Coisas que não se ensinam no Centro de Estudos Judiciários, ou se ensinam nas cadeiras que os alunos fazem através de cópia colectiva sem terem ficado a dominar a matéria:
E como não se ensinam, ou ensinam mas não se aprendem, a justiça portuguesa acaba de condenar o deputado à Assembleia Regional da Madeira José Manuel Coelho à pena de um ano de prisão efectiva por ter chamado agente da CIA ao advogado, anterior dirigente do MRPP, que também lhe chama agente da CIA, e campeão da defesa dos direitos humanos, José Garcia Pereira.
Para além das imunidades formais que o exercício do cargo de primeiro-ministro em exercício lhe confere, o António Costa usufrui aparentemente de duas imunidades extraordinárias informais:
Imunidade jornalística
Ao contrário do primeiro-ministro anterior, que viu a sua vida contributiva vasculhada até ao tostão no parlamento e nos jornais, mesmo a da época em que era precário, a comunicação social tem um saudável e manifesto desinteresse pela vida contributiva do actual primeiro-ministro, mesmo a da época em que era milionário. Nunca se viu grande agitação por ele ter acumulado salários completos pelo exercício de funções oficiais em regime de dedicação exclusiva com honorários milionários como comentador de televisão, nem por ter recebido estes honorários a título de direitos de autor para os poder acumular legalmente com os salários completos e, por ser a esse título, serem parcialmente reduzidos a metade para efeitos de imposto sobre o rendimento. Nem a curiosidade que impele os jornalistas a investigar para aprofundar a compreensão de negócios que indiciariam comportamentos de ética duvidosa, quando não crimes graves, se fossem participados por outros políticos, que não ele. Nem qualquer reacção corporativa de indignação colectiva nem individual da classe quando ele injuria ou ameaça um jornalista, em privado ou em público, que qualquer político normal suscitaria se o ousasse fazer. Verdade se diga que o tom labrego com que se dirige regularmente aos parlamentares, e ele hoje estava em forma, faz parecer quase cordatas as ameaças, mesmo em privado, que dirige aos jornalistas.
Os motivos para esta imunidade estranha, ou notável, conforme seja vista da direita ou da esquerda, não são conhecidos com precisão, se bem que haja algumas explicações com um mínimo de plausibilidade, como por exemplo o facto de a mãe ter sido presidente do sindicato dos jornalistas. Mas, ao certo, não se sabe?
Imunidade judicial
A imunidade judicial é ainda mais estranha. Por mais óbvios que sejam os indícios de alguns crimes, por mais estranhos que sejam alguns aspectos de algumas negociatas que tem promovido enquanto governante, a justiça não lhe pega, não o investiga, não o leva a tribunal, não o condena.
É verdade que, na circunstância específica actual em que é primeiro-ministro, a justiça tem algumas limitações nos instrumentos a que poderia recorrer se o quisesse investigar. Também é verdade que a justiça, se abandonou a sua posição lendária de deixar os ricos e poderosos à vontade sem os incomodar, para se tornar particularmente dura, e até talvez mediática acima da dose recomendada para se fazer justiça com seriedade, na perseguição a alguns deles, continua a parecer preferir incidir a sua acção sobre ricos e poderosos has been, tenham eles sido empresários da bola, banqueiros, governantes ou até primeiros-ministros, e a deixar tranquilos os que ainda estão no activo, como ele está. Mas, mesmo quando as fez em alturas em que não tinha funções governativas, ou nos intervalos entre funções governativas depois de as ter feito, nunca lhe tocaram.
E não há poucos exemplos em que o desinteresse da justiça parece demasiado benevolente.
Caso Casa Pia
No caso Casa Pia, o António Costa, actual primeiro-ministro e terceira figura do estado, mas então mero deputado da oposição, foi apanhado nas escutas a conspirar com o actual presidente do parlamento e segunda figura do estado, mas então também deputado da oposição, com o então presidente da república, e o então procurador-geral da república, para tentarem colectivamente impedir a entrada no tribunal de instrução criminal de um processo envolvendo um deputado socialista.
As consequências destas escutas que alguém dentro do sistema judicial, porque ninguém de fora do sistema judicial era já arguido, tinha advogado, ou tinha sequer conhecimento da sua existência, fez diligentemente chegar à comunicação social, foi mais ou menos por essa altura que a justiça passou a ser mais mediática, talvez para se livrar da fama consolidada de deixar os ricos e poderosos impunes, foram a belíssima anedota "Tou-me cagando para o segredo de justiça", a prisão preventiva do deputado que estava a ser investigado por risco de perturbação do inquérito comprovado pela escuta da conspiração dos seus camaradas, e nenhumas para os conspiradores comprovados, apesar de a perturbação de inquérito ser um crime. Não houve nenhum processo aos conspiradores por perturbação de inquérito na forma, pelo menos, tentada.
Siresp
Outro caso pelo menos enigmático foi o negócio do Siresp.
E o assunto parecia arrumado, e a bem da legalidade, da transparência e da ética na gestão dos interesses públicos. Parecia mas não estava. Em vez de pura e simplesmente não fazer a adjudicação, o ministro António Costa decidiu renegociar alguns termos do contrato com o consórcio, prescindindo de algumas funcionalidades e reduzindo o preço, e acabou por fazer a adjudicação por 485 milhões de euros. Em vez de anular um negócio que tresandava a vigarice por todos os lados de onde se olhava, limitou-se a contornar a ilegalidade da adjudicação para o concretizar.
Quem era o advogado da Motorola, uma das empresas do consórcio? O advogado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo e padrinho de casamento do ministro. Parece estranho? Parece.
O processo ainda foi investigado pelo Ministério Público, mas, ou por não haver indícios suficientemente sólidos para isso, ou por a investigação não ter sido suficientemente diligente para os encontrar, foi arquivado. E depois de o António Costa ter saído do governo não se lhe conhecem quaisquer sequências.
TAP
O negócio de alteração dos termos da privatização da TAP, que está a decorrer, também tem aspectos de transparência questionável.
Numa coincidência notável, os interesses do investidor Stanley Ho, que estiveram activamente na origem da queda da TAP, a quem se associou e de quem se dissociou com mais valias no negócio da VEM, acabaram por ser beneficiados com a autorização do governo actual para entrarem no capital da empresa.
Quem era administrador da Geocapital, e continua a ser, quando foi feito o negócio da VEM, e foi administrador da VEM enquanto a Geocapital foi sua acionista? O advogado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo e padrinho de casamento do primeiro-ministro, o mesmo que negociou o processo que também abriu as portas do capital da TAP aos associados das empresas que dirige. Parece estranho? Muito mais do que parece muito mais do que estranho.
A justiça interessou-se pelo negócio de aquisição da VEM pela TAP, que investigou, mas não se conhecem à investigação quaisquer resultados. De que haja conhecimento público, não há qualquer investigação e decorrer ao negócio da reversão da privatização da TAP. O negócio e a extraordinária teia de interesses cruzados personificada no melhor amigo do primeiro-ministro não parecem suscitar na justiça grandes apreensões. Ou, se suscita, são impecavelmente sublimadas e não chegam a aparecer.
A que se deve esta imunidade milagrosa, que tantos políticos que um dia foram poderosos mas depois de deixarem de o ser se viram agarrados nas teias da justiça, e estou a falar de figuras ilustres como o Duarte Lima, o Isaltino Morais, o Oliveira Costa ou a cereja em cima do bolo, o José Sócrates, por quem a justiça se interessou pela participação em negócios, em muitos dos casos bem mais modestos que estes que enumerei e não são exaustivos do curriculum dele, gostariam de poder ter usufruido e não conseguiram? Será por ter privado com advogados ilustres na sua passagem fugaz pelo mundo da advocacia que lhe ensinaram os truques do ofício que mais ninguém conhece? Será por ter redes de amigos da escola e do partido que intercedem por ele na justiça quando ele se mete em alhadas como ele intercedeu pelo seu camarada? Será coisa de lojas e aventais?
Não sei. O que sei é que ninguém lhe toca.
Um meu colega empresário, do ramo das padarias, disse algumas coisas sentidas e apropriadas sobre o salário mínimo e a legislação do trabalho.
Um nosso colega, do ramo da opinião, cascou-lhe:
"Note-se que 25% da massa salarial implica uma percentagem absurda de trabalhadores (perdão, "colaboradores") com salários abaixo de 557 euros (perdão, em "regime de transição"). De tal forma alta que o sócio-gerente da Padaria Portuguesa preferiu dizer a percentagem da massa salarial do que responder à pergunta que lhe foi feita, contando, com razão, com a desatenção da jornalista. Não me espanta que quem baseie o seu negócio nos salários baixos considere que a grande prioridade dos portugueses não é o aumento do salário mínimo (que só interessa aos políticos, claro), mas a liberalização dos despedimentos, o fim dos limites legais ao horário de trabalho e uma redução considerável do pagamento de horas extra, não penalizando as empresas que contratam menos trabalhadores do que aqueles que necessitam para funcionar. Um País desigual é isto: cada um vive na sua bolha e, quando fala para a televisão, julga que quem o está a ouvir partilha as suas prioridades".
Nuno Carvalho vende pão e Daniel Oliveira opiniões em letra de forma, ou faladas em frente às câmaras, ambos dependendo, para viver, da procura que tem o produto que fabricam.
Se Nuno pudesse sobreviver sem empregar ninguém não seria decerto a fazer pão, que isso implica maquinaria, compra de matéria-prima, manutenção de stocks, arrendamento ou compra de estabelecimentos, distribuição, publicidade e o catano - ou seja, capital, empregados, organização e gestão. Não que não pudesse conseguir alguma farinha emprestada para a transformar artesanalmente no que fosse possível num dia, para vender no seguinte depois de comer uma, decerto saborosa, bucha; e até podia empregar no esforço a mulher, se fosse casado, e os tenros filhinhos, se os tivesse. Mas esse pão sairia a um preço que o tornaria invendável; a mulher calçar-lhe-ia uns patins, por crueldade doméstica; e a Segurança Social apreenderia os meninos famélicos para os colocar num lar.
Nuno, na realidade, como empresário, não tem outra escolha senão contratar empregados, coisa que Daniel não precisa de fazer, e é esta a primeira diferença entre os dois - um não tem empregados porque não precisa, mas o outro é forçado a tê-los.
O artigo que Daniel fabrica é único - só ele escreve como escreve, e é dos poucos que debita convincentemente teses que numerosos leitores/pagadores querem ardentemente comprar para se abastecerem de opiniões. Pessoalmente acho a escrita apenas passável e as opiniões uma abominação, mas eu não sou um cliente deste produto popular nos meios da esquerda acéfala - há quem seja.
E esta é a segunda diferença - o artigo de Daniel está muito menos exposto à concorrência: um pão é um pão e há inúmeros padeiros a fazê-lo com pequenas diferenças, pelo que é preciso um esforço constante para que o consumidor não vá à porta ao lado. E o esforço não consiste apenas em tomar muitos cafés pela noite fora até que a inspiração apareça, é preciso uma atenção permanente a todos os infinitos factores que fazem com que umas empresas singrem e outras não - mesmo o sucesso, quando se atinge, não implica que se mantenha.
Daniel não tem como companheiro o espectro do falhanço e da falência. Se os meios de comunicação social para os quais trabalha falirem, ou o despedirem, Daniel queixar-se-á não de si mas deles, e com a própria queixa fabricará material que alguém há-de querer comprar. E é esta a terceira diferença.
A Nuno não ocorreria decerto invocar os poderes do Estado para fiscalizar a justiça do que Daniel mete ao bolso como ganho do produto que vende, desde logo porque os jornais, ou as revistas, ou os canais de televisão, não lhe pertencem, e por isso não vê razões para que ele, ou o Estado por causa da opinião dele, se intrometa em contratos livremente celebrados entre terceiros.
E esta é a quarta diferença. Daniel quer ser generoso com o que não lhe pertence, nem criou, nem seria provavelmente capaz de criar, nem sequer sabe se existe, porque é uma pessoa muito boa. Boa como nos versos de Alberto Caeiro: E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos/ E sorriu com agrado, julgando que eu sentia/ O ódio que ele sentia, e a compaixão/ Que ele dizia que sentia. Já Nuno, se for pessoa caridosa, fará as suas liberalidades, discreta ou publicamente, com o que lhe pertence, depois de pagos os impostos que a empresa suportou, os seus como trabalhador, e os devidos sobre o que ela tenha distribuído do que sobrou.
Resta que Daniel não percebeu o que o empresário, no seu discurso algo confuso, disse, (este esclareceu que NÃO tinha trabalhadores com o salário mínimo mas passaria a ter com este aumento) nem curou de perceber: é patrão verdadeiro, isto é, não é recebido em S. Bento, não tem um cadeirão na Concertação Social nem diz coisas profundas ao mesmo tempo que finge que faz sentido sentar-se à mesma mesa com quem o quer destruir? Então é para abater.
Os tais 25% que escandalizaram Daniel não servem para fundamentar nenhuma conclusão. Esta percentagem é, no sector, alta ou baixa? E esta empresa deve muito ou pouco dinheiro, fez ou não fez investimentos, distribui ou não distribui lucros, paga ou não paga salários e prémios altos à administração, tem ou não tem resultados, pode ou não pode suportar os aumentos? Sobre tudo isto Daniel não diz nada porque acha que as empresas todas podem pagar e, se não puderem, devem desaparecer. Patrões só interessam os que podem pagar e mesmo estes apenas desde que aumentem sempre acima dos ganhos de produtividade, ou das margens, ou da inflação, ou do diabo, porque é justo.
Há patrões destes. São, além dos que trabalham em sectores protegidos da concorrência, os que, se forem padeiros, automatizam processos de tal modo que os salários não pesem no custo de produção, e portanto o que pensam e dizem os daniéis deste mundo não conte para nada.
Mas disto Daniel não sabe. Nem do resto. Nem de nada, salvo sobre as características do produto que vende, porque tem saída, e até o Governo consome.
O porta-voz da Casa Branca veio informar que as cerimónias de entronização de Trump (entronização é como quem diz, as repúblicas escavacaram a realeza mas copiaram, no geral canhestramente, cortejos, cerimónias e encenações para infundir nas massas o mesmo salutar respeito pela sacralidade do poder que dantes estava a cargo da unção) tiveram "a maior audiência de sempre, ponto final!”.
As redes sociais têm gozado largo, inçadas que estão de fotografias que demonstram que Santo Obama teve, no tempo dele, muito mais gente a assistir. E mesmo que nada garanta que as fotografias tenham sido tiradas à mesma hora, e do mesmo ângulo, e certamente não no mesmo dia da semana, a alegação de Sean Spicer padece do mesmo defeito que muitas do patrão: não são para levar a sério, tinha muito a ganhar se dissesse nada, e seria conveniente que rapidamente o staff, e o próprio, se apercebessem que nem o twitter teve tanta importância na vitória como se diz, nem as pessoas ligam por aí além às redes sociais senão para se aliviarem das suas próprias opiniões, e cascarem nas dos outros, nem o público at large se impressiona excessivamente com o tamanho das manifestações: lá menos do que cá mas ainda assim manifestações são coisas do povo de esquerda, e é assim natural que Obama, para mais negro, isto é, representante físico de uma minoria oprimida, socialista até ao ponto em que um americano ganhador de eleições o pode ser, actor consumado e leitor convincente de speech writers inspirados, tivesse assistências homéricas.
O que é que isso interessa? Nada, governar com a rua é coisa de gangues de droga e comunistas, duas classes de cidadãos das quais é desejável um certo grau de afastamento. E por isso uma provável aldrabice em torno da querela sobre quantos espectadores estiveram realmente no Capitólio é um mau negócio.
Trump tem de entregar: criar condições para que a economia cresça e os empregos nasçam, cortar na despesa pública que não seja investimento, libertar as forças produtivas da inovação e da criatividade que a regulamentação sufoca, eliminar os obstáculos que as fantasias sobre o aquecimento global e os combustíveis fósseis estabeleceram, obrigar os aliados a suportarem uma parte da despesa militar mesmo que isso abane alianças, combater a criminalidade e limitar a imigração de elementos que comprometam a sociedade wasp - tornar a América grande, outra vez.
Porque com Obamas e Clintons a América só pode ficar pequena: a receita deles é a mesma que pôs a Europa de joelhos, e que consiste em multiplicar, em nome da igualdade e da justiça social, o número de dependentes do Estado e o das agências que se ocupam de consumir improdutivamente recursos, distribuindo o que sobra de uma fiscalidade crescentemente opressiva; compensar a quebra de natalidade com importações massivas de comunidades que não são assimiláveis numa sociedade respeitadora dos valores do Ocidente, capitalista, de concorrência, e de igualdade entre os sexos e perante a Lei; e deixar que as políticas públicas sejam conduzidas por burocratas que respondem não perante eleitorados mas outros burocratas mais altamente situados na hierarquia da impunidade.
Muitos amigos, escorreitamente de direita, imaginam que o lado grotesco da personalidade de Trump, o seu prodigioso mau gosto, o basismo inane e popularucho dos seus discursos, as suas bravatas, a sua insondável ignorância (que aliás partilha com o cidadão médio e boa parte dos seus antecessores, incluindo Obama) e as suas teses proteccionistas, que ofendem a doutrina liberal (no sentido europeu da palavra) e que podem, se aplicadas cegamente, fazer sair o tiro pela culatra, são tudo o que há para ter em conta.
Mas não. Para já, soube-se hoje que a página da presidência sobre as alterações climáticas sumiu-se, assim como desapareceu a versão em castelhano; e soube-se que logo no primeiro ou segundo dia começou a fazer o que podia, sem o apoio do Congresso, para demolir o Obamacare - três boas notícias.
Três boas notícias porque se a temperatura está a subir ou a baixar é da ordem natural da Terra, a prevenção a golpes de estudos e normas é quase sempre uma desculpa para o avanço da agenda da consultadoria interesseira e da intervenção e poderes do Estado; a grande América é uma criação, entre outras coisas, da emigração anglo-saxónica, da sua língua e dos seus valores - se for submersa pela espanholização não será necessário um muro porque a prazo os EUA ficam um México em ponto grande; e a demolição do Obamacare corresponde a sufocar no ovo um serviço nacional de saúde que à boleia dos seus nascentes triunfos se incrustará nos costumes inamovíveis, tornando-se a prazo insustentável e um factor permanentemente negativo para o crescimento económico.
O homem parece que vai fazer o que prometeu. E mesmo que fique aquém, como inevitavelmente ficará (resolver o problema da criminalidade no coração decaído das cidades e nos bairros negros? Fazer um muro a pagar pelos que ficam de fora? Come on!) é do interesse dos Estados Unidos, e também do nosso, que tenha alguma medida de sucesso.
Convém portanto fazer permanentemente um desconto. O homem é detestável, uma parte do que fará, se fizer, não quereria para nós (de toda a maneira aquela gente ainda não aprendeu a comer de faca e garfo, defende a pena de morte, tem um sistema penal bárbaro e um prodigioso mau-gosto, tem problemas, tradições e hábitos que são só deles) mas o verdadeiro perigo não é Trump, são os seus inimigos.
Nós outros, portugueses, não deveríamos precisar que nos explicassem estas coisas básicas. Que elegemos um presidente professor universitário (embora suspeite que de Direito deve saber pouco), culto (embora suspeite que é cultura dos autores da moda, e mesmo assim só de ler as badanas e ver as exposições fingindo que está a entender alguma coisa), com maneiras (embora suspeite que nem as senhoras deixe falar) e inteligente (embora, se perguntado, não saiba dizer nada que preste sobre o futuro do país, o da Europa e o do mundo, nem, já agora, sobre as alterações climáticas ou o futuro dos automóveis sem condutor) e não nos adiantou nada: o homem dança, e com ele o país, à beira do abismo, parando para tirar uma selfie com o primeiro popular que quer pôr sobre a lareira, numa moldura de plástico dourado, o sorriso de Marcelo, do mesmo material, ao lado do seu trombil obtuso.
Precisamos das virtudes teologais: fé em que a democracia americana tem flexibilidade para cambalhotas súbitas na orientação do país, e instituições para evitar loucuras; esperança em que o mundo se acomode aos abalos que Trump fará junto dos países amigos, e dos inimigos, a uns aparando menos o jogo e a outros mostrando os dentes; e caridade para aturar o estilo em que tudo se fará.
O Donald Trump tomou posse como Presidente dos Estados Unidos da América e o Nicolau Santos anunciou o início da III Guerra. A coisa não ficou por menos.
Como grande patriota e internacionalista proletário que é, foi-se logo alistar nas forças da resistência. No DRM perguntaram-lhe "E tu, o que é que sabes fazer?". E vai ele, "Sou comentador de economia. Já fui a Davos e revelei ao mundo a obra científica do Professor Baptista da Silva". E eles "Vais para as Brigadas Económicas, vais escrever contra o Trump no Expresso". E ele, dito e feito, logo no dia seguinte condenou a economia americana, que é regida pela Economia, ao contrário da portuguesa que é regida pela força de vontade dos socialistas e bloquistas, à inflação, à subida de juros e à perda de competitividade, por aumentar os salários dos trabalhadores americanos e, com eles, o consumo.
Vai daí, as mulheres de todo o mundo convocaram uma manifestação anti-Trump, tratando os homens desconhecidos por tu, mostrando-lhes o dedo do meio e sugerindo-lhes que não lhes chamem querida. Eu disse-lhes "Não lhe chamo querida, pode estar descansada. Mas se a conhecesse tenho a certeza que também não chamaria. Já agora, se não me conhece, não me trate por tu. Caralhinho com os dedos também para si".
A manifestação juntou milhões de mulheres em múltiplos lugares nos quatro cantos do globo. Na de Alfama formaram-se espontaneamente mesas de debate informais para desmontar os estereotipos do binário de género, assim como o axioma size matters, e foi assim.
Entretanto chegou o senhor enfermeiro com a maquineta dos electrochoques. Quem bem que sabem depois de um dia bem preenchido a guerrilhar contra o Trump!
Estas linhas destinam-se a uma espécie em vias de extinção, a fazer fé na generalidade dos jornalistas e comentadores de quase todos os jornais e canais de televisão, incluindo os que foram dirigentes e até presidentes do partido mas deixaram de o ser por, entre outros motivos, nunca teram conseguido ganhar eleições legislativas, os militantes, dirigentes e eleitores do PSD. Se já não houver nenhum entre os leitores, há pelo menos este que as escreve.
Está em plena execução uma campanha mediática com exactamente o mesmo objectivo, remover a liderança de um partido incómoda para os autores da campanha, o mesmo alvo, os militantes, dirigentes e eleitores desse partido, o mesmo argumentário, sugerir fragilidades e isolamento dessa liderança para sustentar a ideia que ela não é suficientemente forte para ganhar eleições apesar de as ter ganho sempre até aí, os mesmo actores, jornalistas e comentadores notáveis de diversos partidos e has-been e adversários internos do mesmo partido, todos unidos no incómodo que o sucesso do dirigente a remover lhes proporciona, e os mesmos meios, uma série conhecida de jornais e canais de televisão que dão palco aos actores, que a que foi montada, e resultou, para derrubar o anterior líder do PS António José Seguro e o fazer substituir pelo actual, o António Costa. E o mesmo autor, o mesmo António Costa que, na altura, tinha deixado o Seguro fazer sozinho a travessia do deserto de uma legislatura na oposição e construir uma alternativa credível ao governo e estava na altura de colher os frutos antes que ele mesmo os colhesse, e agora perdeu as eleições e preferiria disputar as próximas contra um adversário a quem as consiga ganhar, e até tem uma proposta bem definida nesse sentido. O objectivo da campanha, os leitores já identificaram, é a remoção e substituição do Pedro Passos Coelho como presidente do PSD.
A campanha contra o Seguro resultou, apesar de ele ter ganho todas as três eleições a que o PS concorreu enquanto foi liderado por ele, duas delas de âmbito nacional, as autárquicas de 2013 e as europeias de 2014, e o PS, infectado pelo receio de que ele ser incapaz vir a ganhar as legislativas de 2015, substituiu-o em eleições directas pelo Costa, que depois as veio mesmo a perder.
A campanha actual, lançada pela equipa do Costa ainda antes das eleições legislativas ao identificar como seu adversário preferido no PSD o Rui Rio, para além da participação natural de agentes da política, do jornalismo e do comentariado dos adversários políticos, envolve inimigos políticos na definição de Winston Churchill, os do próprio partido, inúmeros figurões do PSD incluindo a maioria dos antigos presidentes do partido ainda vivos, começando pelo Pinto Balsemão com a sua máquina de propaganda declaradamente criada para vender presidentes como se fossem sabonetes, se bem que nunca o tenha conseguido vender a ele como presidente, o doutor Rebelo de Sousa, que tem usado todo o magistério de influência que as actuais funções colocam à sua disposição para louvar e defender o primeiro ministro e criticar e menorizar o líder da oposição, a Manuela Ferreira Leite e a sua facção, incluindo o Pacheco Pereira, o mais esforçado detrator do Passo, e o Rio, o mais interessado na substituição dele por si próprio, e até o Marques Mendes no seu programa semanal de divulgação de mexericos da política. Dos ex-presidentes vivos, só se têm matido de fora da campanha o Cavaco Silva, que ganhou três eleições legislativas, o Durão Barroso, que ganhou umas, os únicos ex-presidentes do PSD vivos que, tal como o Passos por duas vezes, ganharam eleições legislativas, e o Santana Lopes e o Luís Filipe Menezes, que nunca ganharam nenhumas, tal como todos os que participam na campanha.
Mas a campanha tem o handicap do dejá vu que filtra os que caem nela segundo o princípio da ciência das campanhas na primeira caem todos, na segunda só cai quem quer.
Mesmo assim, e apesar de o Passos ser, lado a lado com o Sá Carneiro e o Cavaco, o único presidente do PSD que conseguiu ganhar segundas eleições legislativas depois de ter governado, e em condições de submissão a um programa de assistência financeira externa incomparavelmente mais duras do que aquelas em que eles tinham governado, a campanha actual tem conseguido inocular alguma dúvida entre militantes, dirigentes e eleitores do PSD, para além, obviamente, dos que participam nela de alma e coração por pretenderem devorar o cadáver se ela resultar, sobre a sua capacidade de ganhar eleições legislativas. E por três razões:
Todas estas razões são importantes e têm indícios a sugeri-las, pelo que todas merecem ser analisadas para perceber até que ponto são mesmo fundamentadas, ou meros enganos que a campanha inocula habilmente nas suas vítimas.
As sondagens
Depois de nas eleições de Outubro de 2015 a coligação PàF ter derrotado claramente o PS, com 38,5% dos votos contra 32,3%, neste primeiro ano de governação socialista o PS tem conseguido recuperar nas sondagens essa desvantagem e ultrapassar, não apenas o PSD, mas até o PSD e o CDS somados, obtendo actualmente uma média próxima de 40% das intenções de voto declaradas contra cerca de 30% do PSD e 7% do CDS.
Esta recuperação de intenções de voto parece sugerir que o governo está a governar de modo popular, e bem, e o PSD está a fazer oposição de modo impopular, e mal, e suscita dúvidas com algum sentido em dirigentes, militantes e eleitores do PSD, que não os que participam na campanha, sobre a capacidade da actual liderança do partido dar a volta a uma desvantagem que já é significativamente expressiva. E tanto mais quanto a ambição do PSD é voltar a governar e, para isso, com a mudança de paradigma operada nesta legislatura em que a esquerda radical passou a estar disposta a apoiar governos do PS e o PS a acolher as exigências que esse apoio lhe custa, tem que conseguir uma maioria absoluta de deputados nas eleições legislativas, pelo menos em conjunto com o CDS com quem consegue tradicionalmente entender-se para formar governo.
Uma análise um pouco mais ponderada revela que a desvantagem actual do PSD (e do CDS) face ao PS não é muito, ou mesmo nada, diferente da desvantagem que teve ao longo de toda a legislatura anterior desde que o programa da troika entrou a doer no bolso dos portugueses, sendo natural que muitos atribuissem as dificuldades por que estavam a passar, não ao governo que tinha mergulhado o país na crise, mas ao que estava a tentar tirá-lo da crise, e que não impediu a vitória da PàF nas eleições de Outubro de 2015.
Uma análise um pouco mais atenta revela que as sondagens em Portugal tendem a convergir para o resultado das eleições apenas nas últimas semanas antes da sua realização, o que parece atestar o rigor e a seriedade das empresas que as realizam, mas a ter resultados muito diferentes até poucas semanas antes das eleições. O que sugere que a predisposição para responder a sondagens não se distribui sempre de modo uniforme por todo o espectro político, parecendo que às sondagens distantes das eleições os eleitores da direita tendem a recusar responder mais que os de esquerda, o que faz os resultados terem um peso exagerado da esquerda face à realidade, e à medida que as eleições se aproximam tendem a aceitar responder, proporcionando resultados bastante fiáveis nas últimas sondagens que precedem as eleições. Ou seja, sugere a existência real de uma maioria silenciosa, até para efeitos de resposta a sondagens.
Revela ainda que, mesmo sem permitir aferir as consequências que poderia vir a ter nas eleições seguintes, até porque ele foi afastado antes de elas ocorrerem, uma campanha de descredibilização como a que foi lançada sobre o Seguro resulta numa violenta queda nas intenções de voto declaradas nas sondagens, como se pode verificar imediatamente a partir do desafio à sua liderança que o Costa formalizou no dia seguinte às eleições europeias de 2014, assinalado pela seta mais à esquerda na figura. Ou seja, demove pelo menos os eleitores dispostos a responder nas sondagens.
Lição? Deduzir dos resultados das sondagens actuais que o PS se prepara para obter uma vitória eleitoral em 2019 e que a actual liderança do PSD é incapaz de o levar à vitória eleitoral é uma previsão de grande risco não sustentada pelos factos verificados em eleições passadas.
A inabilidade política
O Passos distinguiu-se em toda a legislatura anterior por fazer o que pensava que era preciso fazer para resolver o gravíssimo problema financeiro, económico e social que tinha que ser resolvido em Portugal, mesmo que isso lhe viesse a custar o apoio de grupos de interesses importantes na sociedade portuguesa e a simpatia dos eleitores e, consequentemente, a reeleição, modo de estar na política que resumiu cristalinamente na frase
A frase evidencia uma coragem política rara e o traço de carácter mais nobre que se pode ter na política: colocar os interesses de Portugal e dos portugueses à frente do seu interesse pessoal como político que pretende continuar a ser eleito, e do do partido. Muitos políticos disseram coisas nobres como esta, mas raros foram capazes de ser tão coerentes com este princípio como ele foi. Até porque a coragem política nem sempre é apreciada na política. Na série Yes, minister, quando um dos assessores comentava com o ministro que uma decisão sua mostrava grande coragem política, o ministro tratava logo de a mudar para não correr riscos. Era mesmo o melhor argumento que eles tinham para o fazer mudar de ideias a propósito de qualquer iniciativa dele de que eles não gostassem. O Sá Carneiro definiu a sua posição sobre este tema, correr riscos para lutar pelas suas convicções, com outra frase cristalina,
Apesar de ter corrido o risco de governar com ética, o Passos Coelho acabou mesmo por ganhar as eleições. Não conseguiu obter maioria absoluta, e por isso foi derrubado no parlamento. A vitória não foi suficiente para o novo paradigma inaugurado pelo governo actual, de que não se consegue governar com maiorias relativas. Mas não deixou de ser uma vitória impossível, a primeira de um primeiro-ministro português ou europeu que teve que governar sujeito a um programa de assistência tão violento, e impondo tanto dano e sofrimento aos portugueses como o da troika. A ética e o risco compensaram.
Mesmo assim, podem-lhe ser apontados alguns excessos de honestidade política que alguns consideraram ingénuos e pensam que lhe podem ter feito perder votos e, desse modo, impedido de obter a maioria absoluta que necessitava para vir a assegurar a sobrevivência do segundo governo. E um dos exemplos que lhes parecem mais gritantes desta inabilidade política foi o anúncio pela Maria Luís Albuquerque em 16 de Abril de 2015, a menos de seis meses das eleições de Outubro, da necessidade de cortar mais 600 milhões de euros anuais na despesa da Segurança Social para assegurar a sua sustentabilidade. O anúncio foi um dos temas mais usados pelos socialistas e por toda a esquerda durante a campanha eleitoral, e ainda hoje continua a ser.
É verdade que se pode dizer a quem aponta ao Passos falhas como esta que não se pode ambicionar ter um candidato que consiga ganhar as eleições por ter um sentido de ética e de risco ímpares, e ao mesmo tempo desejar que fosse um bocadinho demagógico para as ganhar por mais. Isso não existe.
Mas, mais do que isso, vale a pena tentar perceber se, como parece evidente, este anúncio terá mesmo afectado negativamente o resultado das eleições? Sendo impossível de determinar sem perguntar a cada eleitor se deixou de votar na PàF por causa dele, pode-se, no entanto, testar a hipótese olhando para os resultados das sondagens, e para o modo como foram afectados pelo anúncio, que está marcado na figura pela seta da direita. E o que se pode verificar é que o anúncio não alterou em nada, nem os níveis de resultados, nem as suas tendências, que se mantiveram estáveis até ao início de Setembro antes de convergirem para valores próximos do resultado real das eleições. O anúncio provocou grande alarido mediático e a condenação unânime dos do costume, mas não há evidência de ter feito perder votos.
Lição? A honestidade não é tão penalizadora na política como se costuma pensar.
A passividade a fazer oposição
Alguns militantes, dirigentes e eleitores do PSD têm manifestado alguma inquietação relativamente ao modo aparentemente demasiado passivo como o PSD liderado pelo Passos tem feito oposição ao PS.
Parece-lhes pouco, nomeadamente, o PSD não desmentir todas e cada uma das mentiras e enganos dos governantes, dos deputados socialistas e dos outros partidos da esquerda, e dos militantes e porta-vozes desses partidos, para não falar de todos os jornalistas e comentadores que participam na sua disseminação, para louvar e justificar as medidas do governo e desculpabilizar os seus insucessos atrás de responsabilidades do governo anterior, não propor permanentemente alternativas para as propostas políticas do governo e da maioria que o apoia, até não mandar para a puta que os pariu os governantes e deputados socialistas que dedicam as suas intervenções no parlamento a fazer piadolas e insultar os dirigentes dos partidos da oposição, a que o Passos normalmente reage levantando-se e saindo da sala em vez de confrontar directamente os seus autores como fez em tempos, por exemplo, o deputado comunista Bernardino Soares, num episódio semelhante com um governante socialista. Parece-lhes pouco, no fundo, o PSD não se deixar orquestrar pela batura do governo e da maioria parlamentar que o sustenta na definição da sua agenda política, e não procurar ganhar no espaço mediático todas as discussões que lhe são propostas e todas as sondagens.
Acontece que, ao contrário do que podia parecer previsível no início da legislatura, até porque a maioria parlamentar exige o apoio permanente do BE e do PCP, partidos com interesses antagónicos, até mais do que posições divergentes, a coligação de apoio ao governo socialista tem-se mantido muito coesa, mesmo quando encena fracturas em domínios especialmente impopulares para os eleitorados de um ou outro dos partidos minoritários em que eles contrariam o governo no parlamento, e basta um deles não o apoiar para o fazer perder uma votação, esperando que a oposição de direita a viabilize, e basta a abstenção de um dos partidos da oposição para a viabilizar, para não haver disrupção na governação. Deste modo conseguem fazer parecer aos seus eleitorados que as medidas populares se devem à sua influência na governação, e as impopulares aos socialistas que eles tentaram sem sucesso demover e à direita que apoiou os socialistas. Para eles é um bom negócio. Para o Costa, que salvou politicamente a pele in extremis quando se preparava para ser esfolado por ter perdido as eleições que tinha prometido ao partido ganhar, e ficou com os negócios públicos à mão de semear para distribuir pelos seus melhores amigos pessoais e políticos, ainda melhor.
Pelo que, a não ser que os partidos de esquerda o decidam e cumpram a decisão, o governo não será derrubado e a legislatura durará os quatro anos até 2019.
Ora, tal como uma maratona não é uma sequência de 421 sprints de 100 metros e um de 95, mas uma corrida contínua que é ganha por quem chega à frente ao fim dos 42.195 metros, uma legislatura de 4 anos não é uma sucessão de vitórias diárias em debates no parlamento e na opinião pública e mensais em sondagens, mas um processo longo e continuado em que o vencedor só é apurado nas eleições legislativas para a legislatura seguinte, no caso actual em 2019.
Mesmo assim, os militantes, dirigentes e eleitores do PSD mais apreensivos têm-se deixado invadir pela dúvida se a falta de resposta imediata e permanente do partido às provocações e humilhações regulares dos socialistas e dos outros será apenas estratégica, ou se indiciará uma falta de combatividade que, a arrastar-se até ao fim da legislatura, lhe poderá ser fatal nas eleições. Deixavam. Na última semana tiveram direito a três decisões inequívocas sobre a capacidade de afirmação política do Passos como político na oposição:
Estas decisões levantaram um coro de indignação universal que juntou em uníssono todos, de esquerdistas radicais a dirigentes de associações empresariais, de banqueiros a jornalistas, de dirigentes costistas ao presidente da república, de economistas anti-austeritários à aristocracia ressabiada do PSD, de sondagens a centrais sindicais, todos a apelarem ao Passos para dar mais uma vez colinho no parlamento ao Costa em vez de o obrigar a negociar com os partidos que o apoiam o apoio que precisa para concretizar a promessa que fez e não estava em condições de fazer, ou a sugerir-lhe uma candidatura suicida, porque seria facilmente derrotável como candidatura oportunista para ocupar o lugar a prazo até voltar a concorrer a primeiro-ministro nas próximas eleições legislativas, à CML. Todos a apelarem-lhe à coerência para respeitar os seus princípios, que eles detestam, a quebrar o seu isolamento político, que eles sonham promover, e a salvar a credibilidade do PSD, que eles tentam demolir.
Todos? Todos menos os militantes, dirigentes e eleitores do PSD, para quem estes anúncios, e o repúdio generalizado que resulta do receio que eles suscitaram nos adversários e inimigos do partido, foram o sinal que precisavam para acordarem, perceberem que têm mesmo liderança para levar o PSD à vitória que necessita para voltar a governar, e voltarem a galvanizar-se em torno desse objectivo. Ou seja, todos, menos todos os que realmente interessam, que são os que vão estar até ao dia das eleições a lutar pela vitória necessária para afastar esta gente manhosa e ressabiada do poder.
Por uma excelente razão, aliás, ou mesmo duas: esta gente está de má-fé e pretende enfraquecer o PSD, ao contrário do que lhe acena nas sugestões que lhe faz, e tem experiência, não em ganhar eleições legislativas, mas em perdê-las, e é nisso que tem capacidade de lhe dar lições.
Lição? A melhor coisa para eles, para os portugueses e para Portugal, que o PSD e o Passos Coelho podem fazer com os apelos e conselhos desta gente que não vota nem nunca votará neles é agradecê-los e fazer exactamente o contrário do que lhes sugerem.
Há tempos havia decidido não voltar a ver a Quadratura do Círculo, por ter evoluído para um programa de debate entre Jorge Coelho, que apoia o PS, Pacheco Pereira, que apoia o PCP e o Bloco, e Lobo Xavier, que apoia Costa, todos irmanados numa solidária aversão a Passos Coelho e admiração pelo patente génio do trafulha que agora nos pastoreia.
Os programas de debate político, salvo os frente-a-frente entre deputados, que repetem os mesmos argumentos já utilizados no Parlamento, transformaram-se em rodas de amigos de onde está ausente qualquer forma realmente diferente de ver a coisa pública. E por exemplo Santana Lopes, outrora o enfant terrible do PSD (PPD/PSD, como diz, não vá alguém julgar que não é contemporâneo das gloriosas lutas do falecido Sá Carneiro), confraterniza semanalmente com António Vitorino, ambos remoendo com deleite o estatuto e os proveitos que as respectivas carreiras políticas lhes garantiram, Santana insinuando às vezes que talvez pudéssemos estar um pouco melhor, e Vitorino garantindo sorridentemente que não senhor, estamos em mãos boníssimas.
De debates, os espectadores preferem os sobre os méritos e deméritos de Jorge Jesus ou outra refulgente personalidade do mundo do futebol, e fazem muito bem: sempre vão mobilando o imenso vácuo que lhes habita as cabeças, e o que é facto é que com Costa tá-se melhor, o PCP vela pelos dereitos dos trabalhadores, o Bloco pelos dos transsexuais, e a Europa há-de tomar conta de todos, que nós somos pequeninos e eles não querem cá chatices.
Isto é estranho. Que num país que tem a quarta ou quinta dívida pública do mundo, cujo serviço em juros, medido em percentagem do PIB, é, no acabrunhado rol de potenciais caloteiros, o primeiro ou segundo; que sobrevive com crédito e taxas de juros relativamente moderadas apenas porque vive ligado à máquina do BCE, o qual estatutariamente apenas nos apoia porque tem a desculpa de evitar a desinflação, risco que está a dar sinais de ter desaparecido; que cresce raquiticamente; e que segundo os comunistas da Bayer e os genéricos, ambos apoiantes do governo do dia, jamais pagará o que deve, pelo que deve desde já dizer aos credores que vão bugiar, a fim de estes nos continuarem a emprestar, mas sem arrogâncias: seria de esperar que as melhores cabeças não apenas denunciassem o absurdo risco em que o país está mas também se digladiassem, de faca nos dentes, sobre o caminho a seguir.
Mas não. O caso do dia é a decisão da Concertação Social que pariu um aborto, que se pode descrever assim:
O salário mínimo sobe mais de 5% (27 Euros sobre 530, a que acrescem os 23,00% da TSU - já há um desconto de 0,75% - e aumento do custo de seguro de acidentes); as associações patronais encararam com horror a percentagem, cientes de que nem a situação de inúmeras empresas, nem a do país, nem a taxa de desemprego, nem a de inflação, recomendariam um tal salto; e para dourar a pílula o comissário de serviço da Situação, o celebrado ministro Vieira da Silva, ofereceu um aumento do desconto sobre a TSU, de 0,75 para 1,25%, passando portanto o encargo da entidade patronal a ser de 22,50%, incidindo sobre os salários mínimos pagos, e não os 23,75% que incidem sobre todos os outros. É fantástica a gigantesca baralhada que todas estas cabeças são capazes de produzir, no afã de poderem fingir que estão a concertar.
Contas feitas, o que os "patrões" pagam a menos do que pagariam sem a "benesse" são cerca de 3 Euros em 27 (isto é, pagando 22,5% em vez dos anteriores 23%). O que isto quer dizer é que as contas futuras da Segurança Social serão agravadas nesta medida e, portanto, ou o contribuinte futuro suporta a diferença ou, mais provavelmente, os futuros reformados a suportarão, dada a demonstrada insustentabilidade da trajectória das pensões sociais. Com a anuência dos "patrões" portanto, a Concertação colaborou numa pequena vigarice.
O que os patrões deveriam ter feito era não chegar a acordo algum, com ou sem descontos de mercearia, e recomendar aos seus associados que se puderem aumentar aos seus trabalhadores sem pôr em risco as empresas o façam, e se não puderem não. Mas isso era se fossem patrões, e não poltrões.
Pois bem: Dá-se o caso de os comunistas, desta vez, não estarem dispostos a um arranjo que não é tão penalizador para o patronato como desejariam, além do que começam a ter fortes suspeitas de que, para o PS ganhar eleições, podem eles perder clientela; e o PSD resolveu, e bem, não dar cobertura a mais um episódio governamental da novela "gaste agora, dê-nos o seu voto, e pague depois, quando abrir os olhos". Ora, os três senhores do primeiro parágrafo acham que isto é baixa política por entenderem que, sob pretexto de que o PSD tem o rabo trilhado na matéria, destrilhá-lo seria incoerência. E portanto entendem que, faltando o apoio dos dois pés botos da geringonça, deve a chamada direita suprir a falta.
Isto acham eles. Eu acho que tenho livros atrasados para ler, e filmes para ver: parece que estão disponíveis para aluguer episódios dos Three Stooges.
O governo socialista introduziu um algoritmo alternativo às médias obtidas pelos alunos nos exames nacionais para fazer o ranking alternativo das escolas, o indicador Percursos directos de sucesso que serve de base ao Ranking de sucesso que, como o nome indica, evidencia o sucesso do socialismo, neste caso específico no domínio da Educação. Trocado por miúdos, é a percentagem de alunos que completam um ciclo de ensino passando (com dez ou com vinte, é igual) nos exames finais de Português e Matemática desse ciclo sem nunca terem chumbado nos anos intermédios do ciclo.
Neste Ranking de Sucesso a escola secundária pública mais bem classificada no ano lectivo de 2015/2016 é a Escola Secundária José Falcão, em Coimbra.
A escola tem raízes históricas, teve origem no Liceu de Coimbra, um dos primeiros de Portugal fundado em 1836, e por ela passaram as mais ilustres personalidades históricas que estudaram na cidade, e as instalações actuais, construídas nos anos 30 do século XX, estão classificadas como Monumento de Interesse Público. Mas está num estado de conservação deplorável, não tendo sido intervencionada no âmbito do programa de requalificação das escolas, o Parque Escolar, cujo objectivo primeiro e mais nobre é Recuperar e modernizar os edifícios, potenciando uma cultura de aprendizagem, divulgação do conhecimento e aquisição de competências, o que motivou o lançamento pela associação de pais de uma petição com vista à realização urgente de obras que devolvam a dignidade ao edifício e a segurança e conforto aos seus utentes.
Para além das boas intenções subjacentes à sua missão, a criação de condições para melhorar a qualidade e os resultados do ensino nas escolas intervencionadas, o Parque Escolar foi uma festa.
O facto de a melhor escola secundária pública do país, medido pelo critério que o governo socialista considera mais relevante para aferir a qualidade do ensino, estar num estado de conservação deplorável é que, pelo menos, suscita dúvidas sobre a validade da convicção, no entanto aparentemente pacífica, que recuperar e modernizar os edifícios, de facto, potencie uma cultura de aprendizagem, divulgação do conhecimento e aquisição de competências, já que as escolas intervencionadas não conseguiram obter melhores resultados que esta escola degradada, e esta conseguiu obter melhores resultados que as intervencionadas.
Pelos vistos, o Parque Escolar valeu mais pela festa que pela melhoria da educação em Portugal.
O Mário Soares que morreu há dias não me era uma personagem simpática. O meu Mário Soares, que tinha aplaudido num comício no estádio das Antas, o equivalente nortenho do da fonte luminosa, veio com o tempo a gastar o capital de simpatia que a minha juventude dedicou fugazmente ao partido Socialista, primeiro, e depois quase só ao próprio.
Por alturas da adesão à CEE já o seu europeísmo feroz me causava urticária; ainda sorri interiormente com a guerra que moveu a Cavaco, um político daninho que desperdiçou a oportunidade - o primeiro a fazê-lo - de reformar seriamente o Estado que dez anos de esquerdismo haviam transformado no principal obstáculo ao desenvolvimento do país; e mesmo antes de lhe conhecer o lado obscuro e ainda por explicar das negociatas de Macau e outros lugares já via nele o socialista típico, capaz de fazer tudo e o seu contrário para comprar votos com o expediente de imprimir dinheiro, podendo, e de pedir emprestado quando tal prática deixou de ser possível.
Como disse, por exemplo, aqui, Mário Soares "declinou na sua importância com a adesão à CEE, já tinha cumprido a maior parte do seu papel quando chegou a Presidente da República, e morreu no fim do seu segundo mandato. Os episódios das candidaturas falhadas a presidente do Parlamento Europeu (cuja concorrente insultou) e de novo à Presidência da República, aos 80 anos, fazem parte da decadência".
Resta porém que num momento crucial da nossa história esteve à altura; e não é nada certo que se não fosse ele teria sido outro qualquer. Outro qualquer, por exemplo Sá Carneiro, não teria conseguido federar todas as aversões ao Partido Comunista, por lhe faltar a aura de esquerda e de combatente anti-salazarista; e outro qualquer socialista, por exemplo Salgado Zenha, não teria a lucidez, nem a determinação, nem a vontade, nem a lata, de ao mesmo tempo defender o socialismo, as nacionalizações, a Constituição e toda a parafernália da revolução, então cara a uma parte significativa do eleitorado, enquanto curava de granjear o apoio da Igreja Católica, dos seus amigos da Internacional Socialista, dos Estados Unidos e do povo do Norte, que abominava os vermelhos.
Ganhou. E por ter ganho posso, e pude sempre, tranquilamente aliviar-me destas opiniões e doutras que me dê na veneta, na certeza de que não corro quaisquer riscos.
Talvez venha a ser preciso, se Rui Ramos tiver razão, um Mário Soares, de direita, para o século XXI. Por mim, estaria disposto a perdoar-lhe a ambição sem freio, a vaidade sem limite, o descaso dos amigos que se lhe atravessem no caminho, o amor dos charutos, das viagens, da boa vida, até mesmo a venalidade, se a ela ceder, desde que nas ruínas da UE, no naufrágio do Euro, e no oceano da dívida, preserve a liberdade.
Existirá esse homem? Porque a circunstância talvez venha.
O primeiro-ministro António Costa foi para a Índia pôr a render politicamente as suas raízes étnicas.
O guião consiste em encantar os indianos como o menino prodígio que chegou ao ocidente e se tornou primeiro-ministro, e encantar os portugueses como o primeiro-ministro que trouxe do oriente ouro, incenso e mirra na forma de exportações, investimento, competências tecnológicas e imigração dourada. Tanto uma como a outra parte do guião são ficcionadas, porque ele nem da parte oriental de Lisboa provém, e isto sem entrar na deselegância de comentar o modo como ele ascendeu a primeiro-ministro quando um primeiro-ministro está no estrangeiro em visita de estado, e a Índia está muito longe de precisar de abrir novas portas de entrada no ocidente para a sua economia, actualmente até a Jaguar é uma marca de automóveis pertencente a uma multinacional indiana, mas a ideia de base é boa é um guião inegavelmente bom, e foi a base da superprodução da longa-metragem, de seis-dias-seis de duração, que está neste mesmo momento a ser projectada.
Azar dos azares, mal se iniciou a projecção, faleceu o Mário Soares que, para o bem e para o mal, foi a pessoa mais determinante para o percurso que fizemos nos últimos cinquenta anos da nossa História, e as televisões fizeram zapping da Índia para a superprodução das suas cerimónias fúnebres e foram invadidas por legiões de entertainers a dizerem coisas mais para se fazerem recordar do que para recordar o falecido e a participarem em concursos de disparates onde muitos socialistas e parceiros de percurso se têm distinguido pela sua capacidade ímpar, se bem que já conhecida e reconhecida, de os dizer, pelo que seria injusto destacar nomes. E, entre as reacções iniciais, as cerimónias propriamente ditas, e o rescaldo que se seguirá, os seis dias de antena em que era suposto assistirmos em directo às maravilhas e realizações da visita do António Costa à Índia vão ser ocupados com o funeral do Mário Soares.
Ou por sentir que o dever não lho permitiria, mesmo que vontade não lhe faltasse, ou por mero calculismo político para não deixar fugir a oportunidade de facturar os resultados potenciais da visita à Índia, o António Costa decidiu manter o programa da visita em vez de regressar e protelá-la para outra ocasião ou de a interromper, nem que fosse por um dia, para vir ao funeral. Preferiu manter a sua participação como protagonista na superprodução da visita à Índia que passa no canal Arte, que quase ninguém vê, em vez de aceitar um papel de actor secundário na do funeral do Mário Soares que passa na CM TV, que quase toda a gente vê. Onde aceitou, no entanto, fazer uma breve aparição como artista convidado através do Skype.
Não sei se fez boa escolha. Nem me interessa. Entre os disparates que ele tem uma capacidade inegável de dizer e os que a generalidade dos outros socialistas e compagnons de route têm dito, venha o diabo e escolha. Por mim, até podia ficar na Índia.
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