Sem os adornos que servem para esconder a perplexidade geral, dois motivos são suficientes para o dr. Costa não ter sido claro a anunciar, antes de 4 de Outubro, os seus planos de se coligar com o PC e com o Bloco. Um deles foi o receio de afastar do PS o eleitorado do centro. Só que uma parte dessa gente não se deslumbrou com a linguagem ambígua de Costa e, mesmo sem ter a ameaça da Frente de Esquerda (chamemos-lhe FE) formalmente definida, fugiu das interpretações radicais que Costa luziu para se apresentar como o grande padrinho das "alternativas" contra a dureza da "austeridade".
Os ingratos que faltaram ao PS, moderados mas zangados com a coligação, dividiram-se entre os que não saíram de casa para votar e os que votaram na segurança do “protesto”, em partidos pequenos que ninguém imaginou poderem chegar-se ao poder. O centro, que é quase Portugal em peso, detesta a desordem e o descontrolo porque sabe que daí à pobreza vão meia dúzia de “reuniões técnicas”. Por cobardia mental e por incompetência política, António Costa competiu em radicalismo retórico com a extrema-esquerda, mentindo a condizer; e foi por ter-se encostado à extrema-esquerda que António Costa perdeu as eleições.
O outro motivo foi o receio de as ganhar. Supondo que a sua audácia acertava, e tinha de ponderar essa possibilidade, Costa arriscava-se a subir à Gomes Teixeira com uma maioria relativa, de relações cortadas com Passos e Portas. O PC e o Bloco teriam posto um carimbo de benemerência nos propósitos deste PS purificado, e para o novo chefe, acabado de ungir, não havia maneira de se desembaraçar destes dois atrasos de vida que ele nunca tolerou. O que Costa queria, na sobra de racionalidade política de “um excelente conciliador”, que vive na zona parda dos “acordos” há muitos anos, era “negociar” as medidas pop com a extrema-esquerda - e “apoiar-se” na coligação para fazer o país engolir as brutalidades mais azedas.
Ainda quer. A bendita FE que anda a cozinhar, se algum dia sair daqueles encontros sinistros, vai estoirar à primeira rosnadela dos credores, à primeira falta de comparência dos malvados “mercados financeiros”. Costa vai transpirar, espremer-se em entrevistas verbosas, e todo o jornalismo vai exigir de Passos e Portas o tão mal explicado “sentido de responsabilidade”.
Presumo que a quem não tem nada a perder, a golpada socialista estimule o sentido de humor. Para um emigrante na Irlanda ou um colunista no Telegraph tudo isto faz rir. Com muita pena minha nem sorrir consigo. Já estive em 2011, 2012, 2013 e 2014 e não me apetece nada lá voltar, o que é um dado adquirido, assim tenha tempo a Frente de Golpistas, Lunáticos e Totalitários que se avizinha e a quem, espero, o Presidente da Republica entregue o Governo.
O nojo que me suscita esta gente (que de gente tem muito pouco) e que chega a ser físico é bem justificado. Primeiro negam ter perdido eleições, a seguir prometem um coligação de esquerda no Governo, depois já não é bem coligação é um acordo para quatro anos, depois já não é bem assim, é só golpistas e lunáticos no governo com o apoio de totalitários, a seguir já é só um acordo (qual acordo?) para impedir um “Governo de direita”. Putedo rasca é o que são, do primeiro à última.
A alucinação e a golpada é de tal ordem que, no dia em que alguns decidimos gozar no twitter com o #PortugalCoup celebrizado pelo génio do Ambrose Evans-Pritchard (cujo deus ex-machina indígena ultrapassa todos os limites do nojo) no Telegraph, havia por essa Europa fora, pessoas genuinamente convencidas que teria havido uma coligação de esquerda a concorrer à eleições, que teria sido impedida pelo PR de formar Governo. Tal é a capacidade de mentir, aldrabar e vigarizar a pretensa democracia em que eu, infelizmente, vegeto.
Estou farto destes miseráveis mas já só rezo para que tenham o que desejam. Todos eles. Do Ungido golpista, à actriz lunática, ao falso operário totalitário."
Nos tempos longínquos em que começou o PREC II, isto é, há três semanas, defendi a tese do governo-vacina, admitindo a inevitabilidade de um acordo revolucionário entre o operário fanático, a actriz cheia de si e o intelectual treteiro - não foi assim que os descrevi mas aquele trio pode ser apresentado de muitas maneiras, nenhuma lisonjeira.
Depois, Cavaco, irado, falou, e mudei de opinião, admitindo um governo de gestão até que possa haver eleições. E Cavaco voltou a falar, na posse do governo, mas uma oitava abaixo - e eu não disse nada, senão para os meus botões: mau, pá, em que é que ficamos?
Entretanto, Jerónimo deu uma entrevista notável à SIC Notícias, nela se percebendo que só a imensa lata de Costa lhe permitiu ir ao Presidente da República falar num acordo: não há acordo nenhum, se houver ou o preço é tão alto que os credores imediatamente darão sinal de si, ou é tão baixo que os comunistas nunca aprovarão o orçamento; o PCP não está pelos ajustes de deixar de ser...o PCP; e o BE não conta, para além dos delírios da patetinha que hoje o povo de esquerda, e as televisões, aplaudem, quando se chega ao proscénio no desempenho do papel de Pasionaria que julga ser o seu.
Entretanto, de vários lados fui vendo enunciar os custos assustadores do governo-vacina, consoante a quantidade de cedências que Costa faz ou não faz aos vermelhos. E vi, sem razão, escavacar as virtudes da vacina, sob o pretexto, precisamente, de que o não é: se o eleitorado não aprendeu nada com as três falências anteriores, porque aprenderia alguma coisa com a quarta?
Sucede que as duas primeiras falências - 77 e 83 - são explicáveis à luz das sequelas do PREC, cujas sombras, hoje ainda não inteiramente dissipadas, eram então muito presentes. E da segunda o país recuperou rapidamente, ajudado primeiro pela desvalorização da moeda quando ainda não havia nem globalização nem queda do muro de Berlim, nem países de leste a concorrer connosco, e depois pela cornucópia dos milhões que a adesão à CEE, em 1986, proporcionou. E se o eleitorado sempre deu o benefício da sua confiança ao PS, enviando-o para a oposição durante menos tempo do que o que coube à direita, convirá lembrar que o PS é portador da aura de ter sido, em 1975, o líder do anticomunismo e depois o campeão da Europa - precisamente o capital que Costa agora desbarata.
Quanto à terceira falência, a de 2011, o PS perdeu a maioria relativa e 23 deputados naquele ano. E, ao cabo de quatro anos de aplicação de um programa de ajustamento que a chamada direita foi forçada a seguir, conseguiu não ganhar as eleições, caso único para situações semelhantes.
A pedagogia da realidade, portanto, funciona. Não tanto como se desejaria, mas não tão pouco que se possa dizer que o eleitorado bate sempre com a mesma cabeça na mesma parede.
Hoje por hoje, tudo está nas mãos de Cavaco - o homem vai escolher o nosso destino próximo. E não fosse o caso de o seu provável sucessor, dada a panóplia dos candidatos, ser um irremediável saco de vento palavroso, tão incapaz de saber o que fazer nesta encruzilhada como de decidir se é ou não é a favor da despenalização do abortamento, recomendaria a Cavaco, em caso de aprovação de uma moção de rejeição do programa de governo, que se demitisse, por se recusar a nomear o governo vermelho do IV resgate. Com isso, forçaria a antecipação das presidenciais e transformá-las-ia num referendo ao caminho a seguir, acabando de vez com as dúvidas sobre o que queria realmente o eleitorado do PS.
Hipótese louca, claro: que nem Cavaco tem cojones para se demitir, nem, do único candidato teoricamente aceitável, vêm ideias claras, nem os dados estão todos lançados: Assis ainda pode, quem sabe, infundir algum juízo na cabeça de um número suficiente de deputados.
Será assim, assado, ou doutra maneira. Que no PREC original, ainda me lembro, a gente pensava uma coisa de manhã, outra à tarde e à noite não sabia o que lhe reservava o dia seguinte.
Já há pelo menos 35 reguilas que estão "a exigir à Volkswagen a troca do seu carro por um novo ou a alteração das condições de garantia por causa do caso de manipulação das emissões poluentes por parte do gigante alemão da indústria automóvel, revelou a Deco, a associação de defesa dos consumidores".
A Volkswagen far-lhes-á, claro, um manguito. Porque a aldrabice no software consistiu em fazer com que os automóveis, poluindo mais em utilização normal do que quando em teste, andem um pouco mais e gastem um pouco menos. Ou seja, a ter havido danos, eles foram para o ambiente, não para os proprietários.
A seu tempo, os bons cidadãos, respeitadores das leis e crentes na bondade das regulamentações europeias, irão às oficinas da marca e virão de lá com carros piores mas "verdes"; as autoridades imporão multas cujos valores serão suficientemente altos para impressionar o cidadão aflito com as agressões ao ambiente, mas suficientemente baixos para não prejudicar os postos de trabalho, a criação de riqueza, a importância da indústria automóvel, das exportações e do pé-ré-pé-pé; a indústria de produção de normas, testes e pareceres, verá acrescidos os seus poderes e multiplicadas as suas exigências; e daqui a uns tempos já ninguém se lembrará do incidente.
Não é provável que vá alguém preso, porque a febre justiceira da opinião pública não manda ainda tanto no poder político, e no sistema penal, como no outro lado do Atlântico; apenas a cabeça de Martin Winterkorn rolou metaforicamente, ainda que 60 milhões de Euros tenham porventura amaciado a dor da decapitação; e um outro aldrabão lhe ocupará o lugar, com igual eficiência.
No pasa nada, portanto. Fica por esclarecer por que razão, se as normas europeias são tão indiscutivelmente boas, as que se aplicam nos EUA são a tal ponto diferentes que o parque automóvel local quase não tem diesel, enquanto no europeu é mais de metade; e isto quando, nos dois espaços, as autoridades desveladamente se ocupam do ambiente, num lado porque o CO2, seja lá essa merda o que for, nos vai fazer morrer afogados por efeito da subida do nível das águas, e no outro porque as partículas nos vão dar, além de tosse, uma fatal inclinação para morrermos de variados tipos de cancro.
Circulo a gasolina - sempre evitei o diesel porque o barulho me impede de ouvir música. E, sem sucesso, recomendei a alguns membros da família que se abstivessem de apurar se os respectivos automóveis têm ou não a aldrabice teutónica incorporada.
Nada, nada, aquilo é gente que cumpre as normas e regulamentos. E depois, um destes dias, não é verdade, as inspecções periódicas, e as operações stop, passarão a exigir o certificado de que a correcção foi feita.
A defesa do ambiente faz-se com certificados. E eu, se tivesse um diesel Volkswagen, não deixaria de pedir ao concessionário: passe-me aí o papel, chefe, mas não faça nada. A sua representada pode, mas eu não? Era o que faltava.
Sempre ouvi dizer que nos princípios não se pode transigir. Por isso, entre outras, defendi Sócrates quando foi preso como foi e interrogado apenas dias depois. Pode ser legal mas é imoral e, é bom que não nos esqueçamos, amanhã qualquer um de nós poderá ter que se valer dos princípios.
É exatamente por isso que compreendo mal a opção do PS.
O PS viu a oportunidade e transigiu nos princípios. Em vários, talvez mesmo em todos:
Desde logo transigiu na forma como, desde há 40 anos, se tem entendido a legitimidade popular ou política. Era terreno comum que era ao Partido mais votado que cabia governar (ou, pelo menos, ter a oportunidade de iniciar o seu mandato). Foi assim com Cavaco, Guterres, César e Sócrates. Não havia nenhuma razão para não o ser agora. Esta não é, nem nunca foi, uma questão constitucional. É política ou de autoridade, no que de mais nobre tem a política. Sempre assim foi porque qualquer tentativa de formação de coligações contranatura teve o contrapeso do respetivo Presidente da República (Soares e Sampaio). O PS, apercebendo-se da oportunidade de o Presidente da República não poder dissolver o parlamento, resolveu transigir nos princípios.
Não se diga, por isso, que esta é uma questão pouco relevante ou que o que vale é apenas a maioria parlamentar. O PS sempre soube que assim não era. Por isso, na campanha, quando havia a possibilidade de a Coligação ter mais mandatos e menos votos, o PS defendeu que o relevante era ter mais votos. Por isso o PS defendeu, depois (quando percebe que teria menos votos e menos mandatos que a Coligação), que o mais relevante é ser o partido com mais mandatos (na expectativa que sozinho tivesse mais deputados que o PSD). E, só quando se percebeu que a Coligação teria mais votos e mais mandatos e que o PSD sozinho teria mais deputados, passou a defender que o relevante era ter uma maioria parlamentar. Numa palavra: viu a oportunidade e transigiu nos princípios.
Bem se percebe: ganhar eleições não é um detalhe em democracia. É o essencial. Que o diga Santana Lopes.
E, de facto, pior que ser Primeiro-Ministro não eleito (ainda que apoiado por sólida maioria parlamentar), só ser um Primeiro-Ministro derrotado... Com menos votos, menos mandatos e menos deputados. E apoiado por uma maioria conjuntural e instável. Santana Lopes era, de facto, o Primeiro-Ministro de uma maioria parlamentar, Costa nunca será o Primeiro-Ministro do PCP ou do Bloco. Pior, Costa não é, sequer, o Primeiro-Ministro do seu grupo parlamentar e, muito menos, de muitos que nele votaram.
Tem um homem que tanto transigiu e tão pouca legitimidade apresenta alguma condição de ser Primeiro-Ministro? A única parte que não percebo é que porque se sujeita o próprio a tamanho vexame.
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