O Syriza aumentou o salário mínimo em mais de 28%, ou seja, reverteu os cortes salariais da troica de uma penada.
Não é difícil perceber, mesmo para os alucinados que os Gregos elegeram, que as empresas não podem pagar. Algumas terão reservas para aguentarem este embate apenas durante algum tempo; outras poderão, ao menos em parte, aumentar os seus preços para compensar; outras ficarão a dever um tanto, e seja o que Deus quiser; muitas, já em situação difícil, fecharão; e como o caminho dos despedimentos será dificultado por também serem reintroduzidas regras de negociação colectiva que estavam suspensas, se este bodo fosse avante haveria uma nova convulsão social, visto que a economia grega não aguenta uma nova vaga de falências.
Nisto como no resto o engenheiro Alexis e o Prof. Varoufakis devem saber o que estão a fazer. E como a lógica não é uma batata esta explicação, de um europeísta convicto, faz todo o sentido: que se lixe a Europa do Euro, do equilíbrio orçamental, dos mercados, do Tratado Orçamental, dos jogos intermináveis de poder, e da preponderância da maldita Alemanha. Ou a Europa, o BCE e o Eurogrupo se convertem à lógica da expansão da dívida e do investimento públicos, da desvalorização do Euro, e do abandono da austeridade, a par de aumentos salariais nos países com contas públicas equilibradas, para estes desatarem a importar, ou então mais vale sair. E como o eleitorado grego isso não quer, há que levá-lo a não ter quereres, por ser forçado a sair, ficando o Syriza a capitalizar o ressentimento.
Bem visto. E o novo salário mínimo (que aliás empurra todos os salários que não são mínimos para cima, como sempre acontece) pode bem ser de 28%, ou até mais, porque o novo dracma, que será cotado ao quilo, permite qualquer aumento, que a inflação se encarregará de corrigir.
A ser isto assim, o muito democrático Syriza e as muito democráticas eleições foram uma vigarice, porque o programa que os Gregos sufragaram incluía uma reserva mental.
Não existisse o Euro (ou existisse mas a Grécia a ele não tivesse aderido) e as eleições pouca importância teriam para nós: que a inflação local andasse pela estratosfera; que os corruptos socialistas locais ou os corruptos direitistas locais ganhassem; que o FMI já lá tivesse ido algumas vezes, antes, muito antes, de a dívida pública atingir níveis demenciais e antes, muito antes, de o país ficar em frangalhos - não seria da nossa conta. E, é claro, os radicais de esquerda nunca chegariam ao Poder - só o desespero explica, num país moderno, ocidental e relativamente desenvolvido como a Grécia é, este desenlace.
Infelizmente, é da nossa conta, não apenas porque também encostamos a barriga ao balcão em caso de bancarrota ou perdão de dívida, mas também porque as ondas de choque da débâcle chegarão aqui: a pertença ao celebrado clube europeu tem isto de singular - os nossos problemas são nossos e os dos outros também.
Talvez, no meio da ansiedade geral, não seja despropositado lembrar que esta história pode acabar bem. Se a Grécia sair, e a convulsão e miséria que se seguir não trouxerem uma nova junta de coronéis, os Gregos em devido tempo despacharão o dinâmico Alexis e a sua troupe para as universidades e os cafés de onde nunca deveriam ter saído; a Grécia, sem défice porque ninguém o financia, em algum momento baterá no fundo e recomeçará a crescer, tanto mais cedo quanto um governo razoável regresse à mesa das negociações; e o instrumento da desvalorização da moeda, que não é a receita para uma economia sã, mas é a receita para corrigir erros próprios, será uma alavanca poderosa para o ressurgimento - como o FMI nunca se priva de recomendar, se não vier em parceria com os guardiães do templo do Euro.
Pelo que não é de excluir que da experiência grega se retirem alguns preciosos ensinamentos. Nada mais justo, vindo de um país onde há mais de vinte e cinco séculos nasceram algumas ideias que nos são caras. Não havia nenhuma União, naquele tempo, o que havia eram cidades-Estado. Mas foi lá que o Império Romano aprendeu duas ou três coisas. A História é isto: não há nada de novo debaixo da roda do Sol.
Tomei o autocarro aéreo da Ryanair do Porto para Saint-Étienne, um percurso que aquela transportadora faz três vezes por semana.
Fui lá em trabalho. Que, para efeitos de interesse turístico, na hierarquia das pequenas cidades francesas Saint-Étienne ocupa um lugar que, com receio de ofender os locais, não ouso revelar.
O avião, tanto à ida como à vinda, ia cheio: os reguilas da Ryanair fazem voos esquisitos para aeroportos de província, mas pelos vistos estudam bem o mercado.
Atrás de mim vinham dois emigrantes, um novinho e outro aí da minha idade, Deus o ajude, embrenhados num monólogo. O menos novo contou com detalhe o que era a vida quando começou a trabalhar. Retive, para a economia do meu post: "Vinha uma vez só por ano à terra, de carro, tás a ver, pá, por Palência, sempre a andar. Vínhamos de noite por causa dos miúdos, a mulher trazia o comer num tupperware, parava-se para mijar e combustível e ala. Aquilo era um perigo, que às tantas só via gatos a atravessar a estrada. Na TAP não se podia, que eram caros como o caralho, ainda são, puta que os pariu. Agora venho cá uma vez por mês, tu nem sabes o luxo que isto é".
O novinho ia dizendo "hum hum" o tempo todo, pelo que imagino que sim, que concordava.
E eu, disfarçando com abundância de mostarda o infame cachorro em pão de faz-de-conta que por 5 Euros a Companhia impinge aos viajantes famintos e entediados, dei comigo a pensar: Comunidades, nossos irmãos, discursos, secretarias de Estado, dez de Junho, embaixadas, consulados, companhia de bandeira, hub de Lisboa...
As low-cost fazem mais pelos nossos emigrantes que todas as iniciativas e organismos oficiais e os únicos discursos que se ouvem são os do comissário de bordo, a vender a raspadinha ou os perfumes tax free.
Não querem medalhas. Querem apenas o nosso dinheiro. Que voluntariamente entregamos, por acharmos, com razão, ser um bom negócio.
Dá-me ideia que deve ser a isto que se chama a mão invisível.
Francisco Louçã ganhou as eleições na Grécia e os comunistas, que o desprezam, gabaram-lhe o feito; Costa, que o acha pouco credível na Europa, e demasiado radical nas medidas para a economia, também. Catarina Martins, a excelente menina que por razões obscuras lidera o BE, essa, delirou - compreensivelmente.
A esquerda existe, e o PS faz parte dela, mesmo que os comunistas gostem de acreditar, e dizer, que não. Não é novidade (os comunistas já votaram em Soares, ainda que tapando o nariz, quando tiveram que escolher entre ele e a direita fássista, de cuja pertença Soares foi naquela maré desonerado) mas a reacção às eleições veio separar as águas e recordar-nos que se o centrão é suficientemente confuso para haver gente que está no PSD que poderia estar no PS, e reciprocamente, os dois partidos não são iguais.
Isto é bom. Há um nós e há um eles. E confirma para todos os bem-pensantes que sonham com blocos centrais que não apenas o PS não aprendeu nada com as três falências pelas quais é responsável mas também, se puder, tomará providências para conquistar uma quarta.
Porque o programa do Syriza, no que toca a medidas económicas e sociais, é um delírio (suspensão de pagamentos, renegociação de juros, aumento de impostos sobre empresas, utilização dos edifícios do Estado, bancos e Igreja para albergar sem-abrigo, cuidados de saúde grátis para certas categorias da população, investimento público, aumento do salário mínimo para 750 Euros, e um longo etc.). Ora, não é razoável deixar de ver que o eleitorado grego pode, por puro desespero, ter optado por caminhos que conduzem fatalmente ou à traição das promessas ou à saída do Euro. Mas partidos portugueses responsáveis, que não estão sob a pressão da desesperada situação grega, têm a obrigação, excepto o PCP e os lunáticos do BE, de ver que o programa do Syriza implica que, no resto da Europa, vigore também aquele tipo de solidariedade que consiste em dizer: sustentem-nos, se querem que o Euro não vá ao ar.
O PS, com austeridades, não quer nada. E Costa só não se comprometeu ainda senão com algumas das muitas benesses com que está disposto a acenar para comprar votos porque não tem a certeza se a Europa vai bancar.
Até pode ser que a burocracia europeia compre, numa versão edulcorada, a chantagem do Syriza. Mas tarde ou cedo os eleitorados dos países pagantes darão um murro na mesa. E convém lembrar que se o Syriza teve uma subida meteórica, e o Podemos é a coqueluche para lá de Badajoz, também o AfD pode um dia ganhar.
Costa, coitado, ficou encantado com a Facilitação Quantitativa (os senhores economistas, que eu saiba, ainda não inventaram uma tradução para o acrónimo QE, por isso adianto-me) sem se dar conta que a maior parte da dívida pública portuguesa parqueada no BCE se destina a ser transferida para o BdP, tal como a maior parte de dívida nova.
Por outro lado, a dívida grega pertence agora aos eleitores europeus (nós detemos entre 1,1 e três mil milhões de Euros, não tenho pachorra para apurar o número certo), dado que os bancos já tiraram o cavalo da chuva.
Portanto, se a lógica não for uma batata, o que hoje tanta gente celebra pode ser, de uma maneira ou outra, o fim do Euro.
Eu só não celebro porque o futuro tem uma inclinação excessivamente marcada para ser imprevisível; e porque, mesmo que os Gregos sejam vítimas das escolhas que fizeram, e a luz que julgam ver no fim do clássico túnel não seja mais do que outra clássica locomotiva, não nos devemos regozijar com o mal dos outros - até porque pode ser também o nosso.
1988, 89, 91 e 1997 foram anos negros para a humanidade: não houve Anos Internacionais e a vida tão difícil e trabalhosa de milhões de seres humanos não pôde sequer ser aliviada com os encontros, as comemorações e os discursos chamando a atenção dos distraídos e dos egoístas para os grandes problemas que nos afligem. É longa a lista das causas sobre as quais a ONU se vem com diligência debruçando desde 1957; e injusto esquecer, de entre todas, o Ano Internacional do Arroz, em 1966 e novamente em 2004 (este último possivelmente para incluir a variedade basmati, que tinha sido ignorada da primeira vez), o da Batata, em 2008, e o das Fibras Naturais, em 2009.
Seria talvez já tempo de um Ano Internacional do Caldo Verde, com isso reconhecendo a contribuição portuguesa para o bem-estar da humanidade, os efeitos benéficos, ainda insuficientemente divulgados, de tal preparado para o trato intestinal, e a importância ecológica da couve-galega. Mas não é ainda chegado o momento. E, a julgar pelo que se passou com o Prémio Nobel, que foi tardiamente atribuído à língua portuguesa e, com a pressa, adjudicado a um escritor menor, não seria de excluir que, em vez do celebrado caldo, se ficassem por um creme de nabiças de supermercado.
Isto é brincar com coisas sérias, claro. Que este ano, para quem ainda não saiba, é o da Luz. Da Luz mas também, em separado, do Solo.
Do solo ainda não li nada, pelo que não adianto coisa alguma, com receio de que me falte o pé. E da luz não me ocorreria mais do que mencionar o preço do quilowatt, um escândalo, não se desse o caso de o Prof. Fiolhais, coordenador da Comissão Nacional do Ano Internacional da Luz, se ter dirigido às massas, chamando a atenção para o facto, que tem passado desapercebido, de que os "sítios do mundo mais desenvolvidos são onde há luz".
Observação luminosa, esta, que não deixará de reverberar nas consciências. E, na mesma ocasião, o Professor enfatizou ainda que “as artes visuais, como a pintura, a escultura, o vídeo ou o cinema, não existiriam sem luz, sem a qual poderíamos conhecer muito pouco do mundo”. De facto, uma rápida reflexão conduz-nos a esta conclusão, e nem faço mais do que oferecer como prova a vida das toupeiras, que efectivamente é, do ponto de vista cultural, muito pobre.
O melhor é ler o resto das declarações, ricas de profundidade e ensinamentos, cuja conclusão foi que “sem a luz, a educação fica apagada. É bom que o mundo esteja unido para reconhecer esse poder na diminuição das desigualdades.”
Deus me livre de contestar os poderes da luz para reduzir as desigualdades. Mas conviria talvez explicar por que razão, se é assim, a Coreia do Norte e Cuba são dois buracos negros no nosso planeta tão cheio de luminárias, comemorações e patetices.
Se vivesse no Porto (t'arrenego: mesmo em Guimarães há zonas e horas de concentração excessiva de pessoas e automóveis) teria votado em Rio e, agora que o homem saiu, não estaria arrependido do meu voto: parece que a Câmara pagava a tempo e horas aos fornecedores, não ficou encalacrada com dívidas, a suspeita promiscuidade com o Futebol Clube do Porto foi enterrada, e as forças vivas culturais da cidade (expressão caridosa para os chulos da Cultura) levaram para tabaco. E de aumento de impostos não ouvi falar.
Não foi coisa pouca. E Rio ficou meu credor para, querendo e podendo voar mais alto, para o plano nacional, no mínimo lhe ouvir o programa com simpatia.
Seria bom que alguém se preocupasse a pôr o Estado a pagar a tempo e horas; que equilibrasse as contas sem aumento de impostos; e que pusesse toda a imensa malta, dos futebóis, da Cultura e de todos os outros poderes que dizem defender o interesse público, mas que para isso precisam que o Estado os sustente - no lugar.
E mesmo que Rio comprasse algumas brigas dispensáveis, como a que teve com os arrumadores de carros, e seja suficientemente teimoso para, se encasquetar uma ideia, a prosseguir como um elefante numa loja de louça, nem por isso deixaria de merecer um olhar benevolente: de um governante espera-se seriedade pessoal e meia dúzia de ideias bem assentes (ideias de direita, bem explicadinhas na parte da reforma do Estado, do orçamento, dos impostos e da Europa, não vá julgar-se que estou a falar de Cunhal ou de costumes), não uma grande densidade cultural, ou habilidade política, ou dotes de oratória. Se tiver também estas coisas, melhor. Mas a gente tem sido tão castigada que, não podendo caçar com um cão, se consola com o clássico gato.
Sucede que Rio resolveu abraçar as rotundidades de Costa. E um paisano desprevenido, como eu, esfrega as mãos, dizendo para os seus botões: ora bem, quer rever a Constituição, a ver se lhe corta o cabelo programático, e remove empecilhos socialistas, e para isso precisa do PS - está na hora, a última revisão foi em 2005 e o PS já deve estar maduro para aceitar agora um corte de mais um bocadinho do que nunca lá deveria ter estado.
Mas não: de revisão da Constituição nada; e de reforma do Estado o que se precisa, pelos vistos, é da regionalização, um esquema engenhoso para o Porto depender menos de Lisboa, os senhores presidentes de Câmara prosseguirem as suas gloriosas carreiras quando esgotem os mandatos, e para nascer uma nova camada de políticos, burocratas e Albertos Joões para o contribuinte sustentar.
Há muitos anos assisti a uma furiosa discussão sobre se um bom piloto de rallies daria necessariamente um bom piloto de Fórmula Um. Conclui que não, não necessariamente. Com presidentes de câmara, pelos vistos, é igual.
Evito escrever sobre quem me considero amigo. Posso, pessoalmente, enviar uma mensagem solidária, mas não escrevo publicamente. Talvez faça mal porque muitos dos amigos que exercem funções políticas têm tido um desempenho excelente em cargos que são muito mais exigentes do que a maioria dos Portugueses pensa (ou estaria disponível para aceitar) e são muito menos bem remunerados do que seriam no sector privado. Como disse, talvez faça mal, mas acho sempre que um elogio sincero ou uma saída em defesa contra a injustiça seria sempre confundido com amizade.
Várias vezes estive para quebrar esta minha regra. Curiosamente (que me lembre) sempre por causa do Adolfo Mesquita Nunes. Nunca o havia feito, mas faço-o hoje.
O Adolfo desperta amores e ódios. Um é do Paulo Morais (que já várias vezes me levou para o lado do computador). Paulo Morais é uma daquelas personagens que odeio. Incita o que de piores há no ser português: que todos os que vingaram na vida é porque tiveram cunhas, nunca reconhece o mérito, porque tudo o que vê são interesses. Do ponto de vista da escolha dos políticos a seguirmos o que diz teríamos um classe política ainda menos bem preparada ou formada apenas por professores universitários, dado não conhecer Advogado ou Gestor com mérito que não tenha que ter defendido os interesses dos seu clientes. Porém, o Paulo Morais é o Paulo Morais: um incontinente verbal que apenas vive da repercussão do que diz (a qual, sendo cada vez menor, tem imposto aumentos consideráveis no seu histerismo). Nada melhor do que nada dizer. Nada melhor do que não lhe dar qualquer repecussão.
Esta semana foi Rui Moreira que, num texto inconcebível, ataca de forma violenta o Adolfo. É pena. Escolheu mal o tiro, porque tudo o que diz não é verdade.
O Adolfo é um liberal da boa cepa, daqueles que faz no Governo o que disse pensar (ao contrário de outros que mudam o que pensavam por terem chegado ao Governo ou lá próximo).
É por isso que é tão injusta a crítica. Acusar o Adolfo de querer ficar com os louros da boa forma do turismo é tão ofensivo quanto ignorante.
Afinal, como qualquer liberal sabe, em geral, o mais que o Estado pode fazer é não atrapalhar, é não desajudar é não estragar. O Adolfo sabe-o muito bem. E acredita piamente nisso. Por isso o vemos, todos os meses, todas as semanas, todas as horas: o mérito deve ser partilhado com os meus antecessores (incluindo do PS, refere-o sempre), mas é sobretudo dos empresários que acreditaram, dos empresários que ganharam quota de mercado, dos empresários que souberam ver o melhor nesta crise.
Como a Margarida diz abaixo, a única coisa que pode irritar no Adolfo é esta forma suíça como sempre e a qualquer pergunta diz sempre que o mérito é do sector privado e que ele apenas pode ajudar baixando taxas, acabando com amarras burocráticas e desregulamentando para que haja mais sector privado.
Desconfio mesmo que o problema de Rui Moreira é não ter savoir faire para dizer, como o Adolfo (tenho a certeza) diria, que o mérito da baixa do Porto é dos empresários da baixa e não seu nem das suas viagens e aparições no Finantial Times. Essa é que é essa.
O homem defendia que um proprietário pode vender uma empresa com garantias especiais, em matéria de despedimento, para certos trabalhadores mais amigos, ou menos inimigos, do patrão. Dizia este absurdo e, como se o asneirol não fosse suficiente, esclarecia que "o tema é jurídico e tem a ver com isto [os sindicatos que se sentaram e os que não se sentaram], e não de natureza constitucional. Está obviamente garantida a igualdade de direitos para todos, mas os acordos são para cumprir e o que existe é com estes nove sindicatos".
Temos portanto questões jurídicas, em matéria do direito à igualdade perante a Lei, em relação às quais a Constituição não se pode invocar, e igualdades com a característica singular de o não serem.
O assunto não merece discussão e o governante autor da argolada já entretanto deu o dito por não dito, sem ter chegado a fazer passar a ideia de que foi mal interpretado, habitual nestes assados, nem confessar candidamente que o assessor jurídico estava de baixa, razão pela qual supôs que as suas abundantes luzes em assuntos de finanças forneciam claridade bastante para o ajudar a navegar em questões jurídicas. Um equívoco em que não poucos economistas se deixam enredar, mas ei, não é verdade que muito causídico ilustre não sabe somar dois e dois, e mesmo assim opina sobre questões de gestão? Uma mão lavra a outra, e se entrássemos no regime de condenar alguém por causa de deslizes o país entraria em autogestão, por falta de responsáveis, e a Oposição cometeria suicídio colectivo, como as baleias.
Que fique claro: eu acho que o direito de despedir deveria ser muito mais amplo do que a lei permite, e tenho tanto respeito intelectual pela nossa Constituição como o que reservo para a congénere cubana. Mas nem sequer é preciso uma Constituição escrita para saber que a circunstância de pertencer ao sindicato A ou B, ou sindicato nenhum, não é fundamento para qualquer tratamento discriminatório, num Estado de Direito.
Foi um incidente cómico que não terá consequências, fora o natural escarcéu que por aí se faz.
O que é interessante perguntar é por que carga de água o Governo achou útil fazer um acordo com os sindicatos. A privatização estava, e está, decidida; a requisição civil fez-se, e bem, e os sindicatos amoucharam, como lhes competia. Porquê então o acordo?
A declaração do ministro ("a TAP saiu muito mais forte depois deste acordo") faz sorrir, porque ele é uma limitação aos poderes da futura administração e ainda está para aparecer uma empresa que fique mais forte pelo efeito de se lhe amarrarem as mãos face à concorrência; e Sérgio Monteiro, ao considerar que o acordo assinado é a prova de que venceu "o sindicalismo moderno" e perdeu o "radicalismo ideológico" resolveu evidentemente fazer das tripas coração: o sindicalismo que proíbe despedimentos, quando sejam necessários para a sobrevivência da empresa, não é antigo nem moderno - ou é comunista ou burro.
Não compro a teoria de que o que o Governo quer, por degradar ainda mais o valor da empresa, ou é fazer baixar o preço da privatização ou que não haja candidatos e portanto a TAP seja uma batata podre a deixar em herança ao futuro governo - esse grau de maquiavelismo não casa com a ideia que tenho das pessoas envolvidas.
Ensaio por minha conta uma explicação:
Há em Portugal um grande respeito pelo consenso, que tem aliás consagração constitucional na existência da muito querida (por quem dela beneficia) concertação social, e que se traduz na obrigação de consultar os sindicatos e associações patronais para legislar sobre questões laborais (mesmo que a incidência seja remota), no enaltecimento acéfalo das virtudes do diálogo a propósito de tudo e de nada, no uso extensivo da língua de pau para não ofender ninguém (os comunistas não são designados como anti-democratas, que são, os dirigentes sindicais não são qualificados de carreiristas e parasitas, que muitos são, a muitos socialistas e sociais-democratas que aparecem no espaço público a defender a manutenção de organismos e empresas na esfera pública ninguém pergunta: o amigo está a defender o tacho dos seus amigos, não está? - e um longo etc.), e, finalmente e em resumo, no hábito deplorável de quase ninguém dizer ao que vem, com receio de ferir susceptibilidades.
Parece que o eleitorado gosta disto. Gostou que o PPD tivesse votado a favor da Constituição de 1976, com reserva mental, não obstante esse facto lhe ter diminuído a autoridade para a rever, quando, tendo ganho eleições, teve que negociar com o PS os necessários cortes do cabelo socialista; gostou que Mário Soares tivesse metido o socialismo na gaveta, num largo consenso, em nome da salvação do país falido, contrariando tudo o que prometera para ganhar eleições; gostou tanto de Guterres e do seu diálogo militante que lhe deu uma vitória baseada na eliminação da crispação, como então se dizia; aprecia ser aldrabado por políticos que garantem ir fazer o que toda a gente sabe que não farão; e gosta hoje, ao que parece, de Costa, da bonomia de Costa, das suas frases redondas prometendo tudo a todos, e do seu largo sorriso, que com frequência exibe para coroar as declarações sonoras e ocas.
O nosso estado de necessidade trouxe, em 2011, a gente que está. E esta, nem tendo chegado a fazer o que lhe era exigível, distinguiu-se por uma notável antipatia, dado que o consenso lhe estava vedado, por ser, como é sempre, apenas uma maneira engenhosa de deixar tudo na mesma - justamente o que a troica proibia.
Mas o ano é de eleições, e a troica já bazou. E portanto há que ser dialogante, e demonstrar um espírito aberto, moderno e tolerante - nada de radicalismos ideológicos, as pessoas demonstram em Portugal grande ponderação quando preenchem dois requisitos: estão ao Centro e não fazem contas.
Seja. Que se o prejuízo que este acordo vai fatalmente originar servir como ajuda para que Costa e a sua troupe de ineptos em estado de negação da realidade se mantenham ao largo do Poder - é barato.
A birra vem de uma entrevista à RTP2, em que Adolfo Mesquita Nunes explica a sua estratégia para o turismo reconhecendo que “é, de facto, polémica”. “Uma estratégia baseada nos eventos é uma estratégia que agrada a autarcas e agrada às populações. Mas traz menos turistas do que uma estratégia baseada na captação de rotas aéreas, que ninguém associa ao trabalho do Governo e eu também não quero que passe a associar. Porque o meu trabalho não é propriamente estar a agradar aos eleitores, é trazer turistas.”
“Portugal está a crescer 3 vezes mais do que Espanha, pela primeira vez na sua história. Estamos a crescer mais do que a média mundial, do que a média europeia, do que a média da Europa mediterrânica. Isto não é sorte, nem é ‘primavera árabe’. E sobretudo isto é mérito do sector privado. Eu acho que nenhum Secretário de Estado do Turismo pode, com honestidade, chegar aqui e dizer: ‘Este é o resultado do meu trabalho’. Nós procuramos trabalhar para isso, mas sem o sector privado, e o sector privado do norte tem dado provas disso, sem o sector privado eram impossíveis estes resultados.”
Já disse isto mil vezes. Seja entrevista, debate, esclarecimento, encontro, mesa-redonda, declaração, cantiga no duche (faço uma apostinha), e é como se lhe carregassem num botão. Não importa o contexto ou o propósito. Se encontrar uma nota esquecida no bolso do casaco, “o mérito não é meu”. Se entalar o dedo numa porta, “o mérito não é meu”. Se tropeçar numa pedra, se houver um lugar à porta para estacionar, se deixar cair um molho de chaves, se a sopa estiver salgada, ou deliciosa, ou se a Lua estiver na casa de Saturno. Pode estar calado. Mas se abre a boca, mais cedo ou mais tarde “o mérito não é meu”.
O mérito é “das empresas”, “do seu antecessor", “das autarquias”, “dos trabalhadores”, do “digital”, "das rotas aéreas", “do governo actual e do anterior”, disto e daquilo mas, sobretudo, “dos privados”. Em matéria de “o mérito não é meu”, Adolfo Mesquita Nunes é um consolo. Certinho, certinho. Como um relógio suíço. Um pouco invulgar, mas definitivamente suíço.
Rui Moreira não atura armanços. “AHAHAHAH” (sic), respondeu varonil no facebook, terrível de requinte e valentia. Quem é este Secretário de Estado obscuro, a dar-se ares? Alguém o “reconhece” (sic)? Olha, olha!, a dizer que “o enorme sucesso do turismo” se deve “ao trabalho dele”, que “por sua exclusiva e enorme competência (sic), tem promovido a cidade [do Porto] no estrangeiro”. Uma troça que esmaga um sujeito e mata uma multidão a rir. Depois agarrou nos factos e pôs ordem no assunto. Exibiu imagens suas “na capa do New York Times”, nas “centrais da Monocle”, na “última página do Libération”, e na “página 4 do El País” para deixar bem claro quem é a pin-up internacional. Perceberam? O mérito é dele, Rui Moreira, que em ano e meio de mandato já subiu os sucessos turísticos do Porto à categoria de impressionantes. A carga de pancada termina com um smiley (garanto). Amarelinho, amarelinho. Um smiley, por amor de Deus. Na página oficial do Presidente da Câmara Municipal do Porto. Diz ao que vem e remata com um smiley. Isto, só por si, dá um impulso ao turismo que quem dera a muitos secretários de Estado.
Visão infantil, prosa tosca, premissas trocadas. Rui Moreira tem vida e experiência com outra substância. Sabe, ou devia saber, que o prestígio de um homem não se mede nos títulos da imprensa nem é um produto vendável para fins turísticos. Imagina-se maior do que é, despreza o melhor que tem no seu passado. Ganhou a Câmara contra “os políticos”, e surpreendeu-me; não pensei que em tão pouco tempo triunfasse na imaturidade.
Os "mercados" são entidades abstractas, caprichosas, com "nervos" mas "sem coração", que impõem indignidades e "retrocessos civilizacionais". Na versão, convém esclarecer, de uma banda larga de políticos portugueses.
António Costa expulsou os carros dos pobres do centro de Lisboa. Contou com a brandura do PSD e do CDS. Deve ter a alma num farrapo, sabendo muito bem o que fez - em nome das "partículas".
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