Estive voluntariamente sem notícias durante oito dias - os ventos da maresia não são incompatíveis com os da patetice mas, em férias, costumo poupar-me aos segundos.
De regresso, passo distraidamente os olhos numa e noutra publicação e tropeço, salvo seja, numa quantidade de baldes de água gelada que pessoas de representação, e outras nem tanto, despejam pela cabeça abaixo, com o meritório propósito de chamar a atenção para uma doença assustadora. Se a prática garantisse abundantes doações para a investigação científica da esclerose lateral amiotrófica, seria o caso de dizer que Deus escreve direito por linhas tortas. Mas as modas e as causas pop têm isto que as define: são efémeras. A doença não.
Quando era pequeno e ingénuo acreditei piamente que o lobo mau comeu efectivamente a avozinha e este trágico passo não me afligiu sobremaneira, mesmo antes de saber que, perto do fim da história, a avó era extraída, de perfeita saúde, do ventre da fera. Já crescidinho e cínico, toda a trama se me afigurou pouco plausível, excepto se em sentido figurado, caso em que o lobo mau se revelava um grande benemérito, amigo afinal das avós com vidas sexuais pouco satisfatórias. Pois o Capuchinho Vermelho, o Pinóquio, A Lebre e a Tartaruga, A Gata Borralheira, todas as outras histórias que povoaram os sonhos de gerações sucessivas de milhões de crianças, estão sob exame, não vão causar traumas duradoiros aos pobres querubins: "People must not blindly accept that classic moral stories are educationally beneficial simply because of their long history of use. Empirical studies are needed to ascertain their true educational value”, diz o autor. E eu, com a mesma desconfiança que, na Branca de Neve, me leva hoje a suspeitar de qual seria o verdadeiro papel dos sete anões no relacionamento com a princesa, fico a pensar que este maganão quer é fundos para further studies.
Finalmente, uma associação que se apresenta como de defesa dos consumidores vem dizer que há quadrilhas de ladrões que assaltam periodicamente cidadãos indefesos e distraídos e recomenda não os rigores do Código Penal mas sim que as vítimas possam pedir aos assaltantes, gratuitamente, que estes os informem se planeiam malfeitorias. É óbvio para qualquer pessoa de senso, mas não para a DECO, que se os bancos não querem, por qualquer razão, a conta de um cliente, não têm mais do que notificá-lo de que a vão encerrar, marcando um prazo para levantamento do saldo disponível, se o houver. E o Banco de Portugal o que tem a fazer não é regulamentar a trafulhice - é proibi-la.
Sabe bem regressar a casa e à normalidade.
O ponto 10 concentra o fundamental: a maior parte dos dinheiros da “cópia privada” vai servir para pagar burocratas; o resto será distribuído pelo Estado e por autores que ninguém quer pagar.
A moral desta história é que os "artistas" portugueses insistem em viver da extorsão de recursos públicos, sem sujeitar as maravilhas que produzem ao escrutínio dos leitores, das plateias, ou da crítica, ficando pela mediocridade proverbial, com desdém pela ética, o talento, e o dinheiro do próximo, para prejuízo da cultura e do seu papel civilizador.
A moral desta moral é que o Estado, na sua visível fraqueza e ignorância, cede ao estrépito ardiloso dos "artistas" num servilismo sórdido.
Não devemos nada, nem prebendas nem respeito, a uma colecção parda de “artistas” mal ensinados e grosseiros de espírito, acostumados a apregoar um zelo ruidoso pelas artes para poderem, em nome do seu prestígio, sustentar um modo de vida parasitário. Este abuso presunçoso, em algum momento, tem de levar um encontrão.
Frank Sinatra foi o maior fadista de todos os tempos, foi ontem revelado. A informação colheria de surpresa os, ainda muitos, admiradores em todo o mundo do celebrado mafioso, se o Diário Económico fosse muito lido na América. Mas como não é, infelizmente, o caso, corremos o risco de a descoberta ficar entre as paredes de Alfama e as concorridas plateias que, de Monção a Odiáxere, aplaudem o colega de Frank.
Este artista que hoje assim nos encheu de orgulho pátrio não se alargou muito em considerações sobre a pesquisa que lhe permitiu chegar à surpreendente revelação. Nem por isso a entrevista deixa de ter o maior interesse, por Carlos do Carmo, com tocante sinceridade, confidenciar que:
"A única coisa que tenho e é terrível é: não compito.”
Ignoro quem será o louco que quer competir com gente do calibre de Sinatra, e não posso senão suspirar de alívio por Carlos não competir, ainda que semelhante sacrifício seja terrível. Aguenta, Carlos, fá-lo por nós.
“O público nunca me deixou. É de espantar.”
Realmente é de espantar, mas não será difícil, mesmo para pessoas pouco argutas, perceber: o público vai ouvir o cantor e este canta; se desse entrevistas no palco, é caso para dizer que outro galo cantaria.
“Fui numa idade em que a ditadura existia em Portugal e eu fui para um país livre. Lia os jornais. A Suíça é um país especial. A liberdade na Suíça tem muito que se lhe diga. Considero a Suíça um dos países mais policiais do mundo.”
A Suíça em que Carlos estudou, "num colégio alemão, o que teve muita importância para a minha [dele] personalidade", tinha de facto muito que se lhe dissesse, por ser um dos países mais policiais do mundo mas casar a abundância policial com a liberdade. Já Portugal, na mesma ocasião, tinha uma ditadura mas pouca polícia, o que se explica talvez, à falta de melhor, por, ao contrário da Suíça, não ter tradição no ramo do fabrico de relógios de cuco.
Carlos "aprendeu cinco línguas". E é em português de lei que nos diz, alto e bom som, que “quando virem os jovens na rua a sério, isto vai mudar”. Não que ele seja "ditador", isso nunca. Mas quando o Rui Veloso se juntar a ele "e aos outros" vão usar "a força que têm, que não é pouca".
Mudar para onde ou para fazer o quê ficou por explicar. Mas, à despedida - e ainda antes de acabar já estávamos com saudades - o fadista declarou: "Fidel Castro num dos discursos que fez disse uma coisa curiosíssima, que nunca mais esqueci: 'Não tenham medo da guerra nuclear, os ricos não querem morrer'. Aqui tem o meu optimismo".
Ah.
Deus me livre de entender o mecanismo da moeda - ninguém o entende, senão não haveria tanta doutrina contraditória, e a diferença entre os especialistas e os leigos é que os segundos estão conscientes da própria ignorância.
Os bancos podem emprestar, e emprestam, o dinheiro confiado à sua guarda; e só isto mostra que o lubrificante desta máquina enigmática é a confiança, mesmo que não emprestassem mais do que a soma do seu capital com os depósitos.
Confiança, então, em que os depósitos não se vão esfumar por os empréstimos que o banco com eles fez (mais os empréstimos que fez com outros recursos alheios) serão tempestivamente reembolsados; e que, se assim não for, a mesma entidade que é responsável pela emissão de moeda, e que castiga com tradicional severidade quem a falsifique - o Estado - responderá, nem que para isso tenha que imprimir dinheiro, punindo de caminho os responsáveis, em caso de dolo ou desrespeito das regras da arte.
Se admitimos que a actividade bancária seja privada (e admitimo-lo porque não há economias de mercado em que a actividade bancária esteja vedada aos privados e porque a banca, se fosse toda pública, seria clientelar por definição, enquanto a privada o é - espera-se - por excepção), então temos o direito de exigir que o Estado não tenha menos cuidado na supervisão do que o que dedica à vigilância e repressão do crime de moeda falsa.
Sucede porém que, na nebulosa história do BES, o BdP não se limitou a não ver o que se passava, sob pretexto de que os criminosos ou imprudentes, se o eram, não tiveram a delicadeza de chamar a atenção para os seus crimes ou comportamento suicidário; induziu em erro milhares de pequenos accionistas com anúncios tranquilizadores.
Os bancos não podem viver sem depositantes, mas também não podem viver sem accionistas. E na engenhosa solução encontrada a mensagem que passa são duas certezas e uma dúvida, por esta ordem: investir em bancos é o mesmo que investir na Fábrica de Sabões Nova Esperança ou na start-up Informática Conimbricense; o BdP é uma delegação do Banco Central Europeu; e os contribuintes não vão encostar a barriga ao balcão.
Tenho poucas esperanças que algum dia se venha a saber o que exactamente se passou, porque haverá demasiada gente que só pode falar verdade incriminando-se ou, no mínimo, saindo mal na fotografia.
Mas sei que a solução foi cozinhada em Frankfurt; que a burocracia europeia não está preocupada com outra coisa que não seja o ideal europeu; e que a quebra de confiança nas instituições - os bancos são instituições, não são empresas - de uma distante província do Império parecerá um pequeno preço a pagar pela estabilidade.
Razões por que, de todos os palpites, este me parece o mais razoável.
Começou por aceitar a encomenda extravagante e impudente do jornal Expresso para escrever um prolongamento d'Os Maias. Alguém disse na altura que "com um bocado de caridade" se podia considerar, entre os prolongadores contratados, Rentes de Carvalho como o único legível. Pareceu-me uma crítica exagerada, mas agora que li o livrinho percebo que era justa e até bondosa.
Das piores possibilidades (duvido que houvesse "boas”, e foi isso que o Expresso ignorou), Rentes de Carvalho escolheu situar, já velhos, Carlos da Maia e João da Ega numa quinta do Douro, e empenhou-se em caracterizar aquilo que imagina ter sido "o falar do povo" nas conversas fastidiosas, irrelevantes, e em discurso directo, com os criados. Como se isto não fosse ilícito suficiente, assassinou todo o carácter ficcional de Carlos da Maia atribuindo-lhe “preocupações sociais”, por artes infanto-juvenis de umas reflexões sobre “desigualdades”.
Hoje publica no Tempo Contado (um dos poucos blogs que visito com regularidade e cautela) um texto (entre aspas porquê?) que descreve com detalhe a aventura de um idiota português que se enrola em esbórnia com um grupo de motards alemães a arrotar sauerkraut e cerveja morna.
Recomendo que evitem a leitura, talvez o exercício mais repelente dos meus últimos meses. Não posso suspeitar que as “autoridades” da “crítica” “literária” portuguesa estejam a caminho de premiar Rentes de Carvalho; já o premiaram (há uns meses?) e eu - com leviandade - aplaudi.
Não perdi um cêntimo nas trapalhadas do BES, porque não era accionista. E todavia sou um dos perdedores: cada banco tem a sua cultura, e os meus mais de 30 anos como cliente de bancos (cliente, não fornecedor - na estranha terminologia corrente os mutuários são considerados clientes mas os depositantes também) autorizam-me a hierarquizar os bancos, do ponto de vista deste pequeno empresário: o BES é, era, melhor.
Será agora, se tudo correr bem, um banco como os outros.
Quer dizer que a estúpida concentração de poderes decisórios em organismos centrais será, crescentemente, a regra; a supervisão do Banco de Portugal, aliás uma patente e patética sucursal do BCE, que se refugiou aquando do escândalo BPN na desculpa de os infractores não terem alertado o supervisor para as infracções que praticavam e que agora adoptou precisamente a mesma linha de defesa, continuará a multiplicar os controles burocráticos sobre a actividade bancária e, sobretudo, sobre as empresas; e a concorrência entre os bancos, que aliás nunca foi intensa senão na publicidade e na conquista de grandes clientes, sofrerá mais um golpe.
A solução encontrada é uma cedência à opinião de esquerda, para que esta não possa com facilidade dizer que o dinheiro do contribuinte foi mais uma vez utilizado para salvar capitalistas especuladores; é uma cedência a certa opinião liberal, que defende a falência dos bancos, que são instituições, isto é, detentores de confiança pública, nos mesmos termos que a das empresas, que não são - e se os accionistas perderam todo o capital investido é de falência que estamos a falar; é uma cedência ao Banco de Portugal, que salvou a situação na 25ª hora, a ver se nos esquecemos da cegueira nas anteriores, enquanto ingénuos continuaram a "investir" no BES (teria sido um deles, fiado no oficialmente propalado interesse de outros bancos); e é um golpe na concorrência, dado que os outros bancos passam a ter interesse na sobrevivência do novo.
Hábil, sem dúvida. Todos ganham, menos a família Espírito Santo - mas bem o mereceu; uns quantos pequenos empresários - mas o que é que as pequenas empresas interessam, realmente?; e uns quantos investidores em papéis seguros - mas é uma lição, para aprenderem que as instituições não são de fiar.
Não desejo que corra mal, ainda que possa acontecer - o diabo está com frequência nos detalhes e no imprevisto. Mas na lista dos perdedores parece-me justo incluir também a confiança. E essa devia ser, se não me engano, o principal capital dos bancos - e das instituições que em nosso nome os supervisionam.
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