Segunda-feira, 26 de Junho de 2017

Quando vigariza um português, vigarizam logo dois ou três

2017-06-26 Solução lesados BES.jpg

"A geringonça, através do amigo do Primeiro-Ministro arranjou uma solução que se resume em ilibar vigaristas que venderam banha da cobra aos clientes bancários...", disse na sexta-feira no plenário do parlamento o deputado do PSD Carlos Silva pelo meio de muitos protestos e uma pateada das bancadas de PS, PCP, PEV e BE, a que respondeu "Pergunto ao Partido Socialista se o Dr. Ricardo Salgado não foi um vigarista?".

O deputado Carlos Silva, que conheci circunstancialmente há 4 anos e com quem privo regularmente e de quem me tornei amigo desde que há quase 2 me tornei militante da mesma secção do PSD onde ele milita, não tem modos de menino de coro, mas é aquilo a que se chama uma pessoa correcta e educada e, mesmo entre amigos e companheiros (é assim que se chama aos camaradas de partido no PSD) de partido, nunca lhe tinha ouvido usar o termo vigarista, e posso-lhe já ter ouvido dizer merda mas nunca o ouvi dizer caralho, o que pode ser útil para lhe aferir os modos, pelo que posso testemunhar que, para a medida dele, foi uma afirmação extraordinariamente violenta.

E a que se deveu esta violênca verbal que ele usou? Recuemos para tentar perceber.

A família Espírito Santo foi expropriada e expulsa de Portugal na ponta das baionetas durante o PREC.

Quando, uns anos mais tarde, o regime democrático saído da revolução, é um milagre sair de uma revolução um regime democrático mas, goste-se ou não delas, e deles, e especificamente deste, foi isso que aconteceu em Portugal, decidiu que seria mais útil do que pernicioso trazer de regresso a Portugal as famílias que tinham dominado a economia portuguesa no tempo do velho regime, e lhes proporcionou nos processos de reprivatização facilidades na recuperação do seu antigo património empresarial entretanto nacionalizado, a família Espírito Santo foi uma das que regressou e conseguiu recuperar o seu activo mais emblemático, o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, que depois rebaptizou Banco Espírito Santo.

E durante anos, e não sei se isto será o primeiro conto do vigário mas, se tiver sido, chamemos-lhe o conto do vigário número zero, a família recuperou a influência que antes tinha, não apenas pelo crescimento do Banco Espírito Santo até se tornar num banco de referência, ainda que não o maior dos bancos privados, mas também na tomada de posições do Grupo Espírito Santo noutros sectores igualmente estratégicos na economia portuguesa, tendo conseguido feitos heróicos como assessorar processos de privatização em que conquistava posições de accionista de referência através de trocas de participações com termos de troca milagrosos, ou de ver reconhecidos como projectos de interesse nacional empreendimentos turísticos com campos de golf em zonas de paisagem protegida onde durante décadas os proprietários tinham tido que penar o calvário da burocracia ambiental para conseguirem sequer substituir uma telha partida. Guardado estava o bocado para eles o comerem.

A este crescimento não terá sido alheio o modo exemplar como a família sempre se relacionou diplomaticamente com o(s) poder(es) político(s), nunca se viu alguém da família criticar um governo que fosse, qualquer que fosse a sua cor, e certamente que não da mesma cor da família, ao contrário de alguns empresários de referência de fortuna mais recente que nunca se coibiram de criticar, às vezes contundentemente, quem na política se lhes atravessava ou apenas não lhes reconhecia a importância que eles consideravam que mereciam ver reconhecida. Quem não se lembra das críticas cruzadas entre o empresário Belmiro de Azevedo e o líder da oposição Marcelo Rebelo de Sousa que escalaram a um nível que sugeria que nunca mais seriam capazes de dirigir a palavra um ao outro, de tal modo que as televisões chegaram a andar a entrevistar políticos para lhes perguntar justamente se alguma vez eles dirigiriam a palavra um ao outro, tendo o deputado do PCP António Filipe dado uma resposta de antologia que talvez ainda hoje se possa considerar como o pináculo do cinismo político, e também da lucidez, quando respondeu "depende de quem ganhar as eleições". Em todo o caso, questiúncula que nunca se poderia ter colocado envolvendo empresários com o savoir-faire dos da família Espírito Santo.

E o grupo foi crescendo, crescendo, até o seu líder Ricardo Salgado se ter tornado conhecido como o Dono Disto Tudo. Usufruindo de alguns favores do poder político que, como se viu acima, mereceu inteiramente. Ponto.

Mas, e agora entramos no domínio do primeiro conto do vigário, que cronologicamente é o segundo, o grupo cresceu mais do que tinha pulmão financeiro para crescer, até se ver na necessidade de se capitalizar para conseguir dispor de um fundo de maneio suficiente para gerir, sem deixar cair, o gigantesco império empresarial que passou a dominar.

E, esgotada a sua capacidade de endividamento pelas vias normais, o mercado, cujos agentes não costumam conceder crédito sem olhar para as contas de quem o solicita para avaliar se tem previsivelmente capacidade para o vir a reembolsar, começou a recorrer às vias anormais: o BES começou a colocar junto dos seus clientes, tanto de retalho, que acreditavam na solidez do banco aferida pelos reguladores, com o Banco de Portugal à cabeça, ou na confiança que depositavam nos seus gestores de conta, para guardar em segurança as suas poupanças, como de private banking, que acreditariam na capacidade da família Espírito Santo de multiplicar o seu investimento, assim como junto de grandes empresas do regime em cuja gestão tinha colocado ao longo dos anos gestores que lhe deviam favores, dívida do GES que não valia a ponta de um corno, porque o GES não tinha nenhuma capacidade para alguma vez a vir a reembolsar, prolongando assim artificialmente a vida de um projecto empresarial que estava morto.

Até se ter visto na necessidadede ir pedir ao governo que a CGD também lhe comprasse dívida incobrável, por azar durante a legislatura em que o governo foi liderado pelo Pedro Passos Coelho, que lhe disse que não. E, nesse dia, o castelo de cartas da família Espírito Santo ruiu, e deixou sem dinheiro todos os que, de boa ou de má fé, lho tinham confiado. Criando a legião de lesados do BES. Este foi o conto do vigário número um, que está mais do que documentado e analisado.

Até ter entrado em cena o primeiro-ministro António Costa.

Como é habitual nele, prometeu ao país uma solução milagrosa para resolver o problema dos lesados do BES, e só há uma solução para o problema deles, é reembolsá-los do dinheiro que confiaram ao BES para guardar ou investir, ou para o investir enganando-os e simulando que o ia guardar, e que a família Espírito Santo fez desaparecer nas suas aventuras empresariais, sem custos para os contribuintes. Mais um número de ilusionismo em que se parece conseguir tirar dinheiro da manga como se o dinheiro aparecesse por geração espontânea e não viesse de algum lado e de algum bolso. E como tem sido habitual nestes números de ilusionismo, convidou o seu amigo Diogo Lacerda Machado para o realizar.

E em que consiste o truque preparado pelo amigo do António Costa?

  • Institui-se um fundo privado, sem custos para os contribuintes.
  • Os lesados do BES, titulares de créditos no valor total de cerca de 430 milhões de euros, transferem para o fundo privado a titularidade dos seus créditos sobre a massa falida do BES.
  • O fundo paga-lhes por esses títulos de crédito valores que vão de 75% do valor do título com um máximo de 250 mil euros para títulos de valor inferior a 500 mil euros, a 50% para os títulos de valor superior a 500 mil euros. O custo total desta aquisição de créditos aos lesados do BES é de 258 milhões de euros. 
  • Para lhes pagar, o fundo vai obter um crédito junto da banca.
  • Quando for liquidada a massa falida e o fundo receber o que tinha a receber dos títulos de que os lesados lhe tinham cedido a titularidade, reembolsa o crédito obtido junto da banca, e se sobrar dinheiro ainda o distribui pelos lesados.

Parece impossível. De um ponto de partida em que os lesados não tinham qualquer esperança de reaver o que tinham investido, chega-se a um ponto em que os lesados serão reembolsados em percentagens que vão de 50% a 75%, dependendo dos valores investidos, podendo ainda ser maior se sobrar dinheiro no fim da liquidação. E isto sem recorrer ao dinheiro dos contribuintes. Sem contribuir para o deficit.

Parece, e é. Porque se a massa falida fosse suficiente para reembolsar os credores eles já teriam sido ou estariam para ser reembolsados, e não haveria sequer lesados do BES. A origem do problema reside exactamente no facto de a massa falida não ser suficiente para reembolsar os credores. E, não sendo a massa falida suficiente para reembolsar os credores, o fundo também não terá capacidade para liquidar o crédito obtido junto da banca para reembolsar os lesados que lhe transferiram a titularidade dos seus créditos sobre o BES. E não tendo o fundo essa capacidade, nenhum banco lhe concederá esse crédito.

Como se vai ultrapassar este problema que mataria a solução à nascença? O Estado, os contribuintes, vai conceder ao fundo uma garantia para avalizar o crédito obtido para reembolsar os lesados. O que significa que quando for feita a distribuição da massa falida e se verificar que o fundo não obteve dinheiro suficiente para reembolsar o crédito, a parte em falta será reembolsada pelo Estado. Pelos contribuintes. A contribuir para o deficit de daqui a alguns anos, tantos mais quanto mais tempo demorar a justiça a resolver o processo de falência. Que a solução para os lesados do BES não tem impacto no deficit este ano é verdade. Que não envolve custos para os contribuintes é o conto do vigário número dois.

E a coisa fica por aqui? Não fica. O acordo com os lesados do BES prevê que eles, além de cederem ao fundo a titularidade dos seus créditos sobre o BES, e de serem parcialmente reembolsados por essa cedência, também abdiquem do direito de litigar contra o Banco de Portugal, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e o Governo, assim como contra o BES e o Novo Banco, ou seja, contra as administrações destes bancos, incluindo a liderada pelo banqueiro Ricardo Salgado. Os lesados que adiram ao acordo não poderão colocar o banqueiro em tribunal pelos danos que lhes causou. Mas nada os impede de colocarem em tribunal os empregados de balcão, gestores de conta ou gerentes de dependência que lhes venderam os produtos financeiros que não puderam ser reembolsados. Quem lhes montou o conto do vigário fica ilibado, quem o devia ter impedido de os vigarizar através da regulação pela qual tinha responsabilidade também, mas não os funcionários que, pressionados pela gestão do banco para lhes venderem os produtos financeiros em causa de modo a atingirem os seus objectivos comerciais, podem vir a ser responsabilizados. É o conto do vigário número três.

E, chegados aqui, podemos, com conhecimento de causa, repetir em coro com o deputado Carlos Silva "A geringonça, através do amigo do Primeiro-Ministro arranjou uma solução que se resume em ilibar vigaristas que venderam banha da cobra aos clientes bancários". E, com o que já sabemos, até podemos afirmar que o banqueiro Ricardo Salgado não é o único vigarista que aparece nesta história, e que a pateada das bancadas da maioria tinha toda a justificação. Também eles estavam a defender vigaristas.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 23:35
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Sábado, 24 de Junho de 2017

Heterónimos sebastianistas

Primeiro foi Hélder Ferreira a confessar que era Sebastião Pereira; a seguir veio Vítor Cunha; de imediato Fernando Melro dos Santos; e finalmente Pedro Correia. Depois surgiram avatares como cogumelos, todos pouco plausíveis e evidentemente oportunistas.

 

Pedro Correia nega a autoria do ominoso texto que saiu no El Mundo a dois dos outros, que reivindica ostensivamente para si. Que pensar?

 

Vejamos: Hélder foi denunciado há tempos por Pacheco Pereira como sendo um indivíduo de extrema-direita que se exprime recorrentemente em artigos com inadmissível falta de respeito pelas autoridades; Vítor Cunha escreve no Blasfémias, um blogue tolerado em nome da política oficial de liberdade de expressão mas que é na realidade um coio de personalidades antissociais; Pedro Correia é conhecido pelo seu incansável labor na publicação de trabalhos e notas sobre livros, música, cinema, blogosfera, assuntos da actualidade, actividade que todavia disfarça mal as suas simpatias pelo PSD, as quais ocasionalmente se atreve a confessar; e Fernando Melro dos Santos roça perigosamente a criminalidade, felizmente em artigos inacessíveis, pelo hermetismo da redacção, à compreensão da juventude, que pretende transviar para doutrinas individualistas, liberais e anárquicas.

 

Toda esta gente partilha uma visceral aversão ao Poder consagrado nas urnas, entre muitas outras razões porque não o foi; está irmanada numa acidental negação do brilhantismo de Fernanda Câncio, tida como dona do nariz com mais visibilidade no espaço da opinião pública, ainda que segundo muitos encimando uma boca que expele com regularidade asneiras, o que aliás só lhe reforça o encanto; e pertence ao espaço do que, com grande latitude, se pode chamar a direita, aquela parte do espectro político que é responsável pelas injustiças ainda presentes na nossa sociedade e pelo relativo atraso do país.

 

É provável que as pessoas, perplexas, concluam que não podem todos estar a falar verdade na reivindicação da identidade de Sebastião Pereira. Mas sem razão, porque estes quatro nomes se inserem numa tradição portuguesa, bem firmada, de personalidades múltiplas, da qual os exemplos mais conhecidos são Fernando Pessoa e Miguel Abrantes. Muito diferentes entre si (o primeiro sabia escrever e o segundo recebia subsídios), nem por isso estes percursores deixaram de estabelecer ontologicamente a possibilidade de um autor com diferentes personalidades e várias personalidades com a mesma identidade.

 

Creio ter cabalmente esclarecido o mistério e com isso prestado um serviço à comunidade e a Fernanda, à primeira satisfazendo a curiosidade legítima e à segunda libertando-a para se dedicar à defesa do injustiçado Sócrates.

publicado por José Meireles Graça às 16:12
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Sexta-feira, 23 de Junho de 2017

Fogos políticos

Muitos especialistas em ideias gerais, categoria a que pertenço num lugar de merecido anonimato, pronunciaram-se publicamente desde o princípio do incêndio de Pedrógão Grande e foram num crescendo até ao rescaldo. Presumivelmente, continuarão.

 

Helena Matos, Maria João Marques, José Manuel Fernandes, Rui Ramos, Henrique Raposo, muitos outros menos conhecidos, tiveram palavras de perplexidade e indignação contra o desastre da Protecção Civil, a anedota obscena do SIRESP dos 500 milhões, a actuação inacreditável da GNR, as manobras de contenção de danos de imagem por parte de Costa e da sua patética ministra da Administração Interna, a inépcia ostensiva do presidente da Liga dos Bombeiros, o desequilíbrio histórico entre os gigantescos recursos públicos afectos ao combate a incêndios e as migalhas guardadas para a prevenção... tudo isto e muito mais, quem quiser que procure os textos destes e doutros no Observador, no Facebook, no Insurgente e no resto da blogosfera e imprensa.

 

Perplexidade desde logo porque não deve ter escapado à argúcia do espectador médio que a presença obsessiva do primeiro-ministro, da ministra da Administração Interna, do secretário de Estado que com ela disputava a visibilidade pública, todos encafuados no posto de comando, não podia senão agravar a confusão: a condução política de uma situação de calamidade pertence ao poder político; e a operacional ao comando, que aliás ficamos a perceber não é sequer unificado. E perplexidade também porque todas as declarações de responsáveis afinaram pelo mesmo diapasão: as causas são naturais, o que aconteceu foi inesperado, os meios estiveram à altura com um ou outro pequeno contratempo e o combate abnegado.

 

Subscrevo quase tudo o que aqueles três colunistas escreveram. E não duvido que subscreverei também o que vierem a dizer Vasco Pulido Valente e Alberto Gonçalves, se e quando lhes calhar pronunciarem-se sobre o Portugal oficial, institucional, político, que estadeou em directo na televisão para perplexidade dos cidadãos, por alguns dias afastados de concursos, futebóis, telenovelas e vidas dos famosos, e estarrecidos por perceberem que aquela gente a quem o Estado falhou e que perderam uns vidas, outros bens, e os restantes a paz, poderíamos ter sido nós.

 

O presidente da Republica deu o mote, logo no dia 18, declarando que "o que se fez foi o máximo que se podia fazer". A afirmação era pornográfica no contexto, e mesmo que mais tarde a tentasse corrigir, quando o número de mortos começou a escalar, terá tido um, provavelmente inconsequente, efeito, o de um número indeterminado de portugueses se ter começado a aperceber da incurável superficialidade e do porreirismo imbecil da personalidade que elegeram.

 

Outros efeitos terá tido esta tragédia. Pode parecer um exercício cínico conseguir ver algum lado que não seja esmagadoramente trágico nos mais de 60 mortos, mais de 200 feridos e um número indeterminado de desaparecidos, mas não: o melhor serviço que podemos prestar à sua memória é que não tenham morrido em vão. E como a legislação que regula a propriedade e todos os aspectos da prevenção e combate de incêndios é a moldura necessária para qualquer reforma, e as alterações decorrerão não de um unanimismo impossível mas de escolhas políticas, convém perceber como estamos. Eis alguns aspectos:

 

i) O PCP e o Bloco distinguiram-se todo este tempo por um impressionante silêncio. Parece que Catarina Martins implorou no twitter, imagina-se que intimamente a um xamã da sua devoção, por chuva; e o bom do Jerónimo, já quase no rescaldo, disse umas coisas anódinas; mas foi tudo. O contraste entre esta contenção e o berreiro que atordoaria o país caso não fossem aliados do governo, de mais a mais liderado por um político profissional que tem pesadas responsabilidades passadas tanto nos escândalos ligados a meios (SIRESP, helicópteros KAMOV) como na forma como (não) foi posto em prática o famoso Relatório de 2005 elaborado pelo Instituto Superior de Agronomia, escancaram perante quem não for indefectível apoiante daquelas agremiações o seu carácter basicamente oportunista. Tanto o PCP como o Bloco têm um discurso de superioridade moral em relação aos outros partidos, que este tacticismo desmente.

[O texto do Relatório é de difícil leitura, por estar redigido em catedratês, mas as melhores vozes de técnicos (Paulo Fernandes, António Salgueiro, as dezenas de participantes no estudo, o próprio Coordenador, Cardoso Pereira) ou de amadores - classificação dele - esclarecidos (como Henrique Pereira dos Santos, que tem feito um trabalho notável de divulgação dos problemas do abandono do campo e da floresta, do ordenamento do território, fogos e seu combate, meios, organização, soluções, etc.) lamentam que tivesse sido amputado, desfigurado e só muito parcialmente aplicado].

ii) No comentariado de esquerda a tónica foi, declinada em textos sentimentais quando não piegas, a de que discutir o assunto de Pedrógão Grande era inoportuno enquanto não acabasse o incêndio e um não especificado período de nojo; e que a crítica às evidentes falhas da Prevenção Civil, e de modo geral à barafunda da gestão desta crise, era uma grande falta de respeito pelos mortos e pelos soldados da paz e uma precipitação, por o ambiente não ter aquela serenidade que as grandes decisões profícuas exigem. Daniel Oliveira, por exemplo, tem um texto (falo de memória) nesse sentido, adequadamente replicado nas redes sociais por quem navega nas mesmas águas governamentais. Miguel Sousa Tavares aproveitou, na televisão, para exorcizar alguns dos seus fantasmas e declarou, peremptório, que a culpa era de Cavaco Silva e Álvaro Barreto, o primeiro porque acabou com a agricultura e o segundo porque promoveu o eucalipto. Que o abandono dos campos era inelutável, com ou sem Cavaco, e que tal facto foi positivo para os fugitivos, não lhe ocorre, e que haja muito boas razões para não vilipendiar o eucalipto também não. Sousa fala muito com o coração de esquerda, uma víscera que usa com frequência em lugar da cabeça.

Não é provável que este silêncio se mantenha mas o seu carácter interesseiro, e não generoso e nobre, decorrente do incómodo de saberem que o Governo não está isento de culpas sérias, de algum modo pode ter passado para a opinião pública ofuscada pelo bombardeio da propaganda de um governo supostamente eficaz.

iii) O senso comum não chega para perceber as causas dos incêndios, mas os culpados tradicionais, e que aliás vão mudando (madeireiros, fogueteiros, incendiários, celuloses, mais recentemente alterações climáticas) têm vindo a ser substituídos, à medida que sucessivos técnicos vão sendo entrevistados e lidos, pela conclusão de que a fuga dos campos, e o correspondente abandono da exploração dos subprodutos da floresta, com a inerente proliferação de matos secos que não são limpos, é que está na origem da gravidade dos incêndios. Vão continuar a ouvir-se estas pessoas quando acabar a época dos incêndios e vier outra novidade qualquer que excite e comova a opinião pública? Seria vantajoso para o Governo que assim acontecesse. Há porém muitas vozes, mesmo entre os técnicos, mesmo em comentadores ditos de direita, como Lobo Xavier, que defendem formas de atropelo ao direito de propriedade que, podendo ser necessárias para a eliminação do perigo de incêndio, comportam oportunidades para a gestão pública, companhias majestáticas, lugares de nomeação política, prebendas e gestão ruinosa. Numa palavra, oportunidade para socialismo de contrabando, isto é, que não resulta de escolha consciente. E essa perspectiva pode talvez manter o assunto na actualidade.

 

É desejável que o assunto não saia do radar da opinião pública por três razões: uma é que o problema da época de incêndios precisa de ser resolvido, como já o foi noutros lados, não tanto para que nos livremos completamente deles (coisa que, aliás, segundo o melhor entendimento, não é sequer possível ou desejável) mas para que nos poupemos tragédias evitáveis e prejuízos escusados; outra é que nas várias soluções, ou mistura delas, para o inevitável ordenamento do território, fique claro que há escolhas que ofendem mais, e outras que ofendem menos, a racionalidade económica e o direito de propriedade; e a terceira é que aqueles mortos que serviram em vida para pagar impostos e ansiavam talvez por uma selfie com Marcelo têm direito a que se lhes honre a memória não com evocações líricas mas com a certeza de que não haverá novos defuntos pelas mesmas razões.

publicado por José Meireles Graça às 12:33
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Procura-se!

2017-06-23 Fernanda Câncio - El Mundo.jpg

O Komissariado para a Reposição da Verdade sobre as Grandes Realizações do Socialismo e para a Denúncia dos Bandidos que as Difamam lançou uma caça ao homem sobre o jornalista que, cobardemente escondido por trás do pseudónimo Sebastião Pereira, escreveu no El Mundo que a reacção do governo português ao incêndio de Pedrogão Grande foi uma sucessão contínua de trapalhadas e omissões, e chegou mesmo ao descaramento de sugerir o derrube do nosso querido líder António Costa.

Um popular, membro das brigadas O Povo Está Atento, fez uma análise meticulosa ao pseudónimo do difamador e conseguiu identificar e denunciar que se tratava do célebre renegado Sebastião Bugalho, conhecido pelas suas torpes provocações à revolução socialista.

Como é próprio dos da sua laia, o cobarde nega os seus crimes.

Enquanto o governo decide se é preferível prendê-o para o investigar ou investigá-lo para o prender, deixamos aqui claro que no colectivo Gremlin Literário estamos com a revolução socialista, e a reacção não passará!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 08:30
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Quinta-feira, 22 de Junho de 2017

Para que serve o SIRESP?

2017-06-22 Siresp - estacao_movel.jpg

O SIRESP do António Costa, e digo do António Costa porque foi ele que o adjudicou por 485 milhões de euros contra o parecer que tinha solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de declarar nula a adjudicação feita pelo seu predecessor Daniel Sanches com o governo em funções de gestão e, portanto, sem competência formal para fazer uma adjudicação desta importância, custou, mais coisa, menos coisa, tanto como um dos dois submarinos do Paulo Portas, aqueles que imergem e emergem no parlamento e nos jornais em função das marés dos ciclos eleitorais.

Pelo custo do SIRESP teria sido possível disponibilizar a cada um dos seus cerca de 50 mil utilizadores potenciais um iPhone 7 com chamadas ilimitadas, e ainda um automóvel utilitário com alta-voz para evitarem telefonar ao volante.

Para que serve então o SIRESP, que justifique a exorbitância que nos custou e continua a custar?

Vou ver se consigo esclarecer a população sem recorrer a termos como "dispositivo" ou "meios", sem o jargão hermético que os especialistas usam para dar às pessoas de fora a impressão que lidam com conceitos tão complexos que não lhes vale a pena tentar sequer perceber, quanto mais dominar com auto-confiança suficiente para os criticar a eles, que os dominam.

A explicação para ser necessário montar uma rede própria sem dependência das redes comerciais já existentes e que servem mais do que satisfatoriamente os dez milhões de portugueses está no próprio nome do sistema, Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança em Portugal. Era necessário disponibilizar às forças responsáveis pela segurança do país, incluindo protecção civil e bombeiros, um sistema que assegurasse as comunicações em situações de emergência, em que as redes dos operadores comerciais de telecomunicações podem ter falhas, por exemplo por uma antena de retransmissão ser destruída por um fenómeno da natureza, um raio, por exempo, ou os cabos que asseguram a ligação das antenas à rede serem cortados por outro, um terramoto, por exemplo. Era necessário assegurar o funcionamento da rede em condições de emergência custasse o que custasse, e custou-nos 485 milhões de euros.

2017-06-22 Siresp - força maior.jpg

Tendo a sua existência baseada nesta necessidade, devia ser um bocadinho surpreendente que o contrato assinado entre o Estado e o consórcio tivesse a habitual cláusula 17ª - Força Maior * a isentar o consórcio de continuar a assegurar o funcionamento da rede nos casos de força maior,

  • "Constituem, nomeadamente, casos de força maior actos de guerra ou subversão, hostilidades ou invasão, rebelião, terrorismo ou epidemias, raios, explosões, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem as actividades objecto do Contrato",

que correspondem, como é norma, exactamente às situações de emergência que justificam a existência do sistema, mesmo quando um oportuno raio cai do céu. É a cláusula de pára-raios.

Devia, mas não é, e por duas boas razões. A primeira é que o contrato tem a assinatura da Linklaters, uma das mais reputadas sociedades de advogados a operar em Portugal, pelo que é de se presumir que todos os interesses do Estado, e os nossos, foram devidamente salvaguardados. A outra é que, com 60 anos, já não tenho a capacidade que antes tinha de me deixar surpreender.

Não se pense, no entanto, que por ter a salvaguarda da cláusula 17ª - Força Maior o consórcio se desobrigou de assegurar o funcionamento da rede, mesmo em casos de emergência. Para o assegurar, o consórcio dispõe de quatro estações móveis, as elegantes carrinhas ilustradas na fotografia desta publicação, mesmo se no Pedrogão Grande só uma estava operacional para substituir as antenas que ficaram desligadas devido ao incêndio, porque a outra das duas originais está avariada e as duas mais recentes ainda não estão equipadas para funcionar.

Os nossos 400 milhões que, em números redondos, o António Costa deu pelo SIRESP a mais do que teria custado recorrer a telemóves banais valem, se por outras razões não fosse, por estas quatro carrinhas. Por elas e por, certamente, terem feito alguém feliz. Na medida em que o dinheiro traz felicidade. Mesmo o dinheiro de sangue.

 

* Cópia do contrato roubada ao Carlos Guimarães Pinto no Facebook.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 12:07
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Quarta-feira, 14 de Junho de 2017

Ronaldismos

Desde sempre que gosto de ver os jogos da Selecção Nacional. Além destes, um ou outro entre países terceiros, por ocasião do Campeonato do Mundo, sobretudo os do Brasil porque aquela gente tende a jogar bonito, e por ocasião do Campeonato da Europa, sobretudo os da Alemanha porque aquela gente tende a jogar eficiente e nunca desistir, mesmo quando as coisas correm mal.


Em casa, as arbitragens suspeitas, claramente enviesadas a favor dos grandes, a preguiça, o calculismo ou a falta de preparação física dos jogadores, para não falar da mediocridade da maior parte, levam a que não veja nada, excepto ocasionalmente o Porto, porque sim.


Debates não, por razões sanitárias; jornais desportivos nunca, por medo do que a falta de superfície do assunto, e o tráfico de influências, fazem a uma prosa destinada a fanáticos; dos dirigentes sei que é gente que no geral só se poderia convidar para jantar tendo o cuidado prévio de esconder as pratas; dos treinadores que são pessoas muito interessantes durante meia hora; e dos jogadores que não se lhes deve permitir o convívio com filhos adolescentes, não vão fascinar os moços com os seus penteados ridículos, e as moças com o seu encanto de efebos acéfalos.


O mundo do futebol adquiriu no nosso país uma importância absurda: nas programações das estações televisivas ocupa horas infinitas; gente séria dedica-lhe a profundidade das suas considerações eruditas; os jornais desportivos vendem-se muito mais do que os comuns; os poderes públicos disputam a simpatia dos amantes da bola, e atribuem aos clubes benefícios que outras colectividades não têm; e, nos dias de jogos grandes, suspendem-se as regras de estacionamento, e as da civilidade, para acomodar a mole excitada dos adeptos, que vai para os estádios procurar o consolo da diluição da individualidade na camaradagem da tribo.


O outro lado deste quadro é que o país tem internacionalmente, no mundo da bola, uma importância e sucesso que não tem em nenhum outro domínio; dezenas de milhares de miúdos praticam desporto atrás do sonho de serem craques; exportamos regularmente futebolistas e treinadores, a peso de ouro; e o turismo beneficia da notoriedade que estes deuses da contemporaneidade adquirem.


Deuses da contemporaneidade. E, neste Olimpo decadente, o Zeus incontestado é, merecidamente, Ronaldo. Não podemos por isso deixar de ter em atenção o que Zeus faz. Não tanto por ele, mas pelo exemplo que dá.


Ronaldo comprou dois Nenucos, um menino e uma menina, nos Estados Unidos. É provável que o preço impressione muita gente porque sabendo-se cada vez mais o preço de tudo, e o valor de nada, a quantia excite a inveja de algum esquerdista mais militante, e menos apreciador do craque.


Mas o preço não importa ̶ se fosse dez vezes mais Ronaldo poderia com a mesma facilidade pagar; e com dez vezes menos, como será provavelmente o caso com outras incubadoras de menor prestígio, o artigo ficará acessível a gente de poucas posses, o que será possivelmente considerado mais igualitarista e democrático.


Este contrato de compra, em Portugal, não seria para já possível. Infelizmente, não há tendência, moda, comportamento, doutrina, que não chegue às nossas costas, ainda que com algum atraso. E em se tratando de produtos da tecnologia, modernidade, e engenharia social, o atraso é cada vez menor  ̶  não se pode parar o pugresso.


Os engenheiros sociais têm entre nós uma Ordem, liderada pelo Bloco de Esquerda, que acha que o papel dos pais e o das mães é comutativo, um pai e uma mãe são perfeitamente equivalentes a dois pais ou duas mães, a ascendência biológica está exactamente no mesmo plano que a ascendência de encomenda, a família tradicional é uma obsolescência a combater; e que a normalidade não existe, nem as excepções, porque a regra é não haver excepções, ou as excepções serem a regra.


Podem, sobre esta matéria, escrever-se, e têm-se escrito, tomos. Mas um tipo que manda fazer um filho (no caso, dois, porque a Natureza não respeitou a encomenda) a preço certo, por não estar disposto a aturar mulheres nem o que elas custam se as reconhecermos como mães que engravidamos, pode ser descrito como um inconsciente, ou um pulha se quisermos ser severos. E uma mulher que aluga o seu corpo, sem estar em estado de necessidade, só não merece ser tratada como prostituta porque estas cumprem uma função socialmente útil e não prejudicam terceiros.


Vai gostar muito dos gémeos, decerto  ̶  são filhos dele e decidiu tê-los. Talvez um dia um deles lhe diga, como eu diria: deste-me tudo o que uma criança e um adolescente podem ter mas tu, não o destino, escolheste que não teria mãe. Não tinhas esse direito, e bardamerda para tudo o mais.


Pois não, não tinha. E mesmo que o prestígio de Cristiano, os ventos da modernidade e as blocas ganhem o dia da Família Nova, que é em parte o Homem Novo com outras vestes, continuará a haver quem diga: Bardamerda.

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publicado por José Meireles Graça às 21:26
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Domingo, 11 de Junho de 2017

Lembranças

2017-06-11 Lacerda Machado.jpg

Lembram-se porque é que, depois de uma laboriosa recuperação da falência pela administração do gestor Fernando Pinto, a TAP se voltou a estatelar numa nova falência, que teve como consequência a privatização, porque o Estado estava impedido pelas regras da concorrência de recapitalizar a empresa? Lembro-me eu.

No dia em que, esta gente não tem um pingo de vergonha e só será travada se a justiça um dia fizer o que tem para fazer mas quando ela está envolvida nunca tem feito, a raposa é nomeada para tomar outra vez conta do galinheiro, e é óbvio que os activistas do "Não TAP os olhos" não vão tugir nem mugir, porque o objectivo deles nunca foi a sobrevivência da TAP, mas sempre a do António Costa, vale a pena lembrarmo-nos todos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 13:10
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Sexta-feira, 9 de Junho de 2017

Um pequeno passo para um governo, um gigante salto no abismo para o país

2017-06-09 Teodora Cardoso.jpg

Hoje o António Costa teve a sua maior vitória política da toda a legislatura.

Conseguiu que entidades independentes do governo, o Banco de Portugal e o Tribunal e Contas, cedessem à pressão que o governo e os partidos da maioria fizeram sobre eles para nomear para o Conselho Superior do Conselho de Finanças Públicas, não personalidades notáveis com um currículo técnica e eticamente inatacável, como a Doutora Teresa Ter-Minassien, a italiana do FMI que veio em 1983 salvar o país da falência resultante da irresponsabilidade financeira criminosa dos governos que o conduziram à inevitabilidade de um programa de assistência financeira internacional, alô, doutor Pinto Balsemão! mas dois conhecidos economistas da linha ideológica da Economia da Quimera, ou seja, daqueles que dizem que a austeridade é, não o estado natural de quem gastou todo o dinheiro que tinha e esgotou a capacidade de se endividar ainda mais para continuar a gastar, mas uma maldade dos credores que impedem a economia de crescer utilizando as mesmas fórmulas que antes a conduziram à depressão e à falência mas agora de certezinha que iria crescer, ou que deixar de pagar aos credores é uma opção viável, contando que quando for preciso mais dinheiro eles não deixarão de o continuar a emprestar.

Conseguiu que lhe propusessem para aprovação o economista Paul de Grauwe, que depois de ter sido conselheiro do presidente Durão Barroso na Comissão Europeia, o que já não constituía grande referência curricular, passou toda a legislatura anterior a fazer profecias idiotas como "Os portugueses é que estão a pagar aos alemães", "Portugal não deverá escapar a reestruturar dívida" ou "Portugal errou ao querer ganhar o concurso de beleza da austeridade", que poderiam perfeitamente ter sido ditas por outras sumidades do mundo do espectáculo como a actriz Catarina Martins ou o comentador Anacleto Louçã, e pelo professor Miguel St Aubynor, de que nunca ouvi falar, mas um dos autores do recente relatório sobre a sustentabilidade da dívida pública produzido pelo grupo de trabalho criado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda que, à falta de propor o calote aos credores, ou de lhes impor a renegociação à força para aumentar os prazos e reduzir os juros da dívida, propôs uma gestão da dívida no arame e sem rede, baseada em mais dívida de curto prazo, de juros mais reduzidos actualmente mas com exposição ao risco de aumentarem, e de mínimos históricos não há caminho que não seja o de começarem a aumentar, e de em qualquer crise de crédito não se conseguirem colocar emissões em volume suficiente para reembolsar as emissões que atingem a maturidade, ou seja, de falhar reembolsos.

Salvo as devidas proporções, conseguiu o equivalente a o PSD desistir de propor a deputada Teresa Morais para presidir ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa e propor em vez dela o comentador José Pacheco Pereira. Ou a nomear o economista Francisco Louçã para o Conselho Consultivo do Banco de Portugal. Que já lá está, aliás. Gente que assuma o papel, não de fiscalizar, mas de apoiar o governo. Alô, presidente Rebelo de Sousa?

A estratégia do primeiro-ministro é clara: impedir independentes de assumirem responsabilidades em entidades de fiscalização independentes, de modo a que a independência em demasia não as encoraje a levarem a sério as suas responsabilidades de fiscalizar quem fiscalizam, nomeadamente, o governo a que preside. Este risco é tanto mais elevado no domínio das finanças públicas quanto se percebe que o aumento da dívida líquida dos depósitos, que devia correponder ao deficit real por uma equação aritmética simples, tem andado a corresponder ao dobro do déficit contabilizado, o que indicia um elevado grau de criatividade na contabilização do deficit. Que é indesejável, na óptica de quem o calcula e apresenta assim, ver desmascarada.

E agora abro um parêntesis para dirigir uma pergunta a eventuais capitalistas que haja na plateia. E a respectiva resposta.

  • Querem deixar falir as empresas onde investiram o vosso dinheiro e perder o vosso investimento? Nomeiem para o Conselho Fiscal, não pessoas tesas e de contas certas que assumam a missão de estar lá para proteger o vosso dinheiro, mas pessoa simpáticas sugeridas pelo Conselho de Administração cujas contas têm, ou teriam, a responsabilidade de fiscalizar.

Portanto, e tendo uma noção do caminho que podemos tomar com probabilidade crescente com o esvaziamento das entidades de fiscalização independentes, o caminho que se toma quando elas fecham os olhos ao que deviam fiscalizar, vamos ter um Conselho de Finanças Públicas que, além de ser alvo permanente de apoucamento na figura da sua presidente pelos jagunços mediáticos do grupo parlamentar do PS, sempre apoiados, como se estivessem concertados, pelas piadolas oportunas do palerminha dos afectos, além de legiões de atrasados mentais que nas redes sociais manifestam incómodo pela dissonância entre a apresentação da senhora e as exigências da moda actual, tudo junto preparando o povo para não se indignar por, antes achar louvável, o governo mandar às malvas as críticas e recomendações do conselho e continuar a gastar o que tem e o que não tem, com os retoques contabilísticos para parecer que gasta pouco, mas acabando sempre por aparecer na dívida, onde o governo não tem capacidade, ou até tem mas é financeiramente mais sofisticado, alô swaps? para dar retoques, porque a dívida é o que os credores exigem contratualmente e não o que o governo decide dizer ao país que deve.

Demos então o salto no abismo. Mas sejamos felizes!

 

PS: Coloco aqui as figuras que servem para ilustrar a resposta a um comentário de um leitor que não sei como colocar na caixa de comentários, pedindo deste facto desculpa aos restantes leitores.

  • Recuperação do deficit ao longo da legislatura anterior

2017-06-10 Pordata deficit percent.jpg

O deficit passou de 11,2% em 2010 para 2,9% em 2015, tendo sido aumentado para 4,4% já na legislatura actual com o resgate do Banif decidido e concretizado pelo governo actual no final do ano. O valor de 2014 está afectado pelo empréstimo ao Fundo de Resolução para resgatar o BES, o banco do regime socrático, sem o qual o deficit teria sido de 4,5%.

  • Evolução da dívida pública nas últimas legislaturas

2017-06-10 Pordata dívida euros.jpg

A dívida pública aumentou 90 mil milhões de euros durante o governo do José Sócrates nos 6 anos de 2005 a 2011, ao ritmo de 15 mil milhões por ano. Aumentou 35 mil milhões nos 4 anos da última legislatura, ao ritmo de 8,75 mil milhões por ano, tendo sido o aumento em 2015 de 5,5 mil milhões. E aumentou 10 mil milhões no primeiro ano de governo actual do António Costa.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 18:14
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Doidas doidas, doidas andam as galinhas

2017-06-09 Metro Madrid piernas abertas.jpg

A Empresa Municipal de Tranportes de Madrid vai lançar uma campanha apoiada em sinalética, tenho que me ir habituando gradualmente a usar estes termos do novi-Português, para desincentivar os passageiros do Metro de Madrid de ocuparem um espaço excessivo nos lugares onde se sentam à custa da redução do espaço que fica disponível para os seus vizinhos de banco.

Estou cien por ciento de acuerdo, como diria o nosso primeiro-ministro que tanto tem inovado na língua Portuguesa sempre que abre a boca, é uma questão básica de civismo lado a lado com outras, como estar atento à entrada de passageiros com mais dificuldade de locomoção para lhes ceder o lugar sentado franzindo o sobrolho aos que fingem que não os vêem para não se levantarem, principalmente se apresentam sinais exteriores de terem sido educados num contexto social em que isso lhes devia ter sido devidamente ensinado. Ocupar mais do que um lugar, no Metro ou num parque de estacionamento, é uma falta de civismo e, para alguns, em que me incluo, um indício de deficiência, neste caso, mental.

Mas isto era bom demais se a história ficasse por aqui, nomeadamente tendo em atenção que a cidade de Madrid é governada pelo partido que ficou em segundo lugar nas eleições municipais, o Podemos, depois de o partido que as ganhou, o PP, ter sido impedido de governar o município por uma coligação negativa do Podemos com o PSOE, que, andando aos caídos depois de um passado glorioso, preferiu apoiar o bando de doidos que lá se instalou a deixar governar o partido eleito pelos madrilenos.

E quando digo "bando de doidos" sei que a minha credibilidade é diminuída pelo desamor que nutro por essa formação partidária criada com base no financiamento do regime bolivariano miserável e assassino em troca de assessorias de alguns dos mais ilustres dirigentes do partido em domínios como a organização e a propaganda, os filhos da puta deviam ser obrigados e viver na Venezuela para experimentarem ao lado do desgraçado do povo venezuelado as suas próprias ideas e conselhos, mas não posso deixar de usar a expressão porque se trata mesmo de um bando de doidos, de gente que nas redes sociais incentiva a tortura e o assassinato de adversários políticos, coisa que só não fazem porque lhes sobra em garganta o que lhes falta em, desculpem-me a expressão, tomates. Enfim, uma espécie de guerrilheiros urbanos do teclado.

Mas, regressando ao Metro, a campanha contra a utilização de espaço excessivo identifica um alvo preciso para a sua mensagem, os homens que se sentam de pernas abertas, que são caricaturados na sinalética e estão na base do hashtag, outra palavra do novi-Português que significa "palavra ou palavras sem espaços a separar precedidas de um #", ou almofadinha, como já lhe ouvi carinhosamente chamar, #MadridSinManspreading.

Chegado aqui, tenho que confessar que, apesar de ter sessenta anos de idade e mais de cinquenta de utente do Metro de Lisboa, já tinha dado pelo problema ocasional da falta de civismo de alguns passageiros que ocupam mais do que o seu próprio lugar, mas nunca por homens de pernas abertas. Ou por uma improbabilidade estatística, ou por os homens lisboetas sentirem menos necessidade de arejar os tomates que os madrilenos e manterem as pernas fechadas, os casos a que assisti foram de senhoras com sacos de compras ou a carteira pousados no banco do lado, ou pessoas muito gordas que parecia impossível caberem na largura que o banco lhes disponibilizava, por mais civismo que tivessem, e nunca os tais homens das pernas abertas. Nem senhoras, acrescente-se para repor a neutralidade de género. Mas, com a minha tradicional boa-fé, tenho de admitir que pode haver especificidades das cidades que resultem em que, numas, os homens gostem de se sentar de pernas abertas e, noutras, as prefiram trazer fechadas.

E fui investigar, lendo a notícia. E, boa notícia, não foi difícil identificar o motivo da especificidade. 

Diz a notícia que "La Empresa Municipal de Tranportes (EMT) incorporará un pictograma específico en el panel acompañado de la frase "respeta el espacio de los demás" y recoge así la propuesta del colectivo Mujeres En Lucha, que haces unos días inició la campaña #MadridSinManspreading para pedir al consistorio y a la Comunidad de Madrid que incorporara carteles contra esta actitud en los autobuses y en el metro, al igual que ocurre en otras ciudades como Nueva York o Tokio.". Ou seja, não foi uma qualquer comissão de utentes do Metro fartinhos de lhes ocuparem o lugar sem necessidade que sugeriu a campanha #MadridSinManspreading, mas um "colectivo", o "colectivo Mujeres En Lucha". Já se começa a parecer com um município governado pelo Podemos.

Diz também que o Ayuntamiento de Madrid se associou à campanha sugerida pelo colectivo e emitiu uma recomendação que pode bem ficar escrita na pedra, "por respeto a los demás, los usuarios masculinos no deben sentarse abriendo las piernas ocupando dos asientos". E por intermédio de que departamento? Do Departamento dos Transportes ou outro qualquer que garanta a articulação do ayuntamiento com a EMT? Não. Da Área de Políticas de Género y Diversidad. Num município Podemos é onde se tomam as grandes decisões. E diversidade não falta à recomendação, que estipula que os homens não se devem sentar de pernas abertas mas omite qualquer preceito para as mulheres, que assim se podem sentar com as pernas como muito bem entenderem.

E agora? perguntam-me os leitores mais sensíveis às questões da igualdade de género, temos aqui uma recomendação que pode criar situações de desigualdade por permitir às mulheres abrirem as pernas nos lugares sentados onde os homens têm que as fechar?

A pergunta é pertinente. Mas a resposta é fácil, e foi dada por "una de las ideólogas de la campaña" a senhorita Alejandra de la Fuente: "es una práctica que también realizan mujeres, pero es en una medida ínfima comparada con los hombres porque es una cuestión de cómo nos han educado. A nosotras siempre nos han dicho que debemos ocupar el menor espacio o a que se nos vea lo menos posible y a ellos no". As espanholas foram educadas para fecharem as pernas para não se lhe verem as partes, de modo que não há o risco de as abrirem, mesmo sendo-lhes permitido. Já os espanhóis, em contraste, abrem-nas se lhes for permitido, sendo a ideóloga omissa na explicação de as abrirem por terem sido educados para mostrar as partes ou simplesmente por usarem calças que as tapam melhor do que as saias.

O que não lhes ensinaram, às espanholas como ela ou as colegas do colectivo Mujeres En Lucha, foi a manter a boca fechada quando não têm nada para dizer, para evitar a emissão e propagação de asneiras. Elas e eles, não me vá aparecer aqui algum colectivo a fiscalizar os textos à procura de conteúdos sexistas. Mas não era a mesma coisa, e não teríamos a oportunidade de verificar numa experiência de laboratório o modo como esta gente é capaz de transformar uma grande cidade num manicómio à sua imagem.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:07
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Quarta-feira, 7 de Junho de 2017

Pontos de vista

Sadiq Khan, presidente da câmara de Londres, declarou que os ataques terroristas da semana passada na ponte de Londres e no mercado de Borough foram deliberados e cobardes, não esquecendo de incluir a habitual referência à inocência das vítimas.

 

Estas palavras de circunstância conseguiram combinar o erro com a banalidade, acha Theodore Dalrymple, no essencial porque não se imaginam atentados que não sejam deliberados, se há vítimas a respeito das quais se invoca a inocência conviria indicar que vítimas é que poderiam ser culpadas naquele contexto, e os terroristas cobardes não são com toda a certeza, porque o que podiam razoavelmente esperar era a morte, mesmo que no Além os esperassem 72 virgens.

 

Fiz um comentário foleiro lá no sítio, salientando que as opiniões divergem, por haver quem ache que as virgens são apenas 42, que o stock delas já deve estar por esta altura substancialmente reduzido, e que aqueles loucos terroristas deveriam saber que uma única virgem, mesmo que apaixonada, é o cabo dos trabalhos, sendo largamente preferível uma mulher experiente e receptiva.

 

Piadas minhas à parte, Dalrymple tem razão. E foi ligeiramente mais meigo com Theresa May mas sem deixar de frisar que o clássico "os nossos pensamentos e orações estão com as famílias" é uma evidente aldrabice e o "já basta o que basta" uma incógnita, por não explicar o que tenciona fazer.

 

Sobre o que é preciso fazer, opiniões, há muitas: o major-general Carlos Martins Branco, por exemplo, que não conheço mas em cujas declarações tropecei por acaso na SicN, disse umas coisas terra-a-terra que me pareceram sensatas. E suponho que não abundou em considerandos porque as televisões têm o tempo tomado para as grosserias dos dirigentes desportivos, os intermináveis "debates" dos respectivos comentadores, os abraços, selfies e discursos ocos do nosso mercurial presidente, e todo o restante lixo com que os espectadores mobilam o vazio que têm nas cabeças.

 

Disse coisas práticas, e outras serão precisas. Do que não precisamos é de teorias grandiosas e impraticáveis. Rui Ramos, um excelente autor que sigo com gosto, proveito e geral concordância, acha que "os europeus têm de conceber a Europa como parte do mundo do Médio Oriente e Norte de África, e de reconhecer que a viabilidade do modo de vida ocidental passa por o tornar viável em toda essa região".

 

Acha isto porque constata que a integração da comunidade muçulmana intra-muros europeia é impossível (por se filiar numa tradição civilizacional diferente) e por haver uma clivagem nas sociedades europeias, entre "o que afirma a tradição cristã e iluminista e o Estado de direito" e "o que nega e desvaloriza tudo isso como uma abjecção sexista e racista, e reconhece ao jihadismo o direito de retaliação das 'vítimas".

 

Esta Europa dividida é incapaz de resolver as suas contradições, pensa Ramos. Apesar disso, deve ir fora de portas matar no ovo a serpente que tem cá dentro. Como isso se fará, fica por explicar; e fica por explicar também por que motivo o Médio Oriente e o Norte de África têm de ter o seu futuro inextricavelmente ligado ao nosso (salvo no caso de Israel).

 

Na realidade, de substantivo na argumentação sobra que é impossível que a Europa com os seus 191 milhões de habitantes se defenda dos 489 milhões que tem o norte de África e a Ásia ocidental; e a necessidade da eliminação dos "focos de galvanização e treino do terrorismo", aparentemente com operações militares, visto que "era assim que pensava George W. Bush".

 

Por que razão a diferença de populações haverá de ser relevante, se evitarmos invasões de imigrantes, não se percebe; e Bush filho assim pensava, de facto, faltando apenas demonstrar que tenha tido bons resultados.

 

Por mim, sem nenhuma reserva de princípio no que toca a acções militares (com que forças armadas, já agora?), prefiro acreditar que nem a diferença entre europeus que se descrevem como mais ou menos crentes na tradição cristã e iluminista é tão significativa como se supõe, nem a ameaça que o islamismo, como corpo estranho a essa tradição, representa, deixará de despertar reacções crescentes, como já está a suceder, nem creio que o problema seja insolúvel, precisamente porque ainda é, dentro de portas, sobretudo um conjunto de casos de polícia. Não têm sido assim vistos por pusilanimidade dos políticos, teorias delirantes do politicamente correcto e da equivalência das culturas que uma parte da intelectualidade defende, tudo coisas a corrigir á medida que as opiniões públicas vão afinando o seu ponto de vista, por  constatarem que têm sido lideradas por patetas que confundem tolerância com suicídio civilizacional.

 

Talvez nesta maré tenhamos alguma coisa a aprender, mas com Israel, que está cercado de inimigos muito mais numerosos e tem alguns dentro de portas. Com Bush filho  ̶  não me parece.

publicado por José Meireles Graça às 12:23
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