Pacheco Pereira diz melancolicamente que há uma certa tristeza nisto tudo: na mãe que afoga as filhinhas na maré, no corrupto magistrado que vai de cana, no vereador que quer pôr umas árvores e na câmara que quer arrancar outras, na actrizinha que vem mostrar os progressos do cancro de que padece aos fãs, no pescador que morre afogado, no namorado traído que significa o seu desagrado com duas facadas na moça arredia - e, sobretudo, na televisão que nos serve estas misérias em doses cavalares, nos intervalos de sessões intermináveis de futebol.
Mas isto ainda não é nada. Que a grande maçada, o que transtorna Pacheco, é "a impotência do poder político democrático face ao poder económico [que] castrou governos eleitos e submeteu-os a entidades obscuras como os mercados".
Tivessem os mercados nome e outro galo cantaria. Mas os malvados vinham à sorrelfa emprestar-nos dinheiro, a taxas de juro proibitivas, e punham-se na Senhora da Alheta com os proveitos, que escondiam "numa caixa de correios das ilhas Caimão".
Tudo isto para salvar a banca, que no fim não salvaram: "Uma mistura de interesses, negligência, incompetência e uma nonchalance ideológica com custos gravíssimos, deixou de herança uma crise de milhares de milhões, que todos sabem de quem foi a responsabilidade. É por isso que Passos fala dizendo enormidades, como as que disse sobre o Banif, o banco que dava lucro e por isso não se tocava, e Maria Luís está lá no fundo da bancada muito silenciosa a ver se ninguém a vê".
Um verdadeiro pesadelo. E interminável porque, agora que o governo tem a bênção do BE e do PCP, e é dirigido pelo compagnon de Quadratura, poder-se-ia razoavelmente esperar que, finalmente, se começasse a "bater o pé aos credores" e a famosa TINA (there is no alternative) fosse remetida para o caixote da história, que é o destino fatal de todas as políticas que não têm o beneplácito de Pacheco.
Mas não. O Orçamento recentemente aprovado pela maioria é filho de pai incógnito, porque nem é o que o PS levou a Bruxelas, e que era saudavelmente "expansionista", nem, t'arrenego, o do PCP e do BE, nem muito menos o da Oposição. Isto Pacheco, por acaso, não diz. O que diz é que "é 'normal' o ministro das Finanças de Portugal receber ordens por email de Danièle Nouy, uma alta-funcionária bancária francesa com funções no BCE, mandando entregar o Banif ao Santander".
Dito de outra forma: Costa, como Passos, cumpre ordens de Bruxelas, precisamente o que se dizia ser o principal pecado do governo defunto. É certo que a contragosto - e isso chega para continuar a ter o apoio de Pacheco, até mais ver. Mas, entretanto - entristece.
Quem é mais afoito é Anacleto Louçã, que difere de Pacheco pelo facto de, dizendo basicamente as mesmas coisas, delas retirar consequências. Acha assim que "a liberdade de circulação de capitais é uma forma de regulação" (é mesmo, precisamente da mesma forma, e pelas mesmas razões, que a liberdade de comércio protege o consumidor), que "a única condição para que um Estado tenha condições para uma política de emprego e distribuição social é ser capaz de controlar os capitais" (tradução: para o Estado se apropriar do capital privado e instaurar a sociedade socialista é necessária a autarcia económica) e que a "banca privada será a forma de permitir a fuga de capitais" (entre outras coisas, Louçã, entre outras coisas. E ainda bem que os capitais podem fugir, senão desapareceriam, depois de confiscados, sob a forma de consumo e dos elefantes brancos do investimento público - enquanto durassem).
Há sim uma certa tristeza nisto tudo - e nestes dois também.
Gente de senso, quando confrontada com escolhas sobre as quais o PCP e o Bloco tenham uma posição firme a apoiar um determinado caminho - vai por outro.
A razão é simples: o valor supremo para esquerdistas daquelas duas tinetas é o da igualdade material entre os cidadãos e esta só se pode obter em detrimento da liberdade.
De facto, ninguém entrega os seus bens e os seus ganhos pacífica e voluntariamente ao Estado a não ser que ache que está a fazer um bom negócio: em defesa da igualdade de todos perante a Lei, assegurada pelas polícias e os tribunais, em assistência na doença e na velhice, em construção e conservação de estradas, em gratuitidade de ensino mínimo para todos, na existência de forças armadas sem as quais a própria ideia de país do qual se seja nacional deixa de fazer sentido - e um longo etc.
Todos, porém, querem uma vida melhor, e esta só é possível com progresso científico, tecnológico e material que se traduzam em empregos. Sucede que as pessoas comuns intuem que esses avanços resultam sobretudo de esforços de indivíduos que se norteiam por ambição. Ora, a ambição não consiste normalmente em querer ser igual aos outros, consiste em querer ser diferente - saber mais, ganhar mais, viver melhor, ter mais poder, ser mais ouvido, mais admirado, mais influente...
Daí que, ultrapassado que seja o limiar da tolerância em relação à punção do Estado, só seja possível prosseguir na senda do igualitarismo com doses crescentes de violência; e daí também que as sociedades socialistas sejam, além de inerentemente violentas, pobres - o homem comum é saudavelmente egoísta, não uma Carmelita Descalça, e esforça-se por si e a sua família, não pela comunidade.
Estas superficialidades (há bibliotecas inteiras a ocupar-se destes assuntos, e uma vida não chegaria para ler tudo o que, a favor e contra, já se escreveu sobre socialismo e comunismo) servem-me para me desculpar por concordar, por uma vez, com a comunistada do BE e o PCP a apostarem na estatização.
Estatizar é o que aquelas almas defendem sempre, et pour cause. Mas, desta vez, dá-se o caso de a escolha não ser entre a propriedade pública e a privada, mas entre a propriedade nacional de uma instituição portuguesa e a propriedade estrangeira, provavelmente espanhola, da mesma instituição.
Fosse uma fábrica de pentes ou painéis solares e pouco se me daria se o proprietário fosse espanhol, ou chinês, ou da República de S. Marino; e não houvesse o risco de o sector bancário, todo ele, ficar em mãos estrangeiras, e veria com bons olhos que um banco novo, de capitais estrangeiros, se juntasse aos demais no nosso exíguo mercado.
Vítor Bento diz que não há dinheiro português privado para ficar com os restos do BES. Claro que não: os capitalistas de primeira linha foram decapitados no 11 de Março de 1975; o restauro dos antigos grupos foi feito com empresas meio destruídas e, em parte, a crédito - o próprio BES foi um exemplo; os novos grandes capitalistas nasceram sobretudo no ramo das mercearias e pouco mais; os muitos casos de sucesso de empresários não chegaram ainda para fazer grandes argentários ou grupos, nem chegarão - a tributação predatória, a gestão esquerdista do País e a globalização encarregam-se de cortar as asas à acumulação de capital português.
E dá-se o caso de a afirmação de que "as dificuldades com a decisão se inscrevem na estratégia de criar grandes grupos europeus, o que passa por dar o domínio do mercado bancário da Península Ibérica a entidades espanholas" (opinião que não percebi se é a do próprio Vítor Bento se a do autor do artigo) casa bem com a pulsão burocrática e centralista de Bruxelas e o que se passou recentemente com o BANIF.
A pergunta, então, é esta: é melhor para nós dependermos exclusivamente de grandes bancos estrangeiros, mal geridos sob a tutela de gente que não conhecemos (há uma perversidade inerente ao sistema financeiro internacional, ainda não resolvida, que faz com que nem se obrigue a que os bancos sejam suficientemente pequenos para as falências não terem efeitos sistémicos, nem se garanta que sejam geridos por gente que não seja com frequência gananciosa e inepta) ou termos alguns bancos nacionais geridos por gente da confiança política do poder do dia, com as distorções que isso implica, pagando o preço de más alocações de recursos e suportando patetas da Academia metidos a banqueiros quando nem bancários sabem ser - pecha de que Bento não sofre, mas afecta muitos dos seus colegas?
Por mim, escolho os meus. Que é precisamente o que todos os estrangeiros fazem.
O Movimento 5 Stelle foi fundado em 2009. Em 2016, a sua posição nas sondagens para as próximas legislativas é esta:
Para a eleição de 2016 do presidente de câmara de Roma a posição é esta:
Não há qualquer mistério ou enigma no sucesso do M5S, foi apenas uma questão de técnica elaborada por um homem: Gianroberto Casaleggio o homem-sombra do movimento.
Casaleggio já assessorou Obama e imaginem lá, os amigos do Podemos (entretanto zangaram-se) usando a mesma técnica.
Recebi na empresa que a duras penas dirijo este simpático convite. E apressei-me a agradecer:
O papel da Câmara Municipal de Lisboa na economia da cidade é indiscutível e saber aquilo que é feito para alavancar a economia da capital portuguesa é de extrema importância para os portugueses.
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Bom dia.
Estranhamos o convite referido em epígrafe, visto que, em princípio, uma empresa de Fafe tem um interesse a tal ponto moderado em "alavancar a economia da capital portuguesa" que só por pudor não revelamos que ponto seja esse.
Nem por isso deixamos de formular os nossos agradecimentos, manifestando a nossa disponibilidade desde que as deslocações e estadia em Lisboa nos sejam oferecidas e possamos chegar a acordo quanto ao valor da indemnização para ouvir o dr. Fernando Medina.
Aproveitamos o ensejo para apresentar os nossos mais cordiais cumprimentos.
Vai por aí uma polémica sobre se a carga fiscal desce ou sobe com o novo Orçamento. Para os meus habituais consultores sobre assuntos de economia, sobe; e para os economistas da esquerda, que só costumo ler até ao ponto de bocejar ou encolher os ombros, desce.
Mas é claro que a discussão, como acontece muito entre economistas, circunscreve-se a saber se a carga fiscal cresce em não em relação ao PIB.
E como a previsão do PIB repousa em cenários; e como não só nunca acerta mas historicamente falha quase sempre por excesso: segue-se que, mesmo que a carga fiscal prevista diminua ou fique igual em proporção do PIB previsto, sempre a probabilidade de crescer na realidade em relação àquele indicador é grande - se a lógica não for uma batata.
Certo, certo, é que as taxas de imposto crescem, crescem sempre. Tanto que certos contribuintes já pagam mais de metade do seu rendimento em IRS; sobre o remanescente 23%, no mínimo, em tudo o que consumam, e taxas de imposto demenciais se tiverem vícios comuns como fumar, e gostos caros como beber o gin da moda ou conduzir um carro de gama média; e se ainda sobrar para aforrar ou investir, 26%, salvo erro, sob a forma de imposto de capitais, incidindo sobre o rendimento, à volta de 22% sobre lucros se tiverem a peregrina ideia de investir em empresas e ainda o IMI se, fruto de poupanças ou herança, tiverem imóveis - tudo sem falar em imposto de selo, alvarás, licenças, certidões, multas, alcavalas de todo o tipo e outros impostos avulsos, além de 11% sobre o salário que recebem e à volta de 24% sobre o salário que pagam, se pagarem algum.
Sobre o tal automóvel, mesmo que de gama baixa, paga ainda impostos para ter o direito de comprar, circular, abastecer, estacionar, utilizar a autoestrada, et j'en passe.
As coisas já foram tão longe que o ministro das Finanças reconheceu cândidamente há dias que quem tiver um rendimento de 2.000 Euros/mês é fiscalmente rico. Que o tenha dito é ingénuo mas que seja - como é - verdade é trágico.
É assim razoável cansar as meninges a apurar se a carga fiscal sobe ou desce sobre um indicador fugidio? E faz algum sentido comparar os aumentos de taxas de imposto que Gaspar impôs com as que Centeno impõe?
É que, mesmo que cada novo governo aumentasse as taxas menos do que o anterior, a punção do Estado não pararia de crescer. E duas certezas podemos ter: uma é que as taxas, uma vez fixadas, não baixam, salvo raras excepções para confirmar a regra (como a redução do IRC, com a qual o PS concordou para agora desconcordar); e a outra é que as crises servem para subir impostos, não para os baixar.
Se todo o nosso tempo é consumido a discutir qual a melhor forma de repartir o esforço fiscal de modo a atingir-se esse unicórnio que é a justiça social, e se a reforma do Estado for um objectivo com o qual toda a gente concorda desde que não comprima nenhum direito, afecte nenhum interesse, elimine nenhum benefício, e se alargue em regulamentos, serviços e direitos, então vamos a caminho de uma sociedade que a doutrina não previu: o comunismo por via fiscal, com uma camada fininha de ricos internacionalizados, uma multidão de escravos e outra de inúteis.
Bem vistas as coisas, talvez o PCP saiba o que anda a fazer ao apoiar este governo de desastre: ficamos mais perto da sociedade perfeita. Marx deve sorrir discretamente, por trás daquelas barbas hirsutas: desta não me lembrei eu - de cada um tudo o que ganha; a cada um tudo o que o Estado lhe puder dar, desde não seja mais do que ao vizinho.
Este artigo de João Miguel Tavares é pioneiro porque poucas ou nenhumas vozes se levantam ou revelam acreditar que seja possível um partido que agregue tendências que neste momento estão na abstenção, na clandestinidade ou a servir de muleta aos partidos do sistema.
De muleta? Sim, especialmente no meio dos liberais há trabalho quotidiano que é feito no sentido de apoiar a manutenção à tona do mal menor. - E este agradece? Não, a julgar pelo que diz João Miguel Tavares e pela representação que é dada aos liberais, conservadores e libertários (estes mais afastados) dos partidos do centrão-direito.
Portugal precisa de um partido de causa única: a reforma do Estado, a equiparação do Estado ao sector privado em termos de direitos e benefícios, de moralização (não há que ter pruridos em usar o termo) da coisa pública. Pensam que haverá poucos cidadãos a aderir? Eu penso que pelo menos 10% aparece a dar a cara e o voto.
Lá fora, em Espanha, em Itália, em França, novos partidos têm surgido cheios de sucesso em poucos anos. Aqui? Mantemo-nos no diz que disse quotidiano, na indignação contínua e sem fim, desgastante para todos e puramente inútil. Cada vez mais há alheamento da política, falta de reconhecimento de propostas capazes e válidas e não é que agora, PSD e CDS, depois de apertados pelo acordo de esquerda se aprontaram a apresentar novidades. O CDS dos 3% insiste na sucessão de Portas por uma delfina sem qualquer brilho, o PSD decide ocupar o desgastado centro. Uma inutilidade que surpreende ver libertários a defender.
Encomende-se uma sondagem, invistam dinheiro, façam crowd-funding, motivem-se, participem, chamem os bois pelos nomes, mas façam o que os nossos companheiros do Sul da Europa fizeram: apareçam com alternativas ao sistema.
10% é pouco? Na actual conjuntura de união à esquerda em que quanto mais se enterram PS, BE e PCP mais têm de correr em frente? - Não, 10% podem ser decisivos.
Digamo-lo rudemente: elegemos, para Presidente da República, um conas. E este triste facto registámo-lo com satisfação, porque as alternativas eram um académico de pacotilha, uma lunática atraente, uma simpática nulidade, um padre comunista, dois palhaços (dos quais um calceteiro e o outro "professor universitário"), Henrique Neto (que ninguém chegou a conhecer) e duas não-pessoas.
Está feito, feito está: teremos conciliação e não confronto, cedência e não inflexibilidade, os enredos nos bastidores mais complicados ainda do que no palco; e a peça será dançante, porque o actor principal tem queda para números de baile e fará o gosto ao pé ao som da música que as circunstâncias propiciarem.
O verdadeiro palco, aquele onde as nossas vidas são afectadas, será a Europa, o Parlamento e o Governo. E como este último já demonstrou que fará os mínimos que forem precisos para satisfazer os nossos patrões europeus e, ao mesmo tempo, contentar o apoio contranatura dos comunistas autênticos e da versão radical-chic de frei Anacleto e suas muchachas, temos que é apenas uma questão de tempo até que o preço do petróleo, alguma convulsão europeia, a inevitável derrapagem da execução orçamental e os correspondentes orçamentos rectificativos com novos aumentos de impostos, façam com que a opinião pública mude.
E logo que o governo da maioria-que-nunca-ninguém-imaginou-mas-já-agora-deixa-ver-como-é comece a afundar nas sondagens - ou que, ao mesmo tempo ou em alternativa, os comunistas acordem e descubram que fizeram um mau negócio ao apoiar um governo da reacção de Bruxelas em troca de garantir a importância da CGTP e a influência e os tachos nas empresas públicas e no aparelho do Estado - convirá que a Oposição não se precipite.
Da última vez que os socialistas deram com os burros na água (e anteriormente já o tinham feito duas vezes, ainda que ajudados pelo ar do tempo e a costela socialista do PSD, que à época passava por, e talvez fosse, realismo) a Oposição teve pressa.
Não a poderá ter agora, porque não vale a pena fazer cair o governo sem haver uma maioria claríssima de direita nas sondagens, agora que o PS assoreou o fosso que historicamente o separava de comunistas e derivados. Mas esta, que é evidente, não é a principal razão.
É que o governo de Passos inaugurou o seu consulado com um colossal aumento de impostos, a prova provada de uma de duas coisas: ou não fazia ideia como se reformava o Estado e portanto não sabia onde cortar; ou sabia mas faltou-lhe em coragem o que lhe sobrou em calculismo eleitoral para futuro.
O calculismo não falhou inteiramente porque a vitória relativa nas últimas eleições não foi pequena coisa. Mas não chegou. Nem teria chegado mesmo que Costa não tivesse feito o número de circo que lhe garantiu o lugar e tivesse desaparecido, como seria justo, pela porta dos fundos. Porque um governo PàF dependente do PS seria sempre uma caricatura do que o País precisa: o PS é, geneticamente, o partido do défice, do funcionalismo e do Estado empreendedor - tudo o que nos trouxe à miséria de região europeia pobreta, falida e sem esperança em que nos tornamos.
Mas uma vitória não servirá para nada se repetir os erros do fugitivo Vítor Gaspar. Porque este serviu-nos o colossal aumento de impostos; o patético Centeno fica-se pelo brutal aumento; e o futuro ministro das Finanças, quando tiver que colar mais uma vez a baixela esbotenada que Costa escaqueirou vai fazer o quê? Sangrar o doente que está a morrer de anemia, a ver se este, por milagre, se recompõe?
Tem Passos Coelho consciência disto? Aparentemente não, a julgar pelo slogan Social Democracia Sempre, que é o da sua campanha. É certo que a campanha é para militante, não para eleitor, ver. Pois sim, mas mesmo sem pertencer ao PSD - et pour cause - ouso dizer que nem Sá Carneiro, o santinho que têm no altar, pensaria hoje o que pensava ou diria o que disse in illo tempore.
De resto, o PSD estava, já na altura, a rebentar de espertalhões prontinhos para entendimentos "ao centro", com o PS, sobre o pano de fundo das negociatas e dos lugares suculentos no aparelho do Estado e nas empresas públicas; Passos Coelho foi ressuscitar Rui Machete de entre a malta das "Opções Inadiáveis" quando Cavaco inventou o entendimento com o PS para eleições antecipadas, no verão quente de 2013, um afloramento dessa pecha antiga; e para todos os que se reclamam do ícone Sá Carneiro conviria estudar as circunstâncias em que este se moveu - e que não são as de hoje.
José Eduardo Martins não se queixa mais, e faz muitíssimo bem. Eu também não, mesmo sem nunca ter sido "detido" (a palavra pundonorosa que o legislador inventou para que certos cidadãos possam ser metidos em celas sem nenhum julgamento ou condenação, em nome da "agilização de processos", para "servir os fins superiores da Justiça", como "prevenção contra males maiores", ou ainda outras razões igualmente nobres).
Também não porque a minha longa experiência de tribunais me leva a pensar que são lugares a evitar sempre que possível, porque se tropeça facilmente em funcionários que se imaginam juízes, juízes acreditando que a majestade da Justiça encarnou neles, e todo um clima de abuso, descaso e ineficiência que a opinião pública tolera porque supõe que as coisas não podem ser de outra maneira, assiste a sucessivas reformas operadas por especialistas que chegam a ministros da Justiça mas nunca alcançam os resultados pretendidos, vê pelas notícias e pelos filmes que as coisas lá fora não parecem ser muito diferentes e sabe que os advogados, o elo mais são do sistema porque não têm nem privilégios nem poderes, também não têm no geral nenhuma ideia que preste para reformar o sistema em que vivem atolados (como se comprova, aliás, pelas personalidades que democraticamente elegem para os representar como bastonários, que, sendo entre si muito diferentes, têm sido quase todos iguais na inoperância, quando não no ridículo).
Este caso foi notícia por estar envolvido um político, e só isso já absolve o juiz abusador: se é político é ladrão, salvo prova em contrário, é para que veja, porque não mudou a lei quando estava no Parlamento, quem é que ele se julga - e todas as outras razões que os cidadãos de virtude encontram para vituperar quem escolheram, demais a mais se não for de esquerda e não tiver por conseguinte o coração a sangrar permanentemente com pena dos desvalidos.
Sucede porém que Martins não diz, mas digo eu, que é de um juiz abusador que se trata, porque a magistrada, perguntada se "tinha lido o processo" respondeu que "lhe bastou ler o código". E como Martins indica benevolamente que parte do código está em apreço, fui ler o artº 116º do Código de Processo Penal. Diz:
1 - Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
Alguém requereu a detenção? Quem e porquê? Ninguém requereu? Então a senhora juíza acha que ordenar a detenção de um cidadão sem ler o processo é assim uma coisa corriqueira? Acha mal.
Acha mal e seria bom que os seus colegas do Conselho Superior da Magistratura a ilustrassem. Não porque uma figura pública deva ter tratamento diferente do de um cidadão comum; mas porque, se se trata assim quem escreve nos jornais, fala na televisão e conhecerá possivelmente alguns dos poderosos que a opinião pública execra, como não se tratará um cidadão comum?
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