Ao contrário de Portugal, cujo governo persiste em ignorar teimosamente as sugestões construtivas do Bloco de Esquerda e aumentou o salário mínimo em apenas 5%, deixando inquietas as pessoas que "sentem que a sua experiência, a sua competência, a sua responsabilidade é completamente desconsiderada", o governo da Venezuela acabou de aumentar o salário mínimo em 30%.
Não é só por má vontade. É também porque o governo português, apesar de socialista, está agarradinho pelas grilhetas do euro. Ao contrário, o governo socialista venezuelano pode imprimir, enquanto tiver dinheiro para papel e tinta, notas de bolívar.
Também é verdade que a inflação na Venezuela anda pelos 700%. O que significa que, para comprar o que um bolívar conseguia comprar há um ano, agora são necesssários oito. Como os venezuelanos foram aumentados 30%, agora ganham 1,30 bolívares por cada bolívar que ganhavam há um ano. Recebem mais, a vantagem de serem aumentados por um governo socialista bolivariano. Mas o que recebem vale seis vezes menos do que valia o que recebiam há um ano, ou seja, quem tinha dinheiro para comprar um quilo de carne há um ano, agora tem dinheiro para comprar um quilo de arroz. O que não chega sequer a ser um problema, porque já não há carne nem arroz nas lojas. Enfim, tudo junto resulta naquilo que os assessores do Podemos ensinaram, a troco de modestíssimos honorários, o governo venezuelano a designar pela "Suprema Felicidad Socialista".
Como chegar então ao ambicionado patamar da suprema felicidade socialista em Portugal? Uma solução prometedora seria marimbarmo-nos para o pagamento da dívida, lançar a bomba atómica e deixar o banqueiro alemão com as pernas a tremer. Mas as palavras terão sido fortes, com uma imagética excessiva, e o próprio proponente hoje em dia esmoreceu o ímpeto reformista da cruzada. A melhor alternativa parece ser sairmos do euro e retomarmos a impressão de escudos, com que podemos pagar salários cada vez mais elevados, até deixarmos de ter dinheiro para imprimir mais dinheiro.
É verdade que, sem o euro e a senhora Merkel (a senhora Merkel é doutorada em Química quântica, mas nem por isso deixa de ser senhora) e o senhor Schäuble a tomarem conta dele, governos de demagogos irresponsáveis poderão devolver livremente os rendimentos aos portugueses aumentando os salários para cima de uns trinta por cento à custa de desvalorizar a moeda para um oitavo do valor que tinha. Mas o que é isso comparado com a suprema felicidade socialista de voltar a ter aumentos, contratos colectivos de trabalho, e lojas vazias, mas com a felicidade de poder atribuir a responsabilidade de estarem vazias aos especuladores e inimigos da revolução?
Esta semana foram publicados dois artigos muito engraçados. O primeiro de Pacheco Pereira que foi aqui mencionado e o segundo de Luís Aguiar Conraria (fazendo uma enorme confusão entre liberais, direitistas e conservadores católicos) publicado hoje no Observador. Artigos engraçados, porque - que diacho!, a direita liberal (eles "brincam" como se aquilo a que chamam direita liberal fosse do PSD e CDS e não apenas assumisse o mal menor na gestão do Estado) não está no poder nem é previsível que o venha a ocupar nos próximos anos mas mesmo assim os dois esquerdista militantes elegem-na como assunto dos tais artigos. Não acham estranho? A que se deve tão honrosa atenção?
Penso poder dar uma explicação. Quer Pacheco, quer Conraria, que são homens inteligentes da nossa esquerda lusitana vêem com antecedência de onde vem o risco para o seu quadrante político. Sim, porque ele vem daquilo a que ambos chamam direita liberal mas não está actualmente representado em qualquer partido do sistema, excepto em algumas pessoas liberais que fazem entrismo com muitas dificuldades. Perceberam-no muito bem. Porquê?
Porque os mesmos que, discretamente, andam há anos a alertar para os perigos, risco e erros do actual caminho, estão tranquilamente a verificar como a esquerda irá esbarrar inexoravelmente na realidade e à espera do momento para poder aparecer (Pacheco e Conraria intuíram-no bem). E, a realidade é que não há um, um único, país esquerdista europeu ou do resto do mundo que seja rico como a esquerda gostaria. O expoente europeu é a Grécia. A França luta com enormes dificuldades, a Espanha não faz geringonças, a Itália está nas mãos de um liberal centrista e a recuperar sofrivelmente de anos de esquerdismo militante (Berlusconi é um estatista e corporativista, Monti que evitou o colapso, um liberal europeísta). O que isto significa para Portugal? Que o tempo de alimentar os delírios estatistas da tal esquerda militante também aqui irá acabar, ou então o povo deixa-nos ir pelo caminho da Grécia com o objectivo Venezuela, mas devemos ter mais fé que isso nos portugueses, não acham?
Os exemplos de países bem sucedidos, onde a pobreza foi e está continuamente a ser reduzida são geridos por princípios liberais (Alemanha ordoliberalismo, Irlanda centro-direita, Reino Unido centro-direita e etc.) ou quando na alternância os partidos mais à esquerda ocupam o poder têm políticas que para o nosso burgo seriam da tal direita radical que Pacheco aponta.
Logo, caros Pacheco e Conraria, não tomem as nossas dores por vossas, que estamos bem e nos recomendamos, esperando tranquilamente a chegada do momento em que ficará óbvio, cristalino e límpido para todos os eleitores portugueses que o caminho da esquerda, sempre com a boca cheia dos pobres enquanto mantém as rendas de uma clique privilegiada, apenas leva a mais dívida e resgates, mais pobreza para todos e ausência de desenvolvimento sustentado.
Calma e tranquilamente.
"Se querem colégios particulares, paguem-nos" é uma frase tão elitista e sociopata como "Se querem bifes, paguem-nos".
Curiosamente, anda hoje em dia na boca de muitos que, em plena crise social causada pela bancarrota do governo socialista anterior, se exaltaram e trataram como genocida uma anti-Maria Antonieta que, à época, sugeriu "se não têm dinheiro para comer bifes, comam frango". Percebe-se porquê. Para quem aspira a uma hecatombe social que acenda o rastilho de uma revolução, uma frase como "se não têm pão, comam brioche" faz maravilhas a incitar o ódio ao estabelecimento, mas uma alternativa à fome acessível a quem não tem dinheiro para comer bifes aborta a sonhada revolução antes de ela nascer. Sem gente a morrer de fome, não há pachorra para revoluções.
A frase podia ter uma formulação infeliz, mas uma fundamentação económica. O dinheiro dos contribuintes é finito, se bem que, com os socialistas a gerir, bastante elástico, e se saísse mais caro ao estado social pagar o ensino em colégios particulares do que em estabelecimentos oficiais, seria um desperdício de recursos preciosos para acudir a outras necessidades, nem que fosse a de reduzir os impostos para estimular a actividade económica. Mas o assunto já foi alvo de múltiplos estudos, que estão longe de ser conclusivos. Não está provado que pagar a um colégio para abrir uma turma seja mais caro que abrir essa turma numa escola oficial, mesmo que seja a poucos metros do colégio, nem o seu contrário. Se essa possibilidade é negada aos pais dos alunos não é por motivos económicos, ou economicistas, como gostam de dizer os zelotas do estado social.
O que parece ir-se provando é que, quando têm possibilidade de escolha apesar de não terem dinheiro para a sustentar pessoalmente, quando o estado social lhes oferece essa possibilidade, muitos pais preferem pôr os filhos a estudar em colégios particulares a pô-los na escola oficial da área de residência.
Mas se os beneficiários do estado social preferem, e não sai fundamentalmente mais caro aos contribuintes, porquê a guerra aberta, declarada por todos, desde a esquerda radical ao socialismo chamado "democrático" instalado no governo, aos contratos de associação? Por motivos ideológicos, como está na moda explicar agora.
Uma das hipóteses para a explicar é o ódio genético do socialismo à liberdade de escolha, ou à liberdade genericamente, e a confusão entre a construção de um estado social, que oferece a todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade económica, um conjunto essencial de direitos que, de outro modo, só seriam acessíveis aos que têm capacidade económica, e a construção de um estado socialista, em que todos os aspectos da vida devem ser determinados pelo estado e pelos burocratas que o controlam, e que qualquer liberdade de escolha ou iniciativa privada pode abalar.
Outra, é a preservação da estratificação social existente, reservando aos que têm dinheiro a escolha das melhores escolas negada aos que não têm, de modo a que os filhos de família que frequentam os colégios caros que ajudam a fabricar médias não se vejam ultrapassados no acesso a Medicina por filhos do povo que, além de serem mais inteligentes e diligentes que eles, também tenham sido educados em escolas que os preparam para os exames. Esta é detectável nos defensores do estado social exclusivamente público que, tendo capacidade económica para o fazer, recorrem aos colégios privados para os seus filhos.
Outra ainda, com que não vale a pena perder muito tempo, é um reflexo condicionado derivado da estupidez de presumir que colégios privados são privilégio de ricos, pelo que os contratos de associação servem apenas para financiar aos ricos a educação dos seus filhos que eles próprios podiam pagar.
Frases como "Se querem colégios particulares, paguem-nos" revelam mais da sociopatia da segunda hipótese ou da estupidez da terceira que do fundamentalismo ideológico da primeira. Mas todas são inimigas da liberdade, do progresso e "das pessoas".
"Era nos Paços de Santa Ireneia, por uma noite de inverno, na sala alta da Alcáçova...".
Qual Gonçalo Mendes Ramires sentado na minha torre à espera do lampejo de inspiração que me permitirá passar da primeira linha d"o" primeiro poste memorável, vou entretendo o tempo com uma história que publiquei, aqui recuado, no Facebook...
O António nasceu dois anos antes da implantação da República, filho bastardo de um baronete beirão e da sua governanta. Sempre foi bem tratado naquela casa mas, aos 16 anos, decidiu que aquilo não era vida para ele e decidiu partir à aventura para Moçambique.
Chegou a Moçambique um jovem em busca de aventura mas, durante os anos que passou entre Moçambique e a África do Sul, as injustiças e indignidades a que assistiu fizeram dele um comunista.
Regressado a Portugal, levou uma vida de militância comunista, entre a prisão e a clandestinidade. Já andava pelos 50 anos quando conheceu a Emília, criada de servir na pensão onde vivia na altura, que tinha crescido num orfanato, e nunca tinha conhecido outra vida que não fosse servir. Casaram-se, a Emília ficou em casa, e o António iniciou uma vida menos aventureira, só esteve preso mais uma vez, e acabou por arranjar um emprego estável como tipógrafo no Diário de Lisboa, onde ficou até se reformar. Com a reforma própria de quem, entre a prisão e a clandestinidade, teve uma carreira contributiva modestíssima.
Quando o António morreu por volta de 1980, a Emília, com cinquenta e poucos anos, viu-se forçada a voltar a trabalhar para sobreviver. O tio Baião, vizinho, camarada e amigo de décadas do António, foi-lhe dizer que o partido ia abrir uma livraria na Amadora e precisava de uma empregada de limpeza. A Emília relatava com lágrimas a solidariedade do partido, que lhe dava a mão naquela altura de necessidade. E foi fazer limpezas na livraria da Editorial Caminho que estava em obras para abrir na Amadora.
Fazer limpezas de uma loja em obras era trabalho duro mas que a Emília fazia com gosto, reconhecida ao partido por lhe ter dado a mão e contando que, quando acabassem as obras, o trabalho de limpezas da livraria seria bem mais leve e permitir-lhe-ia levar uma vida modesta, mas sem grandes receios do amanhã. E contava os dias até à abertura da livraria.
No dia em que a livraria abriu, a Emília foi dispensada.
Pacheco Pereira só pode estar a gozar connosco quando escreve o artigo de ontem. Excerto do gozo e da falta de respeito:
"Mas é muito interessante ver aquilo que são os bas-fonds da nossa direita radical, entre comentários, blogues e twitter. Não, não estou a falar do PNR, estou a falar de apoiantes do PSD e do CDS, do extinto PAF, muitos “jotas”, mas também gente adulta que enfileirou nos últimos cinco anos do “ajustamento”, vindas de alguns think tanks e amadores da manipulação comunicacional que se formaram nestes anos."
"Não estou a falar do PNR", "Direita radical" e etc.... vão ler o resto se ainda conseguem ler o autor.
Ora bem, como se fizéssemos parte de um grupo conspirador, PP de uma assentada só, insulta e maltrata cidadãos comuns que não fazem mais que escandalizar-se:
- com o peso do Estado na economia (mais de 50% do PIB) e o país cada vez mais pobre
- com a geração que diz ter feito o 25 de Abril e hoje é rica e anafada (PP incluso) à custa dos filhos e netos (a dívida de cada português quanto é?)
- com os sucessivos escândalos de gente sempre associada à política e aos negócios da órbita do Estado que consomem recursos superiores ao que temos de gastar durante um ano em saúde pública
- com a quebra de rendimentos desde que começámos a "patinar" em moeda única porque não se consegue fazer um orçamento equilibrado (há sempre lobbies a satisfazer, construção, não-transaccionáveis, médicos, professores, agora até taxistas), enquanto os países não-socialistas europeus prosperam
Ora, quem contribuiu mais que Pacheco Pereira para que cada vez mais cidadãos se escandalizem com o dito acima? Poucas pessoas, pois PP era um acérrimo defensor da liberalização da vida económica e social portuguesa. Recordo com saudade os inúmeros programas Quadratura do Círculo ainda só na TSF, quando PP era a voz mais sensata entre os comentadores.
Caro José Pacheco Pereira:
"Nós" somos gente preocupada e trabalhadora, lutadora num mundo com dificuldades e exigências que as anteriores geração não tiveram, com rendimentos abaixo dos correspondentes na Europa, sem perspectivas de pensão, que tem por obstáculo principal à melhoria de vida, o Estado cada vez mais burocrático, centralizador, regulador (um sucesso todas as nossas agências, não são?) sufocante e sempre mais ávido de impostos sem nunca se conseguir equilibrar.
Em 2009, João Duque escrevia:
"Cedo, essa geração chegou ao poder, alguns nem com 30 anos de idade. Ainda o alargou através da nacionalização de centenas de empresas, numa correria tal a que nem escapou uma barbearia da Baixa. Meia dúzia de comícios, umas manifs, uma passagem pela sede de um partido e a coisa resultava.
Quando foi preciso, mudaram de partido (para a direita) para manter o pezinho na pista de dança.
Receberam um país com um saldo líquido de activos sobre o exterior (posição de investimento internacional) acima de um terço do PIB (cálculo de Vítor Bento), venderam as empresas que entretanto nacionalizaram, receberam milhões da Europa, consumiram o que tinham e não tinham e reformaram-se, deixando como legado um saldo líquido de passivos sobre o exterior de quase 100% do PIB."
Eram a Geração TuTuTu que entretanto se transformou na Geração EuEuEu que tudo quer para ela própria não se importando com o parasitar de todo o país e de caminho nos afundar em miséria e indigência pública. É contra estes que nos insurgimos. Será isto ser radical?
Na série "Nunca aceitarei um convite para fazer parte de um clube que aceite pessoas como eu", mas a verdade é que já não vou para novo, e sou um bocado mais vaidoso do que tento parecer, aceitei logo, e as razões para aceitar é que me disseram que eu escrevo com lucidez e independência, o que não interessa ao menino Jesus, e num Português adequado, e eu, que tive 10 a Português na última vez que tive Português, no 3º período do 5º ano, e foi o único 10 que tive em todo o liceu, mas a culpa não foi minha, é que eram turmas de 36 alunos e eu não tinha o acompanhamento que necessitava para aprender melhor, felizmente nunca tive que fazer exames porque dispensei sempre, e assim pude crescer feliz, e ainda sou, mas não queiram que eu vos faça uma cirurgia, porque desmaio à vista de sangue, fico inchado de vaidade quando me elogiam o Português, podem-me dizer que sou bonito e inteligente, o que até é verdade, mas os elogios ao meu Português é que me desarmam, e aceitei.
Vou começar a escrever em Português adequado no Gremlin Literário. Uma cambada de neoliberais. Mas que escrevem com lucidez e inteligência, e num bom Português. Bem hajam (e não digo bem hajam por ser um blogue de direita, mas para chatear os leitores que se chateiam quando se diz bem hajam) por me terem convidado.
Para a próxima vou tentar controlar melhor o auto-elogio e escrever sobre outro tema que não sobre mim próprio. Mas hoje tinha que aproveitar a oportunidade, caraças (caraças não é como se diz no Minho, já vos disse que sou um minhoto de Lisboa? mas eu decidi adoptar uma terminologia mais gender neutral, que eu sou um neoliberal de esquerda)!
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