Eu vou contar uma história.
Depois de ter feito a primeira classe na Escola Primária nº 18 na Rua das Janelas Verdes, acabei a instrução primária e fiz os dois primeiros anos do liceu no Externato Oliveira Martins na Amadora, colégio particular dirigido com mão militar pelo coronel José Lemos, militar reformado que organizava as actividades do colégio como se se tratasse de um quartel, onde o respeito pelos professores e pelos funcionários era cultivado e os alunos faziam formaturas para entrar nas aulas, para descer para o recreio, para ir para a cantina ou para sair.
O coronel Lemos era também o professor de Matemática e, quando entrava na sala de aula, os alunos levantavam-se todos, como faziam, aliás, sempre que qualquer professor entrava na sala de aula. Era assim nesse tempo.
Um dia o coronel Lemos entrou, percorreu a sala com o olhar, e dirigiu-se ao Pereirinha, aluno de aproveitamento e comportamento irrepreensíveis, nessa altura dava-se importância a isso, que ocupava um lugar numa das carteiras da primeira fila:
- O senhor não se levanta?
E o Pereirinha respondeu-lhe conciliando como podia o respeito a que nunca faltava com a defesa da sua dignidade perante a injustiça de que estava a ser vítima por parte da autoridade máxima do colégio:
- Mas eu estou de pé, senhor coronel!
O Pereirinha estava de facto de pé. Mas o facto, esquecido pelo coronel Lemos, de ele ser o aluno mais baixo da turma do primeiro ano do liceu no colégio, fez dele vítima daquela injustiça involuntária do coronel Lemos, de confundir o seu gesto de irrepreensível respeito por ele e pelo comportamento que se poderia esperar de um aluno disciplinado com uma insubordinação.
Já os deputados do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, mesmo que tenham dois metros de altura, nunca conseguem deixar de ser rasteirinhos. Problemas de coluna, pode-se pensar, mas na verdade meros catraios mal educados.
Os yields da dívida no mercado secundário não são os juros exigidos pelos credores a quem deve, os juros devidos pelos devedores são os que são contratados para cada título quando é emitido, em conjunto com os prazos para os pagamentos de juros e o reembolso do capital.
Quando alguém disse "Os juros exigidos à Grécia já vão em 94,59% (!) nas obrigações a um ano. É mais que usura, é terrorismo financeiro", mesmo que tenha sido um grande poeta do Porto, limitou-se a dizer uma asneira resultante de uma conjunção de activismo político, tremendismo discursivo e ignorância financeira. Que os yields da dívida grega tenham atingido valores próximos dos 100% significa, não que alguém exigiu juros de 100% à Grécia para lhe emprestar dinheiro, mas que houve credores de dívida grega que, com medo que os seus títulos de dívida não viessem a ser reembolsados, se desfizeram deles a metade do preço para outros investidores que, se eles viessem a ser reembolsados, obteriam um lucro de 100% neste investimento. E mesmo estes também acabaram por perder dinheiro nos sucessivos haircuts, eufemismo de calotes, a que a dívida grega foi sujeita. Mas eu não estou aqui para chorar a sorte de investidores com gosto pelo alto risco e altas perspectivas de retorno que perderam o que investiram, adiante.
O yield é, pois, a rendibilidade que um comprador de um título de dívida na bolsa, ou mercado secundário, espera obter do seu investimento, dados os pagamentos de juros e capital que esse título lhe deve expectavelmente proporcionar, e o preço a que o compra.
A ligação entre os yields e as taxas de juro decorre de os yields informarem o mercado do nível de rendibilidade que os investidores estão a exigir para comprar esses títulos de dívida no mercado secundário, e quando se fazem emissões de um novo título semelhante no mercado primário os seus tomadores tenderem a exigir taxas de juro de nível semelhante ao yield no momento da emissão.
E, fechada esta introdução demasiado maçuda e hermética para os leigos, demasiado ligeira e imprecisa para os conhecedores, e na medida certa para os que a saltaram directamente para o parágrafo seguinte, passo ao assunto do dia.
Que contributo dá cada governo para a factura de juros da dívida pública que os contribuintes, que são eles e não os governos a pagá-los, pagam?
A contabilização dos juros pagos ao longo do tempo de exercício de funções de um governo não é uma medida deste contributo, porque um governo paga, a não ser que dure muitas décadas, como os dos irmãos Castro, ou, em menor medida, os do Salazar, esmagadoramente juros de emissões de dívida contraídas dos governos que o precederam. Paga essencialmente juros de dívida emitida a 5, 10, 30 anos, por governos anteriores, e também começa a pagar ao fim de algum tempo os de dívida emitida por ele próprio, que quando cessar funções lega aos governos seguintes. A despesa de juros de um governo não serve para aferir o contributo desse governo para a despesa de juros.
Os yields só influenciam, nem sequer determinam, a taxa de juro de uma nova emissão de dívida. Se hoje houver uma emissão de títulos a 10 anos e o yield dos títulos a 10 anos estiver a x% há uma alta probabilidade de a taxa de juro da emissão ficar muito próxima dos x%. Mas se o yield se mantivesse estável daqui para a frente, se as expectativas dos investidores e a avaliação que fazem da confiabilidade do governo emitente se mantivessem estáveis, as emissões futuras também teriam que pagar juros semelhantes e, eventualmente, toda a dívida hoje existente a diferentes taxas de juro acabaria por ser reembolsada e substituída por nova dívida toda emitida à mesma taxa de x%.
Em determinado momento, a despesa de juros potencial depende do montante em dívida e do yield, que tendencialmente pode vir a ser a taxa de juro futura para toda a dívida.
E ultrapassada mais esta parte demasiado maçuda e hermética para os leigos, demasiado ligeira e imprecisa para os conhecedores, e na medida certa para os que a saltaram directamente para o parágrafo seguinte, passo mesmo ao assunto do dia.
O governo socialista do José Sócrates legou ao governo seguinte no dia 21 de Junho de 2011 uma dívida de 172.393 milhões de euros e um yield de 11,3% para os títulos de dívida pública portuguesa a prazo de 10 anos. A prazo, se este yield perdurasse, toda a dívida pública seria renovada por dívida emitida à taxa de juro de 11,3%, e a factura de juros anual ascenderia a 19.600 milhões de euros, cerca de 11,1% do PIB.
O governo de coligação PSD/CDS do Pedro Passos Coelho legou ao governo seguinte no dia 26 de Novembro de 2015 uma dívida de 231.598 milhões de euros e um yield de 2,33% para os títulos de dívida pública portuguesa a prazo de 10 anos. A prazo, se este yield perdurasse, toda a dívida pública seria renovada por dívida emitida à taxa de juro de 2,33%, e a factura de juros anual ascenderia a 5.400 milhões de euros, cerca de 3% do PIB. Em pouco mais de quatro anos, este governo reduziu a factura de juros potencial em 14.200 milhões de euros, cerca de 7,9% do PIB.
E o governo actual do António Costa? No final de Setembro de 2016 a dívida pública ascendia a 244.420 milhões de euros, e o yield para os títulos de dívida pública portuguesa a prazo de 10 anos a 3,33% (entretanto já aumentou). A factura anual potencial de juros passou para 8.100 milhões de euros, representando cerca de 4,45% do PIB. Em dez meses, a factura anual potencial de juros aumentou 2.700 milhões de euros, ou 1,5% do PIB.
Boas notícias para os credores. Más para os contribuintes. E péssimas para os apoiantes do governo que vivem numa berraria pegada contra o peso da dívida mas apoiam justamente o governo que o faz engordar. O que não é líquido que consigam perceber.
E se as eleições fossem hoje?
Como muito bem sublinhou BZ n' O Insurgente, se as eleições fossem hoje algo teria que ter corrido suficientemente mal na coligação de esquerda que sustenta o governo para o parlamento ter sido dissolvido por um presidente que se desfaz em manifestações de afecto pelo governo e ferroadas à oposição.
E algo pelo qual dificilmente a oposição pudesse ser responsabilizada já que, ao contrário do que exigiu o António Costa, e não só, a partir do momento em que atirou com o António José Seguro pela borda fora do partido, e apesar de o Pedro Passos Coelho continuar a usar na lapela um pin com a bandeira de Portugal, o que é por muitos interpretado como tendo a ilusão que ainda é primeiro-ministro, não tem feito qualquer apelo ao presidente para dissolver o parlamento antes do final da legislatura e antecipar eleições, nem qualquer apelo dessa natureza pareceria ter alguma probabilidade de acolhimento pelo presidente. Nem a lendária habilidade da propaganda populista desresponsabilizante dos socialistas, que chega ao ponto de justificar o falhanço do modelo económico do crescimento baseado na devolução dos rendimentos, explicando que o modelo não falhou mas os rendimentos devolvidos foram desviados para pagar as dívidas a que as famílias tiveram que recorrer para se aguentaram ao longo da crise da legislatura anterior, conseguiria apontar responsabilidades convincentes ao governo anterior e à oposição actual para um falhanço que desencadeasse uma crise política, embora certamente ensaiasse explicações pouco convincentes, como faz sempre.
Nesse contexto, se as eleições fossem hoje é natural que o PS levasse uma sova eleitoral, e não o resultado prometedor de 43%, quase a rondar a maioria absoluta, que a sondagem da insuspeita Universidade Católica divulgada esta semana lhe atribui, e que os inquiridos não tenham respondido de modo literal à pergunta "Se neste momento se realizassem eleições legislativas em que partido votaria?", mas antes manifestado a sua intenção de voto futura quando elas se realizarem, expectavelmente daqui a três anos.
E se as eleições fossem hoje daqui a um ano?
Neste caso, em que as eleições seriam suficientemente afastadas para as respostas não estarem contaminadas por um cenário de crise política iminente, mas suficientemente próximas para os inquiridos serem capazes de formular uma previsão realista da sua intenção de voto futura, já parece ser mais adequado inferir previsões a partir dos resultados das sondagens.
E de facto há um histórico significativo de sondagens da Universidade Católica realizadas um ano antes de eleições.
Um ano antes das eleições de 2011, a sondagem da Universidade Católica previa um resultado de 41% para o PS. O PS acabou por obter um resultado de 28%, apenas menos 13% que a previsão da sondagem.
Um ano antes das de 2015, previa um resultado de 45%. O PS acabou por obter um resultado de 32%, outra vez não mais do que 13% abaixo da previsão da sondagem.
Agora a sondagem prevê-lhe um resultado de 43%. O PS está, pois, à beira da maioria absoluta.
Ontem o Circo Costa passou pela cidade e presenteou-a com mais uma magnífica matiné, ao nível a que nos tem habituado, no hemiciclo da Assembleia da República, onde estreou o novo número de ventriloquia apresentado pelo já consagrado membro da companhia Pedro Nuno Santos como ventríloquo, e pelo estreante Ricardo Mourinho Felix como boneco, que desempenharam os papéis de Rafeiro e Cachorrinho na peça "Rosna-lhes às canelas, Bobi".
A técnica de ventriloquia funcionou na perfeição, e os diálogos foram de chorar a rir. Transcrevo alguns excertos:
O artista Pedro Nuno Santos, que se tinha notabilizado pelo modo exímio como desempenhou o papel de idiota que faz caretas e manguitos aos banqueiros alemães para lhes provocar tremores nas pernas no número de palhaços "Marimbando para os Credores, nós temos a Bomba Atómica", classificado pelos críticos como "palavras fortes, eventualmente com uma imagética própria e excessiva", o que, para os que não dominam a linguagem hermética da crítica circense, é uma crítica positiva, num jantar de Natal socialista em Castelo Branco, revelou igual mestria como ventríloquo na condução do fantoche Ricardo Mourinho Felix no parlamento.
Quanto a este, esteve à altura do papel de fantoche, não havendo nada a criticar-lhe na actuação, excepto algumas hesitações que foram prontamente corrigidas pelo ventríloquo.
E o António Costa, o gorducho director do circo que engole sílabas, facturou mais uma subida nas sondagens. Por enquanto, estamos entregues aos palhaços.
Como suponho que os media tradicionais nunca darão esta informação, aqui fica uma lista de alguns dos principais responsáveis pela campanha bem sucedida de Trump. Será interessante acompanhá-los ao longo da presidência para ver quantos passam de hagiógrafos a fiscais.
Fundado pelo judeu adoptado Andrew Breitbart, falecido em 2012, dirigido actualmente por Steve Bannon um católico de origem irlandesa. Foi o centro de muito spin pró-Trump e tem escritórios em Los Angeles, Texas, Londres e Jerusalém.
Lew Rockwell é um católico romano, libertário, amigo de Murray Rothbard, presidente do instituto Ludwig Von Mises no Alabama. No site escrevem vários outros autores e ao longo da campanha fundamentou o motivo utilitário para os libertários na eleição de Trump.
Fundado em 2009 por um búlgaro, é um blogue de economia e Finanças com autores que escrevem sob o pseudónimo de Tyler Durden do Fight Club. É estruturado editorialmente e além de muitas notícias pré-Apocalipse dá bons insights sobre banca central, trading e evolução da economia mundial.
Fundado por Alex Jones, conspirativo e apoiante de Ron Paul. Dos sites até agora listados será o mais controverso e com menos qualidade jornalística compensada por grande activismo e por um apresentador muito virulento.
Gay, furiosamente anti-politicamente-correcto e ideologia do género, caustico com o feminismo. Onde vai cria confusão e dissensão. Andava já há tempos de guarda-costas. Pertencerá à administração de Trump. Será uma delícia ver as suas intervenções na mainstream media.
Feroz conservadora, fala com todas as letras e é aceite na mainstream media onde intervém frequentemente. Foi famoso o episódio das gargalhadas quando há mais de um ano disse na TV que Trump seria POTUS.
Descendente de libaneses, juíza, procuradora, directa e ácida, incorrecta politicamente, dá grandes sermões na Fox e na NBC.
Youtuber, Twitter, Contrarian Conservative, especialista em vídeos de choque político é um lone ranger mas também dá o ar de sua graça no InfoWars.
Scott Adams (blog.dilbert.com)
Fundador do Dilbert, apoiante, desapoiante e de novo apoiante de Trump, previu a vitória com muita antecedência e fez campanha muito activa. Scott Adams vale muito a pena ir acompanhando.
Advogado, escritor, activo, engajante com opositores nas redes sociais. Faz vídeos longos ao vivo no Periscope como Scott Adams.
Irlandês, anarco-capitalista, filosofante, youtuber, tem vídeos longos e é interessante ouví-lo.
Youtube e Twitter, afro-americano, libertário jovem, millennial activo politicamente.
Libertário, trabalha muito com Lew Rockwell, é uma das vozes mais estruturadas do libertarianismo e do paleo-conservadorismo.
Actor de cinema. conservador, suspendeu a conta no Twitter após a campanha como protesto contra a decisão de Jack Dorsey, o esquerdista CEO do Twitter, de suspender contas críticas de Hillary.
Menina bonita, canadiana, libertária, anda pelo mundo a fazer vídeos críticos do establishment e do feminismo.
Blair White ():
Transexual capaz de enganar muitos homens, feroz anti-feminista, caustica e incorrecta politicamente.
Paleo-libertário, conservador (também temos em Portugal) gere o site Antiwar
E last but not least, o dinossauro histórico, Pat Buchanan, com o blog http://buchanan.org/blog e activo no mainstream media, um republicano contra o establishment.
Claro que houve mais e a lista não é exaustiva. A campanha de Trump foi muito apoiada nas redes sociais e foram milhões de indivíduos a fazer a diferença excepcional. Pela primeira vez a Internet elegeu o seu candidato. Se vão ou não dar com os burros na água? Veremos.
Poucos dias antes de se continuar a tentar desapear Pedro Passos Coelho a sondagem da Católica dá esta previsão:
Poucos dias antes da eleição nos EUA as sondagens davam esta previsão:
Poucos dias antes do referendo Brexit as sondagens davam esta previsão:
Agora, querem continuar a fazer apostas?
Pode-se ser de esquerda e ser-se contra a globalização?
Pode-se, e é-se.
Porquê?
A esquerda mais pavloviana, movida pelo ódio ao capital, e sempre atenta às conspirações obscuras que fazem mover o mundo, aponta à globalização o vício de fazer engordar os lucros das empresas, a sua razão de existir para lhes permitir produzir em países onde pode ganhar fortunas a explorar mão-de-obra barata e sem direitos laborais nem sociais. Em Portugal é representada pelos bloquistas e pelos socialistas modernaços, os que actualmente comandam e representam o PS para efeitos de relações públicas, gente que sabe que as crises financeiras são causadas, não por governos perdulários e demagógicos entregarem os seus países à dependência da dívida para comprarem o voto dos eleitores, como pensam os ingénuos, mas por ataques especulativos ao euro (eu continuo a não perceber o que é um ataque especulativo ao euro? mas até me ficava mal não mencionar esta teoria), por castigos da UE e da senhora Merkel e das agências de rating à sua irreverência e insubmissão às imposições do capitalismo neoliberal, e mesmo da segunda espécie de humanos de crânio oblongo e inteligência superior que domina o Banco Mundial e pretende dominar o mundo através da finança e da dívida. E, claro, a globalização foi criada para permitir à empresas impedidas pelas lutas dos trabalhadores e pelos avanços sociais de explorarem ainda mais selvaticamente os trabalhadores do primeiro mundo, explorarem os do terceiro.
A esquerda mais populista, e nisto a esquerda populista é tão diferente da direita populista quando um ângulo de 180º é diferente de um de -180º, movida pelo egoísmo da defesa dos interesses dos seus representados, aponta-lhe a ameaça aos local jobs que a concorrência da produção baseada em mão-de-obra barata e sem direitos potencia e a deslocalização concretiza. Em Portugal é representada essencialmente pelos comunistas e pelas organizações sindicais que dominam, que pensam que numa economia fechada como as sociedades socialistas que eles criaram, e através da planificação da economia pelo socialismo científico, poderiam ser eles a ditar os salários, os direitos sociais, o pleno emprego, e os preços acessíveis, e até a felicidade suprema socialista.
A esquerda da superioridade moral, movida pelo altruismo e pela ambição da igualdade universal, indigna-se com a falta de direitos laborais e sociais dos trabalhadores selvaticamente explorados no terceiro mundo pelas empresas globais, que defende que deveriam ter salários e direitos ao nível dos dos trabalhadores do primeiro mundo, e nem estes conseguem ver assegurados por causa das agressões do neoliberalismo. Em Portugal é representada pelas franjas mais generosas e articuladas dos bloquistas e socialistas que ultrapassaram o nível de ambicionarem o socialismo para satisfazer as suas próprias necessidades, para o de satisfazerem as necessidades de toda a humanidade, em nome de quem falam e de quem são, por serem movidos pelo altruísmo e pela defesa dos interesses dela, legítimos representantes. E representam naturalmente os povos do terceiro mundo explorados pela globalização, que querem com direitos iguais aos dos do primeiro.
Quer sejam movidos pelo ódio ao capital, pelo egoísmo da defesa dos seus eleitores, ou pelo altruísmo de ambicionar direitos para os outros, têm todos em comum o facto de serem anti-liberais, tendo até arranjado para o liberalismo a designação odiosa de neoliberalismo que lhes permite odiá-lo sem se chegarem a questionar se o que odeiam é a liberdade de as pessoas se organizarem como entendem, e não como eles entendem, para levarem a cabo as actividades de produção e de trocas comerciais que constituem a economia.
E terão mesmo boas razões para ser contra a globalização?
Os pavlovianos têm certamente razão. Não vale a pena demover tolos das suas ideias fixas.
Os populistas teriam razão se, à falta de oportunidades de produção a custos reduzidos através da deslocalização para países de mão-de-obra mais barata, as empresas investissem localmente para assegurar os mesmos níveis de produção com mão-de-obra doméstica. Mas é uma ilusão. A custos de produção mais altos, exigindo preços de venda mais altos, a procura dos seus produtos seria mais baixa, e os níveis de produção escoável também. O fecho da economia não consegue reabrir as fábricas fechadas, nem as deslocalizadas, pela falta de competitividade de custos da produção local. Teriam, mas não têm
Os da superioridade moral são os mais cegos. Movidos pelas suas boas intenções de ambicionar um mundo mais justo e igual, um mundo bonito, e determinados pela superioridade moral que elas detém sobre visões em contrário das suas, não se detém a reflectir sobre as alternativas que o mundo real oferece às vítimas da exploração desenfreada da globalização. E o ponto de partida das vítimas da globalização são sociedades de economia incipiente e de miséria absoluta para a esmagadora maioria das populações, em que o bem-estar não se mede pelo poder de compra, pelo número de telemóveis ou automóveis por mil habitantes, mas pela incerteza de ingerir regularmente alimentos suficientes para permanecer vivo. O ponto da situação são milhões e milhões de pessoas a trabalhar em condições de higiene e segurança deploráveis, sujeitas a horários de trabalho deploráveis, a receber salários deploráveis, e com direitos laborais e sociais deploráveis, deploráveis à nossa escala, um mundo muito feio, mas mais acima de linha de água do risco de morrer de fome do que alguma vez tinham estado antes na história, retiradas que foram da miséria extrema mais de mil milhões de pessoas em poucos anos. E o ponto de chegada, fossem as suas ambições ou exigências atendidas, de lhes oferecer salários e direitos laborais e sociais equivalentes aos do primeiro mundo, e custos de produção, acrescidos dos da logística para levar a produção até aos locais de consumo, seria o encerramento das fábricas onde são explorados por se tornar economicamente irracional deslocalizar produção sem ganho de custos, e o regresso ao ponto de partida, a devolução de mil milhões de pessoas para abaixo da linha de água da fome. De boas intenções está o inferno cheio.
Os detratores da globalização têm ainda em comum, pois, o facto de se estarem completamente nas tintas para o destino dos milhares de milhões de seres humanos que as empresas globais vão, sem nenhuma boa intenção que não seja maximizar os seus lucros, explorar ao terceiro mundo em troca de salários, horários, direitos e condições de trabalho, que, no primeiro, seriam consideradas da mais absoluta indignidade, mas que são a única alternativa que alguma vez lhes foi oferecida a tentarem sobreviver sem grande probabilidade de sucesso na miséria ainda mais absoluta.
Para os pobres do terceiro mundo, e para os do primeiro. Se os produtos baratos produzidos no terceiro mundo fossem impedidos de entrar no mercado ou tornados artificialmente caros por tarifas alfandegárias, o custo de vida aumentaria, e o poder de compra diminuiria. Se a indústria de calçado fosse suficientemente regulada e protegida da concorrência para conseguir que só se pudessem vender sapatos ser feitos à mão em países do primeiro mundo, o número de trabalhadores a fabricar sapatos no primeiro mundo seria certamente muito superior ao actual. Mas esses sapatos teriam que custar o que já custam actualmente, e uns Church's custam uma boa nota de 500 euros se forem bem regateados. Quem dispõe de 500 euros para comprar sapatos andaria calçado, tal como já anda. Quem não tem, à falta de sapatos a 20 ou 30 euros na loja do chinês, teria que se encher de paciência e passar a andar descalço.
Nota da Redacção:
Em boa hora inspirado por um artigo já com 20 anos do Paul Krugman sobre a globalização, In Praise of Cheap Labor - Bad jobs at bad wages are better than no jobs at all, em boa hora relembrado pelo Vítor Cunha no Blasfémias, que o Paul Krugman, nos intervalos entre pregar wishful thinking anti-austeritário, é capaz de pensar e resumir em poucas palavras a solução de problemas aparentemente complexos como a resolução da crise económica nos países da periferia do euro sem a necessidade, e os riscos, de sairem do euro, o que não é pouco.
Num excelente ensaio escrito há alguns meses, Vítor Bento explica por que razão o Brexit era inevitável e porque, se não tivesse tido lugar como resultado de um referendo, aconteceria mais cedo ou mais tarde. Nas suas palavras: "Não se pense que a decisão de deixar a UE foi, como tem sido dado a entender, um acidente do processo democrático ou o resultado de um conflito de gerações ou de níveis educacionais. Longe disso. Os factores mais imediatamente influentes naquela deliberação podem ter sido circunstanciais, como a crise dos refugiados e o receio de invasões migratórias, e podem ter-se manifestado nos referidos epifenómenos geracionais ou de educação escolar, mas o resultado seria inevitável, mais cedo ou mais tarde".
O escopo do ensaio não é porém explicar o Brexit; ocupa-se dele para, sobretudo, avaliar as consequências para a União Europeia e a União Económica e Monetária. E como tanto uma como outra, a primeira mais no plano estritamente político, e a segunda mais no plano estritamente económico, estão com a saúde abalada, ambas com ou sem Brexit, Bento aproveita para fazer a história da construção comunitária, identificar os problemas da União e da Zona Euro e sugerir os caminhos que se devem trilhar para os resolver.
Sobre a União, Vítor Bento estima que "fica [assim] mais dependente de terceiros – EUA e, até certo ponto, o próprio RU – para a sua própria defesa e dos seus membros, contradizendo, e desvalorizando, a relevância estratégica que o projecto de integração pretende assegurar". E rejeita aparentemente o fortalecimento da capacidade militar, que seria necessária para a UE "mitigar aquela dependência e preservar a sua relevância estratégica" porque "isso dificilmente será conseguido sem fortalecer a da Alemanha, o que não deixaria de gerar intranquilidade à sua volta".
Esta é de facto uma boa razão. Mas mesmo que a Alemanha não fosse inevitavelmente, num exército europeu continental integrado, o elemento preponderante, a ideia de que fosse possível neste momento histórico, e em qualquer outro futuro que a imaginação alcance, fazer um exército europeu credível e eficaz, com o que isso significaria de amálgama de histórias, identidades e recursos, sem que em algum momento o edifício abrisse brechas, é simplesmente – sem ofensa para o ensaísta – lunática. Para defesa daquilo que genericamente se pode designar como valores do Ocidente existe já um exército – é o da NATO, por muito que um dos seus membros, a Turquia, tenha as suas credenciais democráticas, por estes dias, erodidas. Que a nova administração americana pareça querer exigir que os países europeus contribuam mais equitativamente para aquela organização, e que esta não possa defender pontos de vista substancialmente diferentes dos que os EUA tenham é decerto uma grande maçada. Que a nós portugueses não nos deveria incomodar excessivamente, tendo em vista a longa prática de depender militarmente, para a nossa sobrevivência como Nação, do superpoder do dia.
So much para o exército europeu, que de todo o modo nunca passou de um delírio de europeístas fanáticos, com perdão da redundância.
Resta o problema do Euro, que "dificilmente pode ser apresentado como uma história de sucesso, sobretudo para os participantes menos ricos e que viram aumentar o fosso económico que os separa dos mais ricos". Bento acha, como Wolfgang Munchau, que a solução mais abrangente poderá passar por “uma eurozona mais integrada e uma UE menos integrada”. "O que, em última instância, poderia ser suficiente para reverter o próprio Brexit", comenta, com uma dose apreciável, provavelmente inconsciente, de wishful thinking.
Concretizando: "Terá que haver uma qualquer forma de união fiscal – seja através de um orçamento 'federal', seja através de um sistema institucionalizado de transferências fiscais –, assim como terá que ser implementado o pilar em falta da união bancária – a garantia comum de depósitos – e que implicará uma outra forma, pelo menos implícita, de 'mutualização' de recursos. Ora, estes passos não serão dados sem serem acompanhados de uma qualquer forma de 'federalização' do poder de decisão sobre o uso dos recursos 'mutualizáveis'. E não será possível prosseguir por muito mais tempo o desalinhamento de preferências sociais que tem marcado o funcionamento da zona euro e que muito contribuiu para a crise de que ainda se não conseguiu sair totalmente".
Traduzindo, que neste passo Bento cede à tentação de não ser claro, decerto por imaginar que para dizer coisas desagradáveis é preciso embrulhá-las num paleio ininteligível: Entre nós, há que deitar fora o PCP, o BE e o PS, no que toca a política económica e financeira, ficando o Governo, e sobretudo o Parlamento, amputados de competências legislativas naquelas áreas; e, por exemplo na Alemanha, há que forçar a despesa e o consumo, o que quase explicitamente se diz no final do ensaio.
Por mim, não vejo com bons olhos a eliminação do regime democrático em troca da gestão racional da finança e da economia, mesmo que o preço seja um quarto resgate, e até um quinto, porque acredito nas virtudes pedagógicas do falhanço: erradicar a preponderância das ideias de esquerda entre nós pode fazer-se com o sangue, suor e lágrimas das consequências delas, não se pode fazer com decisões acertadas de estrangeiros. Ainda que o fossem, as decisões, o que com o actual BCE, e países como a França e a Itália, ou a tresloucada Espanha do Podemos, é menos do que certo.
Já os meus concidadãos decerto aceitam tudo, desde que não sejam contribuintes líquidos e possam conservar o galo de Barcelos, o Fado e a nacionalidade do passaporte de Ronaldo. Mas imaginar que Franceses, Italianos e tutti quanti são como nós, que este programa não dará origem a novos exits e que, por exemplo, as denunciadas aldrabices francesas do défice, de conluio com a Comissão, tiveram lá fora o mesmo descaso que mereceram cá dentro, releva de cegueira.
A mesma cegueira que levou à criação do Euro. E que, agora que são muitas as vozes dos que a patrocinaram a dizer que a arquitectura não era a indicada e que bem avisaram (baixinho, tão baixinho que ninguém ouviu), leva a que uma pessoa superior como Vítor Bento não queira ver que a União Europeia é um cadáver adiado porque a doença que o consome não é falta de integração - é o excesso.
* Vai Portugal ser a próxima Grécia?
O ministro das finanças português Mário Centeno deu ao jornal alemão Bild uma entrevista onde, de acordo com os jornais portugueses, e para citar apenas alguns exemplos, pressiona Europa a debater perdão da dívida grega, defende alívio da dívida da Grécia com ou sem FMI, defende revisão do Plano de Estabilidade e Crescimento, diz que regras para a dívida têm muito para melhorar, e que até a Reuters noticiou como Portugal finance minister says EU should discuss Greek debt relief, Bild reports. Como comprovam os títulos dos jornais portugueses, a Europa rende-se ao esplendor deste notável português, de quem aguarda sofregamente as sugestões para conseguir sobreviver neste mundo minado, e ele usa o seu esplendor, não em proveito próprio nem no dos portugueses que ele governa, mas para interferir a favor dos mais aflitos, os gregos. Um senhor.
Já o Bild adoptou para a entrevista o título Wird Portugal das nächste Griechenland?, que significa, é fácil de adivinhar mesmo sem ter aprendido Alemão, Vai Portugal ser a próxima Grécia?, uma versão em linguagem jornalística do tradicional Estás aqui, estás a dar com os burrinhos na água.
Os jornais alemães gostam de, de vez em quando, entrevistar doidos que governam países do Club Med, não para sensibilizarem os alemães para a pressão deles para lhes aliviarem a dívida e as dos outros países do clube, continuando a conceder-lhes crédito sem se preocuparem se ele vai chegar a ser reembolsado ou sequer se vai ser usado para resolverem de modo sustentável os problemas que os levaram a essa dependência do crédito, mas para os prepararem para, no dia que o governo alemão decidir cortar a esses países, que repõem rendimentos aos cidadãos e contribuintes mais ricos com o dinheiro que não têm mas pedem emprestado, o abastecimento de dinheiro fácil e barato que lhes dá uma ilusão de prosperidade que não têm e os estimula a gastar o que não têm, perceberem os motivos do corte com o passado. Como se fosse necessário fazê-lo? como se houvesse mais algum alemão para além da Angela Merkel e do Wolfgang Schäuble, que são no entanto fustigados pelos governantes europeus mais idiotas como a origem dos problemas financeiros que eles próprios, ou outros como eles, criaram com a sua irresponsabilidade e o seu populismo, que precisasse de ser convencido que é um fardo inútil continuar a usar o seu dinheiro para financiar demagogos como eles?
E, mesmo sem atingir os níveis de comédia do Yanis Varoufakis, o ministro Mário Centeno não os desiludiu, e retribuiu a entrevista com graçolas como:
Nas mãos de uma espécie de village idiots que fazem caretas e manguitos àqueles a quem pedem esmolas por nossa conta, isto só nos pode correr bem.
Um grupo anónimo de activistas pró-palestinos vandalizou a fachada de um restaurante do Porto cujo proprietário participou num festival de gastronomia em Israel, manchando-o de tinta vermelha e colando nas montras panfletos com a sugestão de menu "Entrada: uma dose de fósforo branco" e palavras de ordem anti-semitas como “Liberdade para a Palestina” e “Avillez colabora com a ocupação sionista”.
Divulgaram o seu manifesto anonimamente através de blogues, esclarecendo que tinham sido alertados pelo Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) para a intenção do cozinheiro de participar no festival de gastronomia, e lamentando que a "acção indirecta alimentada por cartas educadas a apelar para que Avillez não participasse", nomeadamente o apelo subscrito pelas associações Associação Abril, Colectivo Mumia Abu Jamal, Comité de Solidariedade com a Palestina, Conselho Português para a Paz e Cooperação, Grupo Acção Palestina, MPPM - Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, Panteras Rosa - Frente de Combate à Lesbigaytransfobia e SOS Racismo, divulgado no blogue da BDS, e este pelo esquerda.net, se tinha revelado incapaz de o demover de participar. E, como não podia deixar de ser, justificando a sua iniciativa de acção directa como um poema solidário. Tudo no tom criatividade literária e ironia tão próprio da esquerda alternativa não associada a partidos que apareceu em Portugal desde o início da legislatura anterior a organizar ocupações e manifestações de indignados, e tão semelhante ao que se tornou característico da esquerda do sistema, até no parlamento.
O esquerda.net tratou de aproveitar a notícia da iniciativa para, com a pedagogia que lhe é tão própria para ajudar mesmo o mais lento de compreensão dos leitores a perceber correctamente a mensagem que lhe é dirigida, justificar que ela tinha sido tomada para "denunciar a sua colaboração num evento de propaganda de Israel", explicar todas as metáforas usadas pelos activistas no seu manifesto, até que o fósforo branco é "material usado nos massacres contra a população palestiniana na Faixa de Gaza, em que as fotos de crianças queimadas vivas chocaram o mundo", e a divulgar o endereço electrónico para a consulta do manifesto. Mesmo o mais burro dos devotos do esquerda.net vai perceber tudo direitinho.
Vai perceber ele, e vamos perceber nós. A harmonia de valores e mensagens entre os promotores do movimento BDS que actua estritamente dentro da legalidade, as associações que aderem aos seus apelos, os activistas anónimos que passam à acção directa a pretexto dos mesmos valores, e o Bloco de Esquerda que assume as relações públicas destas iniciativas não engana ninguém que não queira ser enganado.
Isto não é a esquerda alternativa nem Alt-left. Isto é a esquerda que já está instalada no sistema, é mesmo a Mainstream-left.
Post Scriptum.
Com um agradecimento à Helena Matos e ao Blasfémias, a memória de pretéritas iniciativas do BDS, neste caso uma exigência, e a respectiva acção de protesto, ao Leonard Cohen para não cantar em Israel. Desta vez não apareceram lá os vândalos a sujar paredes e a fazer poemas solidários, mas o esquerda.net, que nunca falha, noticiou o comunicado.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais