Portugal não cumpriu as metas do MoU, não atingiu os défices orçamentais a que se comprometeu, reescalonou a sua dívida já por diversas vezes e paga juros ridiculamente baixos no mercado secundário, o que lhe tem permitido ir trocando dívida cara por mais barata, além de ter um pecúlio ao canto da arca, por mor de obviar a parte dos riscos das maluqueiras sirízicas. A dívida pública, essa, teve que acomodar um alargamento do perímetro, por os nossos patrões estatísticos irem depurando os seus critérios à medida que vão vendo o resultado da sua inépcia, e fingindo acordar para as vigarices e os alçapões a que fecharam os olhos. Não se sabe - eu não sei - se neste momento já parou de crescer, ainda que seja seguro que o ritmo a que cresce, esse, tenha vindo a diminuir.
Uma parte deste moderado sucesso resulta de o BCE garantir que será o contribuinte europeu a pagar o patau das asneiras das governações socialistas, domésticas e estrangeiras, e não os investidores, até há pouco tempo crismados de especuladores; e outra de o nosso governo ter ignorado boa parte do escarcéu dos indignados, okupas e crescimentistas sortidos.
A Grécia vem abalar este consenso feito de realismo e hipocrisia: como cresceu mais do que nós, porque se endividou mais do que nós, a queda foi maior quando chegou a hora de fazer contas; e o FMI, com característica imprudência, e as instituições europeias, com a obsessão da defesa do Euro, consentiram no arrastar de pés de uma classe política tradicionalmente corrupta e oligárquica, até que, já na praia, mas tarde de mais, uma população sem esperança escolheu uma quadrilha de comunistas aggionarti para tomar conta do barco.
Não é impossível que, a prazo, a história acabe bem - o resultado do referendo é um bom começo, se as instituições europeias não cometerem o erro de tentar curar a gangrena com o penso de um novo acordo, com ou sem perdão, com ou sem reescalonamento.
A Grécia deve, é claro, sair do Euro, porque o módico de crescimento a que timidamente chegou antes do Syriza não é mais possível; nem é concebível que, com o programa daquela agremiação (os ricos, estrangeiros e nacionais, que paguem a crise, que nós vamos aqui crescer à boleia do consumo das massas e do investimento público) haja outro futuro senão a dívida pública, e o respectivo calote, evoluírem da estratosfera para a mesosfera.
Sob a direcção do Syriza, nenhum acordo, por generoso, será cumprido; nenhum crescimento será possível - o capitalismo tem uma inclinação inelutável para acabar, quando gerido pelos seus inimigos. E nem mesmo o suplemento de alma que a dracma dará, sob a forma de incentivo ao turismo, à marinha mercante e exportações, depois de vencido o inferno dos dois ou três primeiros anos, será bastante - se os gregos não se livrarem do Syriza.
Livrar-se-ão, ou os militares por eles. E poderão, talvez, regressar a prazo ao seio das nações normais, depois dos credores lamberem as feridas do calote, no sentido de que deixarão de estar todos os dias nas notícias: a revolução é bonita, pá, mas Trotsky nem entre os seus camaradas teve um sucesso duradouro.
Isto para eles. E para nós? Vamos, é claro, encostar a barriga ao balcão, na parte que nos toca - mas isso é o menos. O mais seria que desta triste história se retirassem as lições que ela comporta, e que são: i) Quanto mais Juncker, Dijsselbloem e os outros apparatchiques falarem, pior. Ninguém realmente os elegeu para coisa alguma e ninguém entende com que legitimidade tomam decisões que afectam a vida das pessoas, ao mesmo tempo que quem realmente a tem, a legitimidade, que são os governos eleitos, fica na penumbra do diz-que-disse; ii) A moeda própria é uma válvula de segurança para os desmandos do mau governo, a alheia não é; iii) A bicicleta de Delors, Miterrand, Kohl e os outros putativos génios da casa europeia encravou de vez: não é só a Grécia que está desacreditada aos olhos de quem tenha algum de seu e não navegue nas águas do esquerdismo das causas - também a Europa pela qual a elite bem-pensante ainda jura sai do descalabro mergulhada na desconfiança e na descrença.
Ainda bem. Se o episódio tivesse servido para alguma coisa deveria ser para uma nova geração de europeístas defender a livre circulação de pessoas, bens e capitais, e uma pauta aduaneira comum; mas também a negociação permanente e a regra da geometria variável, isto é, uma Europa à la carte, sem legislações supra-nacionais cozinhadas por anónimos inimputáveis no segredo dos gabinetes. E, é claro, criar mecanismos para o abandono da moeda comum, uma falha ostensiva para cuja resolução os tontos defendem uma fuga para a frente.
É preciso fugir sim - para trás, para a Europa das nações, umas com sucesso, outras nem por isso, outras meio falhadas, que encontram nessa diversidade a emulação e o incentivo para fazerem melhor.
Mas só vai suceder à chibatada, que burros velhos não andam às arrecuas, de mais a mais quando essa andadura lhes roubaria as cenouras com que se atocham.
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