Quarta-feira, 31 de Agosto de 2016

Maçã com bicho

Pergunta-se: Há alguma razão para a Apple Irlandesa ter pago em 2014, a título de IRC, apenas 0,005% (e pouco mais do que isso, mas não mais de 1%, nos nove anos anteriores) enquanto as outras empresas irlandesas pagaram 12,5%?

 

A Comissão Europeia acha que não; o governo irlandês acha que sim. Acha que sim mas a notícia não diz porquê. O ministro pertinente, Michael Noonan, terá apenas declarado: "Discordo profundamente da Comissão. A decisão deixa-me sem outra alternativa a não ser procurar aprovação do governo para recorrer". A empresa, por sua vez disse o que lhe competia: "A Apple cumpre a lei e paga todos os impostos que deve independentemente do lugar onde opera. Vamos recorrer".

 

Como àquilo que a Apple teoricamente deve ao Estado Irlandês, isto é, 13 mil milhões (!), se pode abater o que se mostre devido noutros Estados (o nosso, caracteristicamente, já afia o dente), é lícito concluir que, mesmo sem sabermos se a Apple virá algum dia a pagar, os escritórios de advogados especialistas em direito fiscal têm anos de trabalho à sua frente.

 

Curiosamente, o que a Apple da Irlanda tivesse pago, além do que pagou, à sede americana, a título de custos de investigação e desenvolvimento, teria sido considerado custo, portanto directamente dedutível a estes 13 mil milhões, e as autoridades americanas, ao contrário do que fariam as portuguesas se se deparassem com um caso semelhante, não só não reclamam nada como rosnam: "o Departamento do Tesouro norte-americano criticou a decisão da Comissão Europeia de ordenar ao grupo informático Apple o reembolso de uma soma recorde, alegando que ameaça 'o espírito de parceria económica' entre Estados Unidos e União Europeia".

 

Suponho que o ministro Noonan, e os seus antecessores, não serão corruptos; e que as autoridades fiscais americanas não são estúpidas nem escravas dos grandes grupos económicos. Portanto, toda esta história está mal contada: se a Irlanda achou que os seus muito competitivos 12,5% de IRC não eram suficientemente atractivos algumas razões terá tido  ̶  quais foram? Sem essa explicação, não se pode começar, como diz a nossa comunicação social em jornalistês, a "apontar o dedo".

 

Aguardemos, pois. Ainda que, se eu fosse executivo da Apple, já estaria a benzodiazepinas, porque o recurso obriga ao depósito do chumbo (que aliás resulta apenas de imposto dito em falta e juros, não multas - o Fisco Europeu já tem os tiques inquisitoriais do português, mas sem particulares requintes) e treze mil milhões congelados devem, suponho, causar algumas cefaleias.

 

Imagino que, em devido tempo, o Tribunal dará razão à Apple porque se a empresa se estabeleceu e investiu com base num acordo com as autoridades legítimas, não podem as condições deste acordo ser alteradas retroactivamente. Ou então o princípio da confiança cede o passo ao princípio da ganância fiscal, que os factos consagram mas a melhor doutrina ainda não.

 

Entretanto, o caso será aproveitado como perfeito para ilustrar a inerente maldade da competição fiscal entre países, e portanto este autoinfligido golpe da Comissão será apresentado por todos os federalistas como um gritante exemplo do que pode acontecer quando não há harmonização fiscal (por cima, claro, que as harmonizações fiscais são sempre pelas taxas mais altas); a Esquerda europeia rejubilará com mais este exemplo da inerente maldade das multinacionais; entre nós, a maioria dos blogueiros e a quase totalidade dos jornalistas digitarão com furor os teclados dos seus IPad, e dos seus IPhone, reclamando multas e sanções à Apple, enquanto frei Anacleto, numa das suas homilias, descreverá às massas embevecidas o país que poderíamos ter se a União Europeia nos subsidiasse, como é sua obrigação, com os recursos de que disporia se não fossem estas roubalheiras; e as autoridades irlandesas, se não a população, olharão para o outro lado do mar da Irlanda pensando melancolicamente que os Ingleses já não têm que aturar estas merdas.

 

Já eu bem gostaria que esta embrulhada fosse connosco. Sonho impossível, claro: que é pacífico que a função das empresas é pagar impostos; e a do Estado criar riqueza. Arranjo que faz com que as empresas estrangeiras não nos venham para aqui incomodar com as suas explorações.

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publicado por José Meireles Graça às 01:11
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Terça-feira, 30 de Agosto de 2016

Le petit Nicolas, encore...

O jumento que o Dr. Balsemão não despediu com justa causa quando sujeitou à humilhação pública o seu grupo de comunicação social arrastando-o para o golpe do vigário em que ele próprio caiu que nem um patinho, por motivos que o Dr. Balsemão conhecerá, mas que não andarão longe de ele sonhar o seu grupo de media mais no domínio da propaganda do que no da informação, e jornalistas burros e rafeiros serem os ideais para rosnarem às canelas de quem o chefe os manda morder, lembrou-se de, mais uma vez, tentar ajudar o PSD a aumentar a sua votação num próximo acto, ou ato, como ele escreve, eleitoral, substituindo o Pedro Passos Coelho por, não chega a esclarecer mas pode-se subentender? outro fantoche do chefe, como ele, ou o que o chefe conseguiu vender para primeiro-ministro como vende sabonetes, se bem que não para ganhar nenhuma das eleições a que concorreu desde que foi conduzido aonde chegou, ou mesmo um fantoche deste fantoche. Enfim, escreveu:

2016-08-29 Nicolau Santos.jpg

O PSD, e é o PSD e as suas estruturas de militantes que escolhem o presidente do partido e não os jornalistas, comentadores ou governantes que gostariam de o escolher, não liga a ponta de um corno a este jumento, mas isso nem é importante, porque ele nem se apercebe bem do que anda cá a fazer.

Mas as pessoas desse imenso povo, não o oprimido das favelas, mas o indignado dos condomínios privados e do eixo Príncipe-Real - Estrela, que estão borradas de medo do resultado que o Passos Coelho possa vir a ter nessa tal eleição, quando ela tiver lugar, sentem-se reconfortadas com rezas como esta e republicam-nas e republicam-nas na esperança de que, repetida muitas vezes, a reza acabe por resultar. Seria tão bom se o PSD lhes fizesse a vontade. Bem hajas, Nicolau.

Na próxima reza vou ajudar a encontrar um substituto para a Assunção Cristas no CDS.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:26
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Domingo, 28 de Agosto de 2016

Novas d'além-mar

Eu ia começando assim: "Uma das dificuldades de ser brasileiro é que...", mas parei. Um tal começo dava a entender que as dificuldades de ser brasileiro são tão poucas que as podemos pingar assim, de uma em uma, até fazendo ar de pouco caso. Nada mais falso. Ser brasileiro é ser um nababo de dificuldades, é ser um Creso de percalços, um Rotschild de aporrinhações. Se dificuldades fossem colares de pérolas, o brasileiro era um afogado em bolotas. Se empecilhos fossem grãos de areia, a vida do brasileiro era uns tantos Saaras empilhados.

 

Mas bem: dito isto, digamos sempre que uma das dificuldades de ser brasileiro é explicar aos amigos de Portugal que somos não somente capazes de baptizar um infeliz dum filho de Deus com o nome de DALÍRIO, como ainda fazemos dele um senador. Há de ser por remorso ou por compensação; não consigo pensar noutra razão. A ser assim, já vêem que o senado brasileiro é um grande abrigo de gente aviltada à pia da Igreja, porque agasalha não somente o DALÍRIO como também o LINDBERGH, a GLEISI, o RANDOLFE, o REGUFFE (este foi baptizado num banquete, não faço por menos), um GLADSON, um ROMÁRIO e um SÉRGIO PETECÃO.

 

Um colunista daqui, o saudoso Ivan Lessa, dizia que a monarquia brasileira foi à breca para evitar que o século XX trouxesse uma princesa chamada Luzimar. Bolas, vede o que a República nos deu! E é nas mãos de gente assim - é nas mãos do PETECÃO, valha-nos Deus - que ora repousa o futuro da República. Porque são eles que decidirão se dona Dilma (esse nome é feio, sim, mas pelo menos é búlgaro) volta ou continua fora. São eles os que, nos debates, trocam frases imortais como "Cala-te, viciado!", "Vai-te ao diabo, mariola!", "A senhora não se esqueça de que eu a tirei da cadeia!", "Ninguém aqui presta! Nem eu!", e outras que fariam Cícero meter a viola no saco. Ou que guardam o silêncio dos justos enquanto mantêm seus navegadores conectados ao sítio do Red Tube.

 

Quando eu era menino, dizia-se que o Brasil era o país do futuro. Agora estou justamente no meu futuro, e ele é cheio de tipos assim, em cujas mãos repousa o pouco de futuro que me resta. Mas não desanimo: se até a lua tem um futuro, por que o Brasil não teria? Vejamos o que o PETECÃO tem a dizer. Quero dizer, veja lá quem quiser; eu vou gastar umas horinhas do futuro dormindo, que já é noite, e eu afinal tenho um senado para sustentar.

 

publicado por Orlando Tosetto Júnior às 01:46
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Projectos falhados

O Francisco Louçã diz, com o tom de voz que o Manuel Alegre lhe baptizou uma vez, antes de terem sido companheiros de estrada e de o seu apoio e o do BE terem sido decisivos para, em conjunto com o do PS e o do MRPP, subtrairem mais de 300 mil votos aos mais de 1,1 milhões que ele tinha conseguido antes sózinho e sem nenhum apoio, e a concorrer à esquerda contra o Mário Soares, o Jerónimo de Sousa, o Garcia Pereira e o próprio Louçã, de cardeal, mas que talvez seja mais de pároco de aldeia onde toda a gente se foi embora e só restam os velhotes meio surdos e analfabetos que o ouvem com reverência por não o conseguirem ouvir bem e muito menos perceberem o que ele diz, que "A União Europeia é um projeto falhado".

De projectos falhados percebe ele.

O Francisco Louçã nasceu para a política a idolatrar a 4ª Internacional, que não foi propriamente um projecto de sucesso. Terá andado, especulo sem saber ao certo, mas haverá por aí quem certamente saiba, pelas campanhas do Otelo? até o Otelo ser preso e condenado por terrorismo, e mais tarde aministiado, e da Pintasilgo? que também não foram propriamente projectos de sucesso. Participou na fusão de herdeiros de uma misturada de Internacionais que, num golpe de génio, ou de sorte? pouco interessa, cresceu à custa do mediatismo das causas fracturantes até as causas fracturantes terem sido devoradas ao pequeno-almoço pelo PS do Sócrates e o Bloco se ter transformado num partido, não do taxi, mas do monovolume, que dificilmente se podia considerar um projecto de sucesso quando ele deu lugar a outros. Apoiou vocalmente a aventura do Syriza na Grécia, de quem se tornou mesmo um assessor notável, que se transformou no projecto de sucesso que a história mais tarde veio a revelar na modalidade "bater o pé a Bruxelas enquanto há dinheiro e quando o dinheiro se acaba meter o rabinho entre as pernas", e não apoiou tão vocalmente, mas também não se lhe conhecem desapoios, a revolução bolivariana da Venezuela que se está a revelar num caso de sucesso quase inédito na História da humanidade ao conduzir à miséria o povo do país com maiores reservas de petróleo no mundo com vasta assessoria, paga a peso de ouro, do partido irmão, do regime bolivariano e do BE, Podemos. Até o apoio do BE ao candidato Manuel Alegre foi o caso de sucesso que se viu e depreende da leitura do parágrafo anterior.

Posto isto, e dada a sua experiência de décadas de envolvimento convicto em projectos falhados, qual é o projecto a quem o Francisco Louçã aponta o dedo, cruzando referências de Maquiavel com referências da "Guerra dos Tronos" como falhado?

A União Europeia, esse mesma, o grande projecto democrático do século XX, senão o maior da história da humanidade, que foi eregido como uma muralha de liberdade e prosperidade contra a retórica socialista de todas as internacionais que prometia o jardim do paraíso mas só foi capaz de oferecer penúria e prisão intra-muros aos desgraçados que lhe cairam nas garras, o que aliás continua a fazer aos cada vez menos povos que ainda lhe continuam a cair nas garras.

Dada a preferência demonstrada do Francisco Louçã por projectos falhados, e de democraticidade muito duvidosa, este pessimismo face ao projecto europeu e à sua falta de democracia é uma excelente notícia para os europeístas. Talvez ainda não esteja tudo perdido.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:23
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Sábado, 27 de Agosto de 2016

Burkini? Passo.

Mas as mulheres que se vestem com o burkini querem vestir-se assim? É que, se querem, qualquer proibição do Estado é um abuso, não porque não haja limites para o que mulheres e homens podem ou não podem vestir no espaço público, mas sim porque o burkini poderia ser apenas uma moda de vestuário, como tal insindicável pelos poderes públicos.

 

O Estado não tem que regular a moda, apenas proteger algumas regras em matéria de vestuário sobre as quais há um tal consenso nas nossas sociedades que a sua quebra origina sanções: alguém aceitaria que os funcionários da Fazenda, ao menos no Verão, desempenhassem as suas funções trajados de cuecas (não obstante a forte, e positiva, carga simbólica que tais preparos teriam, dada a natureza do mister em que se ocupam)? E se, no hospital, as enfermeiras usassem como traje a mesma bata diáfana com que se embrulham os pacientes sujeitos a exames, e que ao menor descuido obriga a mostrar o rabo, acaso não se levantaria um clamor público reclamando que naquele estabelecimento as enfermeiras eram putas?

 

Não vestimos ou, mais exactamente, não nos despimos publicamente conforme poderia dar na veneta a alguns originais, dos quais há sempre uma quantidade razoável, e que não hesitariam decerto em passear-se em pelota; e a ofensa desse, e doutros, tabus, ocasiona repressão que a sociedade exige. E se exige, em nome de valores partilhados que ninguém contesta, então o Estado tem legitimidade para intervir quando esses valores sejam ofendidos.

 

O traje das mulheres, na praia e fora dela, tem evoluído à medida que elas se têm vindo a libertar da atmosfera do lar, da autoridade do pai, do marido, do irmão e genericamente deles, dos homens. Com a Grande Guerra as mulheres descobriram que eram perfeitamente capazes, para substituir os moços que foram para as trincheiras, de desempenhar tarefas no mundo do trabalho às quais até aí não tinham acesso, e isso contribuiu para o enterro do modelo de mulher vitoriana e para a revolução dos costumes e da moda nos Anos Loucos; com a II Guerra Mundial a força centrífuga da libertação da Mulher acentuou-se; e com a invenção da pílula nos anos sessenta o mulherio no Ocidente deu o grito do Ipiranga e acentuou a reclamação, ente outras coisas, da absoluta igualdade dos sexos perante a Lei, hoje a tal ponto pacífica que a geração mais bem preparada de sempre abriria a boca até às adenoides se soubesse, país a país, quando exactamente obtiveram o direito de voto ou quando, entre nós, puderam ser juízes ou desempenhar cargos de chefia.

 

O bikini (uma invenção que o monokini agravou e que prejudica, na minha opinião, o sex appeal da maior parte das mulheres, mas isso são outros quinhentos) é uma declaração pública, mesmo que inconsciente, de um facto simples: o nosso corpo é isto, e como dele somos proprietárias podemos oferecê-lo, ou não, a quem queiramos, sem licença de homem nenhum porque não temos menos direito a escolher do que eles - se não gostam ponham na beirinha do prato e se gostam contenham-se.

 

O bikini é isto e o burkini o seu contrário. E a prova, se fosse necessária, de que as coisas são assim, é que podemos estar certos de que as tolinhas ocidentais que agora desataram a comprar burkinis o fazem com inteira liberdade; enquanto as muçulmanas que declaram usar o burkini por terem direito a essa moda não se livram da suspeita, para não dizer certeza, de estarem apenas a prestar vassalagem aos seus parentes barbudos, como fizeram as suas mães e avós, porque as consequências de não o fazerem seriam terríveis.

 

Finalmente: É uma atitude inteligente o Estado, em vez de fechar as madraças onde se ensine o ódio ao Ocidente, e impedir a construção de mais mesquitas onde se prega o obscurantismo de uma religião à qual os muçulmanos moderados ainda não impuseram o aggiornamento, andar pelas praias a multar mulheres que tiveram a infelicidade de nascer em sociedades medievais?

 

Há quem diga, com boas razões, que não. Inclino-me a pensar que sim, não porque a verdadeira guerra esteja aí mas porque, para tratar doenças, nos devemos preocupar com as causas, mas sem desprezar o tratamento sintomático.

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publicado por José Meireles Graça às 23:49
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Sexta-feira, 26 de Agosto de 2016

Tudo o que sempre quis saber sobre economia especulativa de casino *

* mas teve vergonha de perguntar.

Mais um complemento ao MBA rápido para jovens socialistas que pretendam vir a assumir a pasta da Finanças em governos socialistas. Nunca deixamos os nossos alumni ao Deus dará.

Do Mário Soares ao Francisco Louçã, da Catarina Martins e das manas Mortágua ao João Galamba, à Ana Catarina Mendes, ao Pedro Nuno Santos, os socialistas do Tempo Novo, até os comunistas da velha guarda tão resistentes a aderir ao folclore da moda, toda a gente que conta fala de economia especulativa de casino.

Mas afinal o que é economia especulativa de casino? Sabe? Não sabe e passa pela vergonha de não perceber bem o que é que eles lhe dizem com tanta convicção ou vê-se mesmo forçado a evitar meter-se em discussões para disfarçar a sua ignorância? Tenho a resposta para si!

Economia especulativa de casino é vender títulos de dívida de alto risco de não virem a ser remunerados e reembolsados nos termos contratualizados, e compensar esse risco com a promessa de juros altos para aliciar os investidores com maior preferência pelo risco ou os mais aversos ao risco mas incautos.

Por exemplo? As obrigações subordinadas que o governo socialista vai mandar a CGD emitir para vender a investidores privados no âmbito do seu processo de recapitalização.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 12:11
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Quinta-feira, 25 de Agosto de 2016

Poder Local aquático

Através de um post anódino, fiquei a saber que há quem planeie um serviço de táxi fluvial entre as duas margens do Douro, presumo que para jusante da ponte D. Luís e até à Afurada.

 

Não investiria um cêntimo no projecto e certamente não me passa pela cabeça ir de carro até, por exemplo, Massarelos, para o estacionar nos parques que não há e apanhar um barco  ̶  barcos apanham-se para fazer, além de cruzeiros, travessias onde não haja pontes. E entre o Porto e a outra margem, pontes, há seis: a do Freixo, a de S. João, a D. Maria (esta desactivada em favor daquela S. João, em geral considerada "muito elegante", na realidade feíssima), a do Infante, a de D. Luís e da Arrábida. Há ainda, creio, um serviço de lancha entre o Ouro e a Afurada.

 

Mas pode bem ser que com a incrível afluência de turistas ao Porto o negócio se venha a revelar interessante  ̶  se sim ou não é problema do investidor, ao qual desejo a melhor sorte.

 

Se as coisas correrem bem, milhares de pessoas farão a travessia do modo que mais lhes convém, uma vez que a escolheram livremente, porque as alternativas existem; serão criados postos de trabalho; riqueza; e gerar-se-ão impostos, que só não aliviarão os meus porque o Estado Socialista está sempre um passo à frente do que cobra.

 

Se, porém, correrem mal, nem por isso perderei o sono: os financiadores ficam a arder, os trabalhadores encontrarão a seu tempo outro modo de vida, os credores sobreviverão e eu, que não arrisquei nada, tenho, como toda a gente, uma grande capacidade de resistência a problemas que não sejam meus.

 

Está tudo bem, então? Não, não está: há quem veja nisto uma "verdadeira captura do potencial económico do património público" e entenda que o negócio "poderia perfeitamente ser público, de responsabilidade municipal, revertendo os lucros desse serviço para as respectivas autarquias e populações".

 

Ou seja, um comunista (ignoro se tecnicamente o é, nem interessa: na prática comunistas e bloquistas têm, no tratamento da economia, a mesma varinha de condão chavista que transforma riqueza em merda) acha que o rio, por ser um bem público, deve ser explorado pelo Estado. Nem preciso de perguntar para estar certo de que entenderá que a TAP deve ser pública porque o ar é, igualmente, público; que os transportes de passageiros, que circulam em estradas que não são privadas, deveriam pertencer ao Estado; e que os táxis, vá lá, podem pertencer a privados desde que estes sejam pobrezinhos. Se pertencerem a empresas exploradoras temos a burra nas couves.

 

Esta maneira de ver o mundo não me surpreende excessivamente  ̶  são socialistas, coitados, portadores portanto de uma doença crónica. O que me perturba é que, com tantos exemplos, em particular na área dos transportes, do desastre do investimento e da gestão públicos, insistam em bater com a mesma cabeça na mesma velha parede. Só pode ser porque gostariam muito de ser empresários, desde que invistam o que não lhes pertence, arrisquem o património de terceiros e sejam nomeados para cargos de gestão por terem, do lado certo, o coração, uma víscera que, posta a pensar, dá origem geralmente a calotes e à ruína  ̶  dos outros.

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publicado por José Meireles Graça às 23:09
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Domingo, 21 de Agosto de 2016

Sobre ser irreverente

Na última entrevista que tive para o meu primeiro emprego a sério, numa multinacional americana de informática, até aí, nos últimos dois anos do curso do Técnico, estava a trabalhar como bolseiro de investigação por convite de um professor no laboratório público onde ele trabalhava além de dar aulas, fui entrevistado pelo então director-geral de vendas da multinacional, percebi mais tarde que o homem com mais poder de facto dentro da companhia, apesar de, hierarquicamente reportar ao administrador-delegado.

A entrevista foi numa tarde em que, por um problema técnico qualquer, o edifício estava sem energia, e tive que subir pelas escadas até ao nono andar. Ao contrário das entrevistas anteriores, em que tinha estado claramente a ser avaliado pelos entrevistadores, esta, que já era mais uma formalidade para o ingresso que uma etapa na selecção, foi uma conversa bastante informal com ele. Ele era, vim a saber mais tarde, um self-made man que tinha chegado ao Canadá vinte anos mais cedo, não tenho a certeza se com o quinto ou o sétimo ano do liceu? o que na época era uma diferença de monta, e 50 US$ no bolso, tinha arranjado emprego numa companhia aérea e começado a trabalhar no arranque da informática dessa companhia, onde fez carreira e, quando regressou a Portugal, ingressou na multinacional para vender e ajudar a montar o sistema informático da companhia aérea nacional, que era nessa época o maior cliente de qualquer empresa de informática, e chegou rapidamente ao topo da hierarquia da empresa. E durante a conversa, em que nem estava particularmente sorridente, disse uma daquelas frases que levamos, e eu trouxe, pela vida fora, algo como, já não me lembro exactamente a propósito de que contexto, "as gerações conformistas geram filhos irreverentes, e as gerações irreverentes geram filhos conformistas". Disse também que nem toda a gente se esforçava do mesmo modo na companhia, e exemplificou mesmo que havia pessoas que se dedicavam mais a actividades como o teatro amador do que ao trabalho pela companhia, mas havia lugar para todos e a companhia seguia em frente mesmo sem essa dedicação desses. O que levei da entrevista, e confirmei pala vida fora, é que era um tipo muitíssimo vivo e inteligente e extraordinariamente irreverente.

O que me deixou algo tranquilizado. Estavamos em 1983, em pleno auge da última guerra fria entre os EUA e a URSS, Reagan de um lado e Brejnev do outro, eu era o aluno com melhor média do meu curso mas era considerado pelos colegas de curso, uma geração bastante conservadora onde a AD tinha passado a prevalecer sobre a esquerda folclórica que tinha dominado o Técnico anteriormente e havia, nomeadamente, muitos alunos vindos do S. João de Brito, muito irreverente, e quando lhes anunciei que tinha concorrido a esse emprego não se pouparam em avisos sobre a minha irreverência numa multinacional americana onde, avisavam eles, o inconformismo não era nada apreciado e os "comunas são todos corridos". Depois da conversa com ele, não parecia.

E não era. Além de a cultura da empresa privilegiar sempre a autonomia e a criatividade e nunca o conformismo, e todos os funcionários terem uma placa para colocarem em cima da secretária com o seu nome na face frontal e, na face traseira virada para eles, a palavra "Think", na companhia havia comunistas que não eram remetidos à clandestinidade nem escondiam a militância no PCP, nem eram corridos, nem eram prejudicados profissionalmente. Eu fui parar a uma sala onde tinha à minha frente o presidente repetidamente eleito da comissão de trabalhadores, que era militante do PCP, de onde veio a sair anos mais tarde, tinha sido preso pela Pide, e era também irreverente, um comunista com quem era, e ainda é, um prazer discutir. Esta foi a minha primeira lição de luta de classes tal e qual ela é no mundo real das multinacionais globais, um bocadinho diferentes das empresas imaginárias fascizantes e repressivas efabuladas pela esquerda a promover golpes de estado militares pelo mundo fora. Curiosamente, se os militantes do PCP não escondiam da companhia a sua filiação e exerciam mesmo activismo laboral na comissão de trabalhadores e na comissão sindical, muitos colegas que, depois de reformados e desligados da companhia, reencontrei no Facebook, onde se assumem como activistas anti-capitalismo e anti-sistema, anti-neoriberalismo como se diz agora, na altura não denotavam este radicalismo nem qualquer espécie de orientação política, nem sequer moderada, nem sequer da área do PS. Sobra-lhes em radicalismo agora, que lhes sai de graça, o que lhes faltava quando receavam que podiam colocar a carreira em jogo, frase actual roubada ao meu colega de frente comuna naquele primeiro ano na companhia. Reverências.

Isto tudo vem a propósito de duas entrevistas com actrizes que foram hoje publicadas em jornais, uma com uma actriz notável, e o qualificativo é meu e pode ser discutível, que se tornou actriz "a fricalhar" e a dar desgostos aos pais de classe operária, e outra com uma actriz ridiculamente medíocre, o que é mais pacífico, que se conformou exactamente, até na opção por uma profissão "cultural", ao molde em que foi vertida "...num ambiente familiar ... em que o normal era as pessoas organizarem-se, em associações, cooperativas. Para mim, sempre foi natural organizar-me com as pessoas com quem estava. E sempre tive uma educação, um ambiente, que me permitiu crescer com uma sensibilidade grande para a injustiça...".

Como dizia o Luís, chamava-se Luís, que não tinha grandes estudos mas sabia mais de olhos fechados do que uma multidão com eles bem abertos, "as gerações conformistas geram filhos irreverentes, e as gerações irreverentes geram filhos conformistas". Saudoso Luís.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:16
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Sexta-feira, 19 de Agosto de 2016

A escola portuguesa de jornalismo

 

Agressão-Ponte de Sor-01-640.jpg

 

Estranhei na quarta-feira à noite, quando ouvi no noticiário da Sic. A história começou com um desacato entre bandos de miudagem; depois de separados, dois deles seguiram um miúdo de 15 anos, apanharam-no sozinho, e aplicaram-lhe um ensaio de pancada com toda a brutalidade. Foi encontrado, sem sentidos, pelos homens do lixo. Sabemos que os bombeiros o trouxeram de helicóptero para um hospital de Lisboa, onde ficou internado entre a vida e a morte.

 

"Os agressores, ambos estrangeiros, já foram identificados", dizia a voz do jornalista. Mostrava a fachada do prédio, esticava o depoimento do padrasto que, confirmando a tradição da grande escola portuguesa de jornalismo, não tinha visto nada nem sabia de coisa nenhuma. E a reportagem não desistia, era facto atrás de facto, e o bocado de alcatrão ensanguentado onde o miúdo tinha caído com o crânio desfeito por dois estudantes da escola de pilotos, "ambos estrangeiros".

 

E a nacionalidade dos "estrangeiros"? Nada. E o que fazia um par de "estrangeiros" na escola de pilotos de Ponte de Sor? Nada, e mais nada, nem a mais pequena pista. O canal do "interesse público", compreensivelmente, em lugar de notícias passava um jogo de futebol. Já o dr. Balsemão paga às suas redacções para lhes dar soltura, deixando-as ao critério de quem calha publicar notícias de fancaria aldrabadas pelos códigos do politicamente correcto.

 

Quem quiser saber o fim da história pode agradecer ao Correio da Manhã. Os jovens criminosos são iraquianos, filhos do senhor embaixador.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 13:44
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Quinta-feira, 18 de Agosto de 2016

A direita radical populista sem dor

Querem fazer uma Lei da Nacionalidade de direita radical populista sem se sujeitarem à vergonha de a família, os vizinhos, os colegas de trabalho e os amigos do Facebook vos apontarem o dedo como xenófobos e racistas? É possível, mas não é evidente.

Copiar a doutrina de clássicos do populismo da direita radical como a Marine Le Pen ou o Viktor Orbán cumpre facilmente o primeiro objectivo, mas com um risco elevado de colocar inapelavelmente em causa o segundo. Vão-vos apontar o dedo! O que fazer então?

É fácil. Contratar como assessora jurídica uma jornalista de esquerda, mais da radical que da moderada, dizendo-lhe, e esta parte é imprescindível para chegar aos objectivos, que é por causa da nacionalidade de um político de direita neoliberal. Políticos detestados como o Passos Coelho ou o Paulo Portas são exemplos ideais, mas a Assunção Cristas também serve. E o que responderá a jornalista de esquerda? Algo como:

  • "...Assunção Cristas é angolana! Pessoalmente, desconhecia que a líder do CDS não era portuguesa ou teria dupla nacionalidade. Mas palpita-me que a realidade é Assunção Cristas ser, de facto, filha de colonos - não angolana. Ser angolano não é ter nascido em Luanda em 28 de setembro de 1974. Isso é ser filho de colonos - e assumir o passado colonial despojado de tretas também é uma forma de os dois países entrarem na idade adulta.

    Aqui há dias, um amigo diplomata africano falava-me da profunda irritação que os dirigentes das ex-colónias tinham quando loiros de olhos azuis se apresentavam em Luanda - ou em qualquer outra capital de um antigo país colonizado - a afirmar a sua “nacionalidade” angolana. Eu confesso que percebo perfeitamente a irritação. A conversa do ser “angolano” é uma atitude profundamente paternalista. Assunção é portuguesa, nascido pelo acaso no fim do colonialismo em Luanda e “retornada” à sua verdadeira pátria. Ponto final...".

Depois, é só trocar "colonos" por "imigrantes", "angolano" por "português", "loiro de olhos azuis" por "preto", e a Lei está pronta a ser publicada no Diário da República. Ficará algo progressista como:

  • "...Ser português não é ter nascido em Lisboa em 28 de setembro de 1974. Isso é ser filho de imigrantes - e assumir o passado de imigração despojado de tretas também é uma forma de os dois países entrarem na idade adulta.

    Aqui há dias, um amigo diplomata europeu falava-me da profunda irritação que os dirigentes das ex-potências coloniais tinham quando pretos se apresentavam em Lisboa - ou em qualquer outra capital de um antigo país colonizador - a afirmar a sua “nacionalidade” portuguesa. Eu confesso que percebo perfeitamente a irritação. A conversa do ser “português” é uma atitude profundamente paternalista. Assunção é estrangeira, nascida pelo acaso no fim da imigração em Lisboa e “retornada” à sua verdadeira pátria. Ponto final...".

É verdade que a lei dirá que não podem ter nacionalidade portuguesa filhos de imigrantes nem pretos, e será difícil distinguir a sua orientação da de manifestações da xenofobia e do racismo como a frase clássica "Ó Assunção, vai para a tua terra". Mas a origem progressista da Lei constituirá uma garantia contra o risco de se ser considerado xenófobo e racista.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 21:28
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