto não se diminuir a sua presença na economia e na vida das pessoas, revogando legislação e extinguindo serviços) há esta febre das comissões para a reforma dos impostos. Que me lembre, já houve recentemente o relatório Lobo Xavier para a reforma do IRC e o de um comité de lunáticos para as bicicletas e os buracos, do ozono e do senso.
Chegou agora a vez do IRS, que evidentemente não podia ser deixado em paz. Graças a Deus não se vislumbra no horizonte uma comissão para a reforma do IVA, decerto porque, a seguir às eleições, a respectiva taxa máxima irá sofrer um acerto para cima, possivelmente embrulhado numa ou outra redução de taxa para bens de primeira necessidade, que a vaselina tem um efeito altamente benéfico em situações de aperto.
O senhor presidente da Comissão deu uma entrevista e disse coisas inteligíveis e defensáveis, numa certa perspectiva das coisas, a saber que não é previsível uma diminuição da carga fiscal - o que sugere é uma redistribuição do imposto ("aqui o que se propõe não é baixar a carga fiscal do imposto, mas redistribuir essa carga..."), que há aqui uma redistribuição, grosso modo dos casais sem filhos, ou com filhos criados, para os casais sem filhos ("no fundo, é a tal ideia de redistribuição: o imposto fica mais progressivo") e que há uma enorme simplificação de processos, nomeadamente por efeito das deduções fixas e não documentadas em saúde e educação ("todos ganhamos na medida em que o imposto seja mais simples, porque todos temos menos trabalho e todos temos de pagar menos máquina de administração fiscal").
Trocando por miúdos, o interesse da colectividade em que haja mais natalidade é assegurado (se fosse, saber se esta medida contribui significativamente para esse efeito é decerto muito discutível) não pela colectividade mas pela parte dela que não tem filhos ou já os criou, e que já paga proporcionalmente mais; a velha tradição das despesas com saúde e educação pagas sem factura regressará em força; e a simplificação só será grande se a Administração Fiscal, uma conhecida quadrilha de ladrões, não aproveitar para aldrabar meio mundo.
Vale a pena? Acho que não. E até ousaria recomendar que, enquanto não se puderem baixar impostos, não se nomeassem mais comissões para coisa alguma, nem sequer para a reforma do Estado. É que quem faz, faz; e quem nomeia comissões não.
Julguei que a personagem Vasconcelos das trotinetes fosse um daqueles fogachos que passam pela comunicação social, gozam o seu quarto-de-hora de fama, e depois se desvanecem.
A circunstância de encabeçar uma comissão de nomeação governamental não contrariava, antes reforçava, este ponto de vista: as comissões servem normalmente para se fingir que se está a fazer alguma coisa, ou para dar cobertura a alguma decisão controversa que careça de aparecer sob uma luz de recomendação técnica, e, cumprido o seu papel, já meio esgotado aquando da nomeação e correspondente notícia, fazem o favor de se esfumar.
Hoje tropecei nesta entrevista do funesto Vasconcelos e, curioso, fui investigar quem seria. E, ó surpresa!, não apenas existe como tem um currículo impressionante, no qual avulta ter sido presidente da ERSE, uma entidade criada para garantir que a EDP e toda uma extensa lista de parasitas dos corrupios, cogerações e energias alternativas sortidas nos possa tranquilamente assaltar.
Que diz então o especialista no admirável mundo novo verde? Diz coisas extraordinárias:
“Taxa de congestionamento nas cidades pode ser uma fonte importante de receitas”:
As pessoas que congestionam as cidades com os seus automóveis fazem-no, apesar do custo do automóvel, da manutenção, do seguro, dos combustíveis, do imposto de circulação, do aparcamento e j'en passe porque entendem que esse meio de transporte é o que mais lhes convém. Se os poderes públicos acham que seria desejável que houvesse mais uso dos transportes públicos não têm mais do que lhe melhorar a qualidade nos horários, no conforto, no preço e nas linhas - se for possível. Se não for, vamos esperando por melhores dias, que a evolução tecnológica e da iniciativa privada faz mais para resolver problemas do que todos os iluminados - os automóveis são hoje menos poluentes do que alguma vez foram; só não há mais parques de estacionamento porque os poderes públicos não facilitam a sua construção; e as controversas aplicações para partilha de carros não saíram, nem poderiam ter saído, de nenhuma cabeça oficial nem ofendem a liberdade das pessoas.
"Se tivéssemos certificados de eficiência energética, poderia ser importante".
Importante para quem, Jorginho? Já agora, mesmo sem mais um quarto-de-quilo de papel de regulamentos, novas agências e funcionários metediços, os certificados em questão alimentam uma quantidade de técnicos inúteis, engordam o preço das obras, criam distorções fiscais e obstáculos inteiramente burocráticos à construção, reparação e compra e venda de imóveis.
"A aproximação da tributação do gasóleo à gasolina também [seria importante]".
Pessoalmente, veria com simpatia a perspectiva de os preços da gasolina se aproximarem dos do gasóleo. Jorge, porém, pretende que o preço do gasóleo suba, não que o da gasolina desça. Ou seja, acha que o consumo de combustíveis é excessivo, não obstante a austeridade, pelo que seria desejável uma redução via aumento de preço. Não lhe ocorre que o preço dos combustíveis afecta a actividade económica; que o sector dos transportes depende do preço dos combustíveis; e que nisto como em tanto mais, em matéria fiscal, o que se passa nos outros países, sobretudo em Espanha, não recomenda que tenhamos taxas mais altas, sob pena de sermos pioneiros - na parvoíce.
"Entendemos que poderia haver uma entidade gestora, com responsabilidade na implementação do sistema em todos os municípios abrangidos. Esta medida requer uma determinada infra-estrutura de controlo e de medida..."
Entidade gestora? Implementação? Infra-estrutura? Gotcha, Jorge, queres mais serviços públicos, "investimentos" e fiscais. Já demos para esse peditório, agora o que queremos é menos.
"Isto provavelmente tem a ver com a forma como este debate da fiscalidade é conduzido em Portugal, que é muito doutrinário. Normalmente, há palpites, há indicações. Eu respeito todas as opiniões. Mas gostaria que estas opiniões fossem fundamentadas e que não fossem apenas palpites, sugestões que resultam de preferências culturais ou sociais".
Fantástico: As opiniões do Chico e do Manel, em matéria de impostos, resultam de preferências culturais e sociais. Já as de Jorge e do grupo de sábios verdes que o acompanha nada têm de cultural - são científicas porque não se pode discutir o aquecimento global, nem as alterações climáticas, nem o efeito de estufa, nem o buraco do ozono, nem o efeito que a actividade económica exercerá em todos estes domínios, sem ter primeiro tomado a precaução de fazer um doutoramento em climatologia; depois, frequentado oito seminários e pelo menos uma cimeira da terra; e, finalmente, ignorar as opiniões de vozes dissonantes, por albardadas de diplomas que também estejam, porque não são o mainstream.
Não há falta de cépticos nem sobre a origem humana das alterações climáticas, nem sobre a realidade das próprias alterações, nem sobre o aquecimento (pelo contrário, há cada vez mais vozes a alertar para o arrefecimento), nem, menos ainda, falta de gente que, com base científica ou simplesmente lógica ou intuitiva, acha que há razões para dúvidas, não para certezas. E, sobretudo, há quem entenda que as providências que se pretende tomar não entram em linha de conta com evoluções científicas e tecnológicas (sabe lá a gente o que a humanidade já terá inventado daqui a cem anos) mas nem por isso deixam de representar mais impostos, obstáculos, funcionários, fiscais e fundos para alimentar investigadores que se profissionalizaram no drama e nas hecatombes.
Isto é só uma amostra. Que a comissão maléfica que este tresloucado encabeça sugere para cima de três dúzias de medidas - que não vou ler. A maior parte ficará pelo caminho; a parte que chegar um dia ao Diário da República será constituída por uns quantos atropelos à liberdade dos cidadãos, uns quantos aumentos de uns impostos, e umas quantas promessas de reduções de outros; Jorge meneará com desgosto a cabeça, que o mundo está perdido - está sempre perdido para os Savonarolas; e nós suspiraremos - de alívio se o cientista social encontrar emprego a regular, por exemplo, os caudais das mini-hídricas.
Há entre Douro e Minho um segredo guardado pelo preço, a ignorância, a carestia da mão-de-obra, a indiferença pela tradição e o gosto pelos supermercados.
Chama-se, singelamente, melão-de-casca-de-carvalho mas não é melão-de-casca-de-carvalho ̶ é o melão-de casca-de-carvalho.
O seu preço excede o de qualquer outra fruta e, mais ainda do que sucede com as outras variedades, não se pode julgar pelo aspecto - a maior parte dos melões à venda, por grandes e prazenteiros que sejam, revelam-se, quando provados, verdadeiras cabaças.
Isto não chega para afastar os cognoscenti que, a cada novo barrete, lembram melancolicamente aquele espécime que consumiram há 15 dias, ou há 15 anos, e que era apimentado e aveludado que só vendo.
Para uma mente inquisitiva e gulosa como a minha, o mistério carecia há anos de uma explicação convincente. E encontrei-a, sob a forma de um conviva simpático e etilizado, ao qual perguntei a páginas tantas, num casamento em que o acaso nos reuniu: por que razão, sendo isto tão caro, e havendo clientes fiéis, como Você e eu, não se cultiva mais?
O meu circunstancial amigo perguntou-me se fazia ideia como se cultivava, salvo seja, o animal. Não fazia, claro. Daí que na próxima hora tivesse sido o atento beneficiário de uma breve descrição dos arcanos da fabricação, que agora cedo com vistas a que alguém se deixe entusiasmar, que eu não sou um desses exclusivistas que quer que as coisas boas sejam absurdamente caras, para delas excluir a maralha.
O problema começa com a terra: tem que ser rica e úbere, tanto que os produtores antigos faziam um pousio, entre cada semeadura, de dois a sete anos. E, suspeito eu, alguma coisa de especial terá que ter, além do clima, senão a coisa ter-se-ia difundido para outros lados, em vez de ficar confinada a alguns vales de rios (Cávado, Ave, Sousa...)
Depois, a mão que comanda a rega pelo pé, na fase de germinação, tem que ser uma mão sabida: porque com água a menos seca; e com água a mais mela. E é claro que a cultura é exigente em matéria de irrigação a horas de frescura - pelo cedo e sobre o tarde.
O frutozinho adolescente requer que seja girado um quarto de volta com frequência, para não ficar sempre a mesma superfície exposta ao sol; e não poucos produtores lhe punham por baixo uma caminha de palha, para isolar do contacto com a terra húmida, que pode causar apodrecimento.
A cerimónia do capar (que intervém em alturas que não pude fixar) é contra-intuitiva, porque consiste em cortar não as derivações mas o veio principal, a seguir ao ponto em que deriva; e deve ser feita à hora de maior calor, para que a ferida cicatrize rapidamente.
Só a perspectiva de me ver no meio de um meloal, de joelhos e com o lombo exposto à inclemência do sol do meio-dia, esfriar-me-ia o entusiasmo tanto quanto me aqueceria os costados; e o emaranhado de veios, suspeito, lembrar-me-ia, se com o calor e o suor se pudesse ainda filosofar, a verdadeira composição do BE, suas cisões e plataformas.
São chegados os dias das colheitas. A procura é imensa, a produção abundante, os preços dependem: comprar à beira da estrada, fiados nos métodos tradicionais do cheiro e da apalpação (o seguro método de furar o melão, a ver se bufa, não é inexplicavelmente visto com bons olhos pela generalidade dos vendedores) é uma coisa; e directamente a um produtor, ou intermediário, de confiança, outra. Nesta última hipótese, o dobro do preço da cereja, por kilo, pode ser compensado por uma ida ao céu dos apreciadores.
Não foi sempre assim. Há umas décadas, os melões eram geralmente razoáveis, às vezes bons e ocasionalmente muito bons. O que é que se passa? É que, diz o meu preclaro companheiro de mesa, dantes só se aproveitavam para consumo os primeiros seis ou oito melões de cada veio - o resto ia para o gado. Agora, vai grande parte para consumo, de onde a quantidade inverosímil de imprestáveis cabaças.
Agora que sabem o pouco que eu sei, talvez haja por aí um jovem que se deixe tentar. Não contará comigo para sócio, nem sequer de indústria; mas como cliente, sim: desde que para mim fiquem os melões números um, dois e três, que outro céu não mereço.
Nos longínquos e ingénuos tempos em que o governo actual foi empossado o número de ministérios foi reduzido para apenas 12. À época, a Esquerda, no seu conjunto, não gostou - a Esquerda nunca aprova reduções do Estado, ainda que simbólicas. Mas mesmo naquelas franjas de opinião que por equívoco se costumam arrumar à Direita, pertencentes a uma qualquer baronia do PSD anti-Passos, apareceram vozes a dizer com presciência que havia super-ministérios ingovernáveis, como o da Agricultura e o da Economia, secretários de Estado mal distribuídos, incoerências do organograma, o catano.
Tinham razão, as vozes. Daí que em Abril de 2013 a pasta que sobraçava um extraordinário self-made man no ramo de minas e alçapões, Miguel Relvas, mudasse de titular e fosse dividida em duas: aparece o desenvolvimento regional e os assuntos parlamentares ficam com o seu ministro privativo - aturar 230 parlamentares deve ser realmente uma tarefa ciclópica.
O desenvolvimento regional é uma coisa muito séria: tratava-se de ter mão no despesismo municipal e reformar a organização administrativa do País, reduzindo o número de autarquias. Houve nos dois propósitos grandes progressos: sabe-se, e não se sabia, que há municípios falidos, e jura-se que semelhante desgraça não voltará a acontecer; e algumas freguesias cujo nome ninguém, salvo os locais, conhece, uniram-se, voluntariamente coagidas, a outras cujo nome só era conhecido dos vizinhos. Quanto aos municípios ficaram como estavam, que não é Mouzinho da Silveira quem quer, e pior não querendo.
Em Julho de 2013, crise: Portas foi ocupar o lugar de Vice que deveria ter ocupado de início; um objecto flutuante do regime foi para MNE; Gaspar fugiu para as verdes pastagens do internacionalismo, onde já serenamente engordavam outros pais da pátria como Guterres ou Barroso, confessando à despedida que não foi capaz de reformar o Estado (ninguém se havia apercebido de que tivesse sequer tentado, mas a confissão não deixou de enternecer os corações); sobretudo o ministério da agricultura, do peixe, da qualidade do ar e do desordenamento do território pariu um colega absolutamente novo, do qual havia grande falta para aumentar os obstáculos à criação de negócios novos, complicar a gestão dos antigos, aumentar o peso do Estado na economia, reforçar o poder de burocracias já devidamente incrustadas no sistema e de modo geral assimilar quanta patetice anda no ar em nome do ambiente e das alterações climáticas.
E ei-lo, o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia - realmente tanto lixo intervencionista bem precisava do seu próprio departamento, não fosse algum outro ministério ter a ideia peregrina de facilitar alguma coisa.
Claro que, se qualquer propósito de reforma do Estado foi abandonado, nem por isso a realidade se comoveu. E a realidade é que, não sendo os recursos suficientes, o Estado condena-se a fazer cortes transversais na despesa, sempre insuficientes, e a aumentar os impostos, em nome do equilíbrio.
É a esta luz que se deve entender esta anedota: o regime fiscal das bicicletas, triciclos e trotinetes vai mudar. Nas palavras de um tal Vasconcelos, presidente de uma extraordinária Comissão Para a Reforma da Fiscalidade Verde (palavra!, gente que se imagina com um módico de sensatez patrocinou o trabalho, imagino que remunerado, de um caucus de maduros para nos despertar um sorriso amarelo ou nos enverdecer de raiva): "não vigora no sistema (…) português qualquer incentivo fiscal à aquisição de bicicletas, quer em sede de tributação do rendimento quer de tributação do consumo". Donde, a Comissão recomenda uma trapalhada de benefícios fiscais para as empresas que ponham os seus empregados a andar de bicicleta, desde que seja para ir trabalhar. Se for "com intuito de lazer ou desportivo" o benefício deverá ser menor, visto que "neste segundo caso [são] menos intensas as vantagens ambientais gerais geradas pelo comportamento do indivíduo".
Ignora-se neste passo se a Comissão se terá debruçado sobre o problema dos veículos de tracção animal, vulgo carroças ou carts. Ocorre que o transporte de passageiros em riquexós, rebocados por moços, ou outros muares, preocupados com o efeito de estufa, deveria também, na mesma lógica, ser objecto de uma discriminação fiscal positiva.
Claro que esta parte é a boazinha, para sossegar consciências. Porque no resto (imposto sobre o transporte aéreo de passageiros e os sacos de plástico) é que está o verdadeiro objecto da reforma: aumentar a receita.
Então e a neutralidade dos aumentos de impostos, por a receita prevista ser compensada com cortes noutros impostos? Essa parte não está bem explicada nem o será, por os cálculos serem de uma grande complexidade e porque sim.
E os subsídios ao abate de veículos (na realidade subsídios aos concessionários de marcas automóveis)? Ora, não há perigo: essa medida não deve ser aprovada, por não ser oportuna. A das trotinetes sim: para agradar a Vasconcelos e a gente se rir. Bem precisamos.
Ao fadista Carmo foi atribuído o prémio Tacky Latino, por mor de uma carreira em que pôs a sua inimitável voz ao serviço de um estilo em que se discernem afinidades com a canção francesa e a bossa nova brasileira - como se diz aqui, em artigo escrito evidentemente por pessoa com profundos conhecimentos musicais e ouvido apuradíssimo.
O prémio foi comunicado pelo presidente da academia, que aproveitou para dizer "coisas lindíssimas" sobre a vida de Carmo e o trabalho de Carmo, confidenciou o próprio, que se absteve modestamente, porém, de as revelar, decerto também por estar "estarrecido" com a distinção.
Esta modéstia é de resto uma das marcas distintivas do grande artista, tanto que os parabéns pelo prémio são devidos, opina Carlos, não apenas a ele, mas a nós.
Este "nós" é abrangente mas, infelizmente, não universal: a Câmara de Lisboa promoveu uma homenagem, a imprensa delirou, os pivots da televisão pivotaram, Jerónimo e o Belenenses parabenizaram, os três ex-presidentes da Républica, Eanes, Soares e Sampaio, apressaram-se a apresentar as suas felicitações, mas o actual nada - nem uma "mensagem privada", nicles.
Parece que Carmo, nos intervalos de cantar, tem opiniões. E ultimamente tem abundado em coisas gravíssimas que tem dito de Cavaco, culminando nas declarações que proferiu na mesma Aula Magna em que Soares e Pacheco Pereira brilharam à altura do palco: "Nunca me passou pela cabeça, depois de 40 anos de salazarismo, levar com este homem 20 anos. Um homem que é inseguro, inculto, medroso. E não interpretem isto como uma questão pessoal, não sou dado a questões pessoais".
Vozes de burro, às vezes, chegam ao Céu. Porque o ponto é precisamente este: não é uma questão pessoal.
As opiniões políticas do fadista são tão legítimas como outras quaisquer; o direito a detestar Cavaco, as teses de Cavaco, a acção política de Cavaco e as suas gravatas; ou a amar a sua gravidade, os seus discursos, os seus silêncios, as suas acções e omissões ou os seus cortes de fato - são direitos universais, não excluem comunistas, Pacheco Pereira ou sequer um representante da extrema-direita (punha aqui um nome, se conhecesse algum).
Mas, se todos temos direito a pensar, e dizer, de Cavaco o que entendamos, não tem este o direito de, no exercício das suas funções de representação da grei, ter simpatias ou antipatias políticas que o levem a distribuir condecorações e felicitações unicamente a quem preencha o requisito prévio de não o hostilizar.
Não é que me pareça que haja escassez de medalhas ou abundância de quem as devesse receber e tenha o peito virgem; é que se na Presidência se distribuem condecorações a esmo para honrar carreiras de personalidades que se distinguiram sobretudo por terem tento na língua e flutuarem nas águas salobras da conveniência, ou se recebem futebolistas que não ganharam, nem era presumível que ganhassem, nada, então a tradição dos cumprimentos era de manter-se em relação a quem lá fora ganhou alguma coisa. A menos que este presidente tivesse quebrado essa tradição, como seria seu direito - mas sempre e desde o início do seu primeiro mandato.
Um homem feminista é uma espécie de contradição nos termos. É o que aqui se defende, e eu concordo.
A este texto da Maria João Marques, que subscrevo por inteiro, talvez não devesse por isso acrescentar nada, de mais a mais uma reflexão pessoal com poucas hipóteses de pacífica. Mas não resisto.
Pergunto-me se a maioria das pessoas já cogitou das razões pelas quais as nossas sociedades são monogâmicas. É que a capacidade de gerar filhos é muito superior nos homens do que nas mulheres: elas, coitadas, só podem ter um filho de cada vez; e nós poderíamos engendrar não um em cada ano mas, teoricamente, para cima de uns duzentos, mesmo com abstenção aos sábados e domingos, desde que houvesse vontade e mulheres disponíveis, donde a razão pela qual cada um de nós não tem pelo menos quatro mulheres é um tanto obscura.
Claro que não há mulheres disponíveis, pela óbvia razão de que, desde sempre, nos humanos, a fêmea contou com a ajuda do macho para criar o rebento, e portanto não lhe convinha que houvesse outros 199 a reclamar a ajuda do pai. Isto do ponto de vista dela. Mas do ponto de vista dele a situação não era uma de inteira liberdade: se o número de machos e fêmeas é sensivelmente igual, um "dono" de três ou quatro mulheres, e por maioria de quarenta ou cinquenta, significa dois ou três ou quarenta e tal sem mulher nenhuma, que só pode portanto ser obtida raptando numa tribo vizinha, ou na mesma, liquidando o anterior marido, sob pena de abstenção - de sexo e descendência.
Isto significa que a monogamia foi um estatuto inventado para garantir, ainda antes de se cogitar de coisas modernas como a igualdade de direitos entre os sexos, a paz.
A burqa é o testemunho físico de uma realidade social arcaica, não sendo coincidência o facto de ser típica de sociedades poligâmicas: as mulheres que as usam (salvo as inevitáveis excepções, em se tratando de pessoas há sempre excepções) poderiam com igual propriedade usar, além da burqa, grilhetas porque o propósito é diminuir a atractividade perante homens diferentes dos legítimos proprietários.
Daí que estas infelizes mulheres tenham uma autonomia e liberdade inferiores às dos homens adultos da sua família, em obediência às tradições e crenças da sua comunidade. No Ocidente achamos, depois de um longo percurso semeado de lutas e violências, percurso que aliás ainda não chegou ao seu termo, que mulheres e homens têm os mesmos direitos.
A burqa não é assim uma moda nem apenas um símbolo religioso ou social, é uma limitação física à liberdade das mulheres, dado que lhes nega o direito a serem vistas. Fosse eu intelectual, esquerdista ou sociólogo - não sou, graças a Deus, considero-me uma pessoa normal - e diria que a burqa coisifica irremediavelmente as mulheres.
O Governo Francês quer proibir este estado de coisas? Faz muito bem e não é jacobino por isso - é apenas legalista e realista. Legalista por impor a igualdade dos cidadãos perante a Lei e realista por sinalizar a uma comunidade que a defesa da identidade cultural e religiosa dela não pode fazer-se ofendendo as leis da terra.
Daí que, afinal, talvez o assunto seja menos um de feminismo e mais outro de direitos humanos: defender a liberdade não pode ser defender a liberdade de oprimir.
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