Há poucas reportagens que eu considere menos dignas de notícia do que o acompanhamento em directo do percurso do autocarro da Selecção e o fogo de artifício nos locais de outras longitudes onde o ano já passou enquanto o nosso ainda está para passar.
Até porque a passagem de ano é uma mera convenção social que não tem qualquer fundamento cosmológico.
Ao contrário, por exemplo, da Páscoa, que é o primeiro Domingo depois da primeira Lua Cheia da Primavera, e este dia de significado religioso tão profundo não podia ter fundamento mais pagão, ou do Carnaval ou do Corpo de Deus, que são, respectivamente, 47 dias antes e 60 dias depois da Páscoa, ou dos equinócios e solstícios que delimitam as estações do ano, não há nada cosmologicamente marcante no dia em que está convencionado começar o ano.
De modo que, para fugir às reportagens de foliões que vão enfiando o barrete ou a cartola sucessivamente pelo mundo fora ao longo do dia de hoje, e do de amanhã, vou desmontar alguns mitos astronómicos, só para chatear.
Tenham paciência, mas não tem.
Todos os dias têm uma duração diferente uns dos outros, e não estou a falar do dia como o período do dia com o Sol acima do horizonte que alterna com a noite, mas do dia completo, de um meio-dia solar, em que o Sol passa exactamente a Sul visto da nossa latitude no hemisfério Norte, ao meio-dia solar do dia seguinte.
Passo a explicar. Por obediência às leis da Física, neste caso a da conservação do momento de inércia, a Terra tem uma velocidade de rotação constante, pelo menos com a precisão dos relógios suíços, ainda que os relógios atómicos possam detectar variações ínfimas na velocidade de rotação devidas a movimentos de massas, sejam os oceanos, seja a matéria que constitui o núcleo.
Quer isto dizer que a Terra faz uma rotação completa de 360º em 24 horas? Não, porque quando termina a rotação de 360º está de novo alinhada com os mesmos corpos celestes a distâncias que se possam considerar infinitas com que estava alinhada 360º antes, mas por ter avançado cerca de 1º no movimento de translacção à volta do Sol em que percorre os 360º em cerca de 365,25 dias, ainda tem que rodar mais cerca de 1º até voltar a ter o mesmo alinhamento com o Sol no dia seguinte.
Quer isto dizer que todos os dias duram o tempo que a Terra demora a rodar os mesmo cerca de 361º em cada 24 horas? Não, porque o movimento de translacção da Terra não é circular com o Sol no centro, mas elíptico com o Sol num dos focos da elipse, o que significa que ela não está sempre à mesma distância do Sol, havendo um ponto, o periélio, em que ela se aproxima até cerca de 147 milhões de quilómetros por volta do dia 4 de Janeiro, e outro, o afélio, em que se afasta até cerca de 152 milhões de quilómetros por volta do dia 4 de Julho. Outra vez por causa da mesma lei da conservação do momento de inércia, a Terra anda mais rapidamente quando está mais próxima do Sol e mais lentamente quando está mais afastada. Tal como um pêndulo, ainda que num movimento diferente. O que significa que os cerca de 361º de movimento de rotação que duram os dias solares são um bocadinho mais longos quando a Terra está mais próxima do periélio e anda mais depressa, e um bocadinho mais curtos quando ela anda mais devagar próxima do afélio. E como a velocidade de rotação é constante, os dias têm todos durações diferentes uns dos outros, entre uma duração máxima quando a Terra passa pelo periélio no início de Janeiro e uma mínima quando passa pelo afélio no início de Julho.
Esqueçam que os dias têm 24 horas. Ponto.
Tenham paciência, mas só duram o mesmo quando calha.
Um equinócio, tal como um solstício, não é um dia, é o momento preciso em que a Terra passa por um dos dois pontos precisos onde o seu eixo de rotação é exactamente perpendicular à linha que une o seu centro com o do Sol. Se a Terra ficasse quieta a andar à roda nesse ponto, o dia teria exactamente a mesma duração que a noite em todo o planeta. Mas ela anda, e um segundo depois já se afastou 30 quilómetros e, mesmo estando a 150 milhões de quilómetros do Sol, estas linhas imaginárias deixaram de ser perpendiculares. O que significa que o dia só será exactamente igual à noite num equinócio nos locais da Terra cuja longitude coloque aproximadamente ao meio-dia solar, e naqueles onde é meia-noite solar, no momento preciso do equinócio. E mesmo assim não é exactamente assim, porque os equinócios não coincidem com o periélio nem com o afélio, em que a aceleração e a desaceleração da Terra são simétricas nas 12 horas que os precedem e nas 12 que lhes sucedem, mas podem tomar como bom que o dia e a noite num equinócio só têm a mesma duração numa longitude precisa próxima daquela em que o meio-dia ou a meia-noite solares são no momento do equinócio.
Esqueçam que o dia e a noite são iguais nos equinócios. Ponto.
Que mais mitos é que eu tenho para estragar? Há sempre o da hora legal vs hora solar, estes fenómenos dependem da longitude exacta dos locais que determina a sua hora solar, e a hora legal agrega no mesmo fuso horário tipicamente locais onde a hora solar tem desde menos meia-hora a mais meia-hora do que a hora no ponto central do fuso em que corresponde, e apenas aproximadamente, à hora solar, com variações ainda maiores devido ao fuso e à hora legal a não serem determinados apenas pela longitude mas pela legislação que os fixa em cada país ou região.
Mas já passei aqui a escrever mais de hora e meia livre das sucessivas reportagens sobre os foliões do ano novo fuso horário a fuso horário pelo mundo fora, e agora vou ligar a televisão a ver se o autocarro da Selecção está a passar nalgum local que se veja.
Boa noite, espero que se divirtam entre foliões de barrete, ou de cartola, ou mesmo de cabeça descoberta, ou preferencialmente em casa com a família ou amigos, ou mesmo sozinhos, para aqueles que vivem bem na sua própria companhia, e principalmente desejo um bom ano para todos.
Em Portugal a greve já é legal há quase quarenta e quatro anos e ainda não houve uma única greve de que os jornais conseguissem informar os leitores sobre o número exacto de grevistas.
Na última que chegou aos media, a greve convocada pelos sindicatos de trabalhadores dos CTT para os dias que antecederam o Natal, certamente motivada, uma vez que os CTT prestam um serviço público e foram até há pouco tempo uma empresa pública, pela defesa do serviço público de distribuição de correspondência através da não distribuição numa época em que os consumidores prezam particularmente a distribuição, são misteriosos os desígnios do Senhor, e os dos sindicalistas também, os sindicatos dizem que foi de 70%, um número até mais baixo que a média, porque os números divulgados pelos sindicatos costumam andar na casa dos noventas, e a empresa de 17%.
A diferença entre os dois números é muito grande, e é sempre assim, às vezes com diferenças ainda mais extremadas. Os sindicatos informam sempre que as greves têm uma adesão muito elevada, nalguns casos aproximando-se da totalidade dos trabalhadores, e as empresas, quase exclusivamente as públicas porque nas privadas as greves são muito mais raras, e os organismos públicos apresentam números muito mais modestos.
Para a empolação dos números de grevistas pelos sindicatos há uma boa razão, ou duas: criar no público o receio de que, se as empresas ou organismos não cederem às suas reivindicações, virá a ser muito prejudicado pela indisponibilidade dos serviços, na esperança de que o público exija a quem os gere, a empresa ou a tutela do organismo público, que cumpra as exigências dos sindicatos para voltar a ter os seus serviços de volta; e nos trabalhadores a impressão de que a representatividade dos sindicatos é tão sólida que vale a pena manterem-se ou tornarem-se associados e pagarem a respectiva quotização de 1% do salário, até porque é a única deduçao salarial que proporciona no IRS um abatimento no rendimento colectável, não do valor da dedução, mas com uma majoração de 50% que minora o seu custo final, pelo menos para os contribuintes os escalões mais altos das tabelas do imposto.
Para as empresas e organismos públicos também há uma boa razão para apresentarem números muito menos expressivos, mostrarem aos utentes, e aos eleitores, que conseguem gerir bem a situação e defender bem os seus direitos.
De modo que o público fica sempre sem saber se as greves tiveram uma adesão quase total ou apenas marginal.
Mas no entanto é muito fácil apurar o número exacto de grevistas em todas as greves, e com a precisão da unidade: basta pedir aos recursos humanos das empresas, ou, o que pode ser ainda mais fácil por serem públicos, dos organismos públicos, o número de faltas por greve que apuram quando processam os vencimentos no final do mês. Não é número que esteja disponível para abrir os noticiários da manhã nos dias de greve, naqueles em que os sindicatos conseguem informar a comunicação social das adesões de noventas por cento para cima mesmo antes da hora de os trabalhadores chegarem ao serviço e os grevistas não, e as empresas de faltas menos expressivas, mas é número que pode ser obtido poucas semanas depois e poderá ser útil para calibrar as estimativas do momento pela observação de tendências estatísticas nas diferenças entre os números divulgados pelos sindicatos e pelas empresas ou organismos públicos e os reais e, por essa via, motivar os sindicatos e entidades a fazerem estimativas mais realistas no momento para não cairem posteriormente no ridículo.
Os jornalistas só não informam o número exacto de grevistas em todas as greves apenas porque são incompetentes. Ou isso, ou então porque gostam de participar como figurantes na encenação montada pelos sindicatos de que as greves são sempre um grande sucesso e eles são actores determinantes na vida da sociedade, mesmo quando não passam disso mesmo, de actores?
Senhres jornalistas, se querem continuar a ser úteis à sociedade mexam-se e trabalhem, informem.
Ontem foi dia grande: o carro que o Estado abusivamente me apreendeu, incidente que já havia sido narrado numa peça romanesca, foi-me devolvido. As cerimónias decorreram na cidade dos arcebispos, e para assinalar o evento dirigi ao mestre de cerimónias local o e-mail seguinte, com conhecimento, como habitual, para a sede do IMT, comando-geral da GNR, ministérios da Administração Interna e do Planeamento e das Infraestruturas.
Boa noite Senhor xxxxxxx xxxxxx.
Conforme a notificação desses serviços recebida no passado dia 7, cuja cópia anexei ao meu e-mail de 11, abaixo transcrito, compareci hoje pelas 9H00 no “CIMA” com o veículo abusivamente apreendido. Da forma censurável como decorreu o que se seguiu à inspecção direi abaixo alguma coisa. Antes, porém, cumpre-me responder ao e-mail de V. Exª, o que ainda não tinha feito por temer represálias, ciente que estou de que são muitas as armas de que dispõe a generalidade dos serviços públicos para atazanar a paciência dos cidadãos, e poucas ou quase nenhumas as destes para reagirem.
V. Exª começa por dar como adquirida a verdade do que consta do auto de contraordenação, quando dos elementos referidos no processo relativo à matrícula xx-xx-xx pude verificar hoje que estão especificamente referidas películas coloridas. Isto contraria a fantástica descrição que faz o agente da GNR, quando diz “o veículo tem instalado nos vidros laterais películas de escurecimento. Nas películas instaladas pode ver-se a marcação G65 – D5562 pertencente à película da marca etc. etc. em que uma das características é ser incolor (sublinhado meu). Através da sobreposição, para além das películas constantes no certificado de matrícula sem coloração (sublinhado meu), foram instaladas películas de cor escura”.
Os vidros tinham apenas uma película colorida, não uma incolor e outra colorida, e esta última estava homologada. Um simples exercício de senso permitiria perceber que a alegação do agente era falsa, quer porque não se percebe para que serve uma película incolor quer porque o que lhe chamou a atenção foi a coloração – que estava homologada – quer porque não se entende como se descortina a existência de duas películas sobrepostas. De resto (mas desta parte não poderia V. Exª saber) o agente referiu-me a falta de homologação dos vidros coloridos, não a fantasia das duas películas, que só descortinei quando li o auto para efeitos de reclamar.
V. Exª precipitou-se portanto, no afã de se solidarizar com o "colega” (ambos se ocupam, com atribuições diferentes, de segurança rodoviária), esquecendo que a legislação que invoca tem a ver com segurança – não com invencionices nem expedientes para arrebanhar receitas de qualquer maneira.
Agradeço as informações que teve a bondade de dar sobre o detalhe (menor) da insuficiente descrição do endereço onde se encontra o tal Centro de Inspecções. Apreciaria ademais, depois de verificar in loco o modo como funciona tal Centro, que V. Exª explicasse como se entende que um cidadão cujo automóvel foi apreendido a 28 de Novembro esteja à espera de uma inspecção até 20 de Dezembro, quando a inspecção consiste em verificar o número do chassis, olhar para os vidros e conferir a papelada, isto é, cinco minutos.
Antes que V. Exª abunde nas explicações usuais para serviços ineficientes (excesso de trabalho, falta de meios, etc.) adianto-me:
O que vi foram dois engenheiros sem identificação (ninguém nesse Instituto está identificado, numa manifestação de discrição inteiramente dispensável e, creio, irregular quando no desempenho de funções) que iam despachando o serviço no meio de geral confusão. E que o que me atendeu, de resto cortesmente, informou no termo de uma conversa breve que para pagar o que fosse devido e tratar da papelada teria que o fazer no IMT, sito numa rua do Poente a vários quilómetros dali, mas só por volta das 11H00, quando lá chegasse.
Eram cerca da 9H30. E parece-me fantástico, e ao mesmo tempo elucidativo, que isto seja prática corrente: aparentemente os funcionários tomam como normal que o papel dos cidadãos seja esperar por eles.
Pelo que pude perceber os engenheiros largam o serviço por volta daquela hora, e isto explica os prazos intoleráveis para as inspecções.
Olear toda esta máquina não me parece tarefa particularmente difícil. E devo saber alguma coisa do assunto porque toda a vida dirigi organizações e se alguma delas funcionasse assim falia, não me dando sequer tempo de passear, com vergonha, a cara enfiada num tacho.
Chegado à sede, e enfastiado pela espera, resolvi tirar uma senha com a esperança de, se houvesse papeladas a preencher, ir adiantando caminho. Tocou-me em sorte um funcionário que, inteirado da história, esclareceu que havia que fazer prova de estar a multa paga, preencher um impresso para requerer não sei quê, e ainda uma outra diligência que não cheguei a apurar, por ter cortado cerce a conversa: aturar funcionários incompetentes que entendem que nenhum processo com menos de um quarto de kilo de papel está verdadeiramente instruído é actividade que figura com algum relevo na minha lista de tarefas a evitar.
Chegados os engenheiros à hora prometida, o que me atendera (e cujo nome me esqueci de perguntar) informou-me simpaticamente que alguém iria tratar do assunto e que me chamariam, após o que nunca mais o vi.
Fiquei por ali, sentadinho em frente do balcão. E como ninguém me chamasse, dirigi-me ao termo de uma hora à funcionária em frente (ao lado do tal senhor que me atendera inicialmente e que, por lhe ter perguntado, fiquei a saber chamar-se xxxxx xxxxxx) inquirindo se o meu caso não estaria esquecido. Não estava, pelo contrário fora concluído e foi buscá-lo, após o que despachou todo o assunto rapidamente e cobrou a taxazinha de 30 euros.
Creio que este último incidente (a espera inusitada) foi intencional, e suspeito que terá sido engendrado pelo funcionário pesporrento acima referido.
Não importa: espero que, a menos que outro agente da GNR divise no futuro, com olho arguto, alguma outra irregularidade que a sua imaginação lhe sugira, nunca mais frequentar essa repartição; e decerto ganhei acrescido respeito por quem tenha de o fazer, por razões profissionais, habitualmente.
Com os melhores cumprimentos,
José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça.
Anteontem recebi um telefonema a informar que Leninha tinha acordado.
Dormi mal, excitado pela perspectiva de passar a ter um cartão de cidadão que diga, na profundidade dos códigos de acesso, que vivo em minha casa e não no quintal da casa ao lado, como lamentavelmente sucedia.
Esperei uma eternidade mas valeu a pena: ontem desloquei-me à repartição, esperei quase nada, e saí são e salvo com o cartãozinho, impassível na sua verdade burocrática.
Estou doravante habilitado a que os CTT continuem a extraviar cartas mas sem o pretexto de a morada não ser no número 119 mas no 118.
Hossana. Aleluia. Bom Natal e Feliz Ano Novo.
Agora vai nanar, Leninha.
Acabei de fazer uma modesta descoberta, ainda não sei se para catalogar no domínio da etnologia, se da etologia, que me sinto no dever de não guardar apenas para mim mas partilhar com a humanidade.
Os animais ferozes também têm coração.
Pelo menos, os que habitam a selva mediática.
E como é que eu fiz esta descoberta?
Durante o fim-de-semana, a matilha que ao longo da semana se dedicou a defender na selva mediática o primeiro-ministro das consequências da última trapalhada em que se viu apanhado, a revelação pela jornalista da TVI Ana Leal do envolvimento de vários membros do governo e de outros orgãos do poder político socialista na gestão danosa da associação Raríssimas, de que tinha dado conta ontem de mais uma que me pareceu mais habilidosa, tanto no plano literário, como no argumentário, do que as outras, viu-se obrigada a abrir uma nova frente na defesa da tribo socialista contra o resto do mundo.
Ao justificar à comunicação social o facto de não ter endereçado ao primeiro-ministro um convite para o almoço de Natal organizado pela Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrogão Grande, a sua presidente Nadia Piazza tinha cometido a afronta de dizer "...as pessoas que foram convidadas são ... as pessoas que estão connosco".
Esta mulher notável que perdeu no incêndio o filho, acompanhado do pai e da avó, e que conseguiu encontrar conforto no facto de o cadáver do filho ter sido encontrado nos braços do do pai e de, portanto, ter morrido na companhia de quem o amava e o protegia, cometeu a afronta de, com uma elegância suprema que foge ao alcance da capacidade de compreensão da matilha que o defende, ter revelado que, por exclusão de partes, não inclui o primeiro-ministro no conjunto de personalidades que considera que estão com as vítimas do incêndio.
Poderia, quem somos nós para sugerir que deveria? tê-lo dito de um modo mais directo, por exemplo aludindo ao facto de ele nem se ter dignado a interromper as férias na praia quando ocorreu a tragédia, de não ter manifestado a mais pequena empatia com as vítimas até ser obrigado a fazê-lo pelo presidente, ou de a primeira reacção do governo à tragédia ter sido a de encomendar estudos de opinião para determinar que tipo de resposta preservaria melhor a sua popularidade. Podia ter sido ainda mais directa relembrando o papel que a incompetência do governo e das lideranças que nomeou por méritos partidários e de proximidade pessoal para a Autoridade Nacional da Protecção Civil teve na ineficácia da protecção das populações que resultou nas dezenas de mortes, entre os quais a do seu filho. Poderia até ter sido brutal como o primeiro-ministro sempre é, dizendo algo como "não convidamos bestas para a nossa festa". Mas não, foi apenas de uma elegância suprema, o que agrava a afronta, porque a matilha tem toda a capacidade para actuar ao nível mais rasteiro mas não a de a enfrentar ao nível a que ela foi colocada.
E, a melhor defesa é o ataque, o primeiro-ministro lá teve que soltar a sua matilha à ousada que lhe virou as costas.
No fim do dia, o prémio do comentário mais rasca acabou por ser atribuído sem discussão ao sobrinho do presidente Mário Soares e seu chefe de gabinete nas presidências e actual apoiante do Bloco de Esquerda, Alfredo Barroso, que com um poder de síntese no insulto notável deixou nas redes sociais o breve mas rico de significado comentário "A brasileira de Pedrogão: manipulada ou manipuladora" que em apenas sete palavras conseguiu resumir todo um programa de xenofobia em "A brasileira", aliás com um certo humor, voluntário ou, mais provavelmente, involuntário, porque sendo ele próprio italiano não se pode considerar nos antípodas dos brasileiros na cadeia alimentar da xanofobia, de misoginia, é conhecido o tipo específico de suspeição que as mulheres brasileiras suscitam nas pessoas xenófobas, além de lhe dar a escolher entre a burrice de "manipulada" e a desonestidade de "manipuladora". Tudo isto em sete palavrinhas.
Mas não foi ele que me conduziu ao caminho da descoberta, mas a académica Estrela Serrano que, já na véspera, tinha dedicado uma crónica no seu blogue a, entre outras coisas, o "azedume, inexplicável" da mesma Nadia Piazza.
Outras coisas entre as quais o objectivo primeiro da crónica, encontrar um sentido que não fosse boçal à trapalhada n - 1 do primeiro-ministro, a afirmação de que 2017 "foi um ano particularmente saboroso para Portugal" e explicá-lo às massas.
E qual foi a metodologia seguida pela académica socialista? Explicar que a crítica implícita mas clara que o presidente tinha feito às palavras do primeiro-ministro tinha o objectivo de ofuscar os seus magníficos sucessos no plano económico repescando a memória da tragédia de Pedrogão e era baseada numa descontextualização que lhe alterava o verdadeiro significado, e transcrevendo a explicação do verdadeiro significado não-odioso e, pelo contrário, virtuoso, das suas palavras pelo próprio primeiro-ministro. Em resumo, que seria tão deslocado recordar em Bruxelas a tragédia de Pedrogão como dizer em Pedrogão que tinha sido um ano saboroso.
Belo argumento, e merecedor de divulgação pelos seus apoiantes. E uma demonstração de que, mesmo os apoiantes mais ferozes, quanto mais lestos são a descobrir interpretações odiosas nas palavras dos outros, mais lerdos são a reconhecê-las nas palavras dos seus, e rodeiam a sua interpretação de todos os cuidados para eles não sairem magoados da discussão. Têm bom coração.
Mas uma andorinha não faz a primavera, e um caso de animal feroz das redes sociais que, em vez de interpretar maldosamente as palavras de um político, lhe pede para as explicar ele próprio de modo que não se cubra de odioso, não sustenta uma tese.
Por um acaso tão feliz como a descoberta da mayonnaise, encontrei hoje duas obras do antecessor de vultos como o deputado João Galamba ou a jornalista Fernanda Câncio, para além do incontornável sobrinho do seu tio Alfredo Barroso, na vanguarda do combate mediático socialista, a figura lendária da blogosfera que assinava as suas crónicas como Miguel Abrantes de quem circulam as histórias mais inacreditáveis, incluindo a de ser pago pelo então primeiro-ministro José Sócrates para o defender e louvar nas redes sociais.
Pois o tal Abrantes escreveu duas vezes, pelo menos estas duas que descobri, sobre o poeta e seu camarada de partido Manuel Alegre.
Na primeira, de 2008, era o Manuel Alegre o socialista que tinha desafiado dois anos antes o partido liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates e concorrido como candidato independente sem apoios partidários às eleições presidenciais contra o candidato oficial socialista Mário Soares e vultos dos outros partidos da esquerda como o comunista Jerónimo de Sousa, o bloquista Francisco Louçã, e o emierrepêpista Garcia Pereira, e tinha-os humilhado com mais de um milhão e cem mil votos contra menos de oitocentos mil do Mário Soares. Era a sombra sobre a direcção socialista que os socialistas deviam abater para lavar a honra manchada do chefe.
E o blogger Miguel Abrantes ridicularizou-o por ter escrito um texto publicitário para um banco, mais a mais o banco privado dirigido ao segmento de mercado dos ricos, e revelando ambições de nouveau riche do poeta.
Na segunda, em 2011, era o Manuel Alegre o candidato oficial do partido às eleições presidenciais, e andava a ser ridicularizado por ter escrito uns anos antes esse texto publicitário.
E o blogger encheu-se de dó pela maldade de que o candidato oficial do seu partido estava a ser vítima e desculpou-o publicando um desmentido que, contextualizando devidamente a publicação o texto publicitário, a esvaziava de qualquer sentido ridículo ou odioso. Teve bom coração.
Os apoios do PS, do BE e do MRPP, além dos das suas máquinas de propaganda, de que o Miguel Abrantes era um membro notável, assim como a saída de cena dos candidatos destes três partidos resultou numa redução de mais de trezetos mil votos no candidato que antes se tinha apresentado como independente e sem apoios. Mas o esforço foi meritório.
E um mais um é igual a dois, e dois comentadores ferozes a apresentarem argumentos para defender os seus chefes de interpretações maldosas já não são um caso isolado mas sim uma tendência.
Os animais mais ferozes também têm coração.
"Este artigo não é sobre as “raríssimas”; ou seja, sobre o caso da associação com esse nome".
Este artigo é sobre as vulgaríssimas, ou seja, sobre o modo como os comentadores comprometidos politicamente remetem discretamente as responsabilidades dos seus amigos e aliados políticos nas trapalhadas em que são apanhados a participar para debaixo de uma resma de papéis onde ficam ao abrigo das vistas, e dos corações, do público.
E como os há que o fazem num português articulado e com capacidade de construir uma teia lógica suficientemente rica e densa para embrulhar o leitor e o conduzir para onde se deseja que ele vá, ou seja, para longe do ponto de partida que é indesejável que ele mire, como o meu companheiro de partido Pacheco Pereira, vale a pena olhar para eles para reconhecer as suas qualidades.
A título de prólogo, e para não ser confundido com a maralha que constitui a muralha de aço do primeiro-ministro no espaço mediático, com gente que não tem vergonha nenhuma de se mostrar sectária e ordinária como o deputado João Galamba ou a jornalista Fernanda Câncio, o Pacheco Pereira começa a apresentação da trama num modo que procura cumprir os mínimos de objectividade para passar à fase seguinte, que é a de captar a atenção da audiência, reconhecendo que "...o poder político, e membros do Governo ou ajudaram a causa, sem cuidados, ou participaram no festim. Nalguns casos pode ter havido crimes, noutros comportamentos eticamente reprováveis..." e que "...A realidade tem mostrado que os membros do Governo e os outros políticos envolvidos não estão a sair-se muito bem das explicações que têm de dar...".
Significa isto que devemos atentar à falta de ética dos membros do governo e outros políticos envolvidos, e a partir daí notar que todos os que estão referenciados nestas práticas são do mesmo partido político e, mais do que isso, do círculo chegado de family & friends de amigos, familiares, amigos de familiares e familiares de amigos do actual primeiro-ministro que hoje se espalharam como metástases por todas as instituições do poder político, da administração pública, e do sector empresarial que depende de um ou de outra por controlo accionista ou dependência de favores, procurar perceber melhor as raízes e as consequências desta endogamia doentia, e tirar delas conclusões consequentes?
Não! Nada disso. Cumpridos os mínimos de objectividade, a análise pode passar à fase seguinte, a fase da distracção daquilo que começa por apontar para aquilo em que se quer que se acredite. Seria tão primário condená-los por terem metido a mão no pote e por se terem associado para a meter, como condenar um violador ou um homicida pela sua maldade e desumanidade pessoais em vez de condenar a maldade e a desumanidade da sociedade capitalista que os gerou e fez de gente de bem criminosos. O mal não é deles, é comum.
Regressando à trama,
Em resumo, "...Isto é corrupção, mas não só. É o retrato de uma sociedade disfuncional, muito desigual, onde quem tem acesso ao poder de gerir, ou de comprar, ou de vender, o faz quase sempre numa rede de amizades e cumplicidades, com proveito mútuo, e tão habitual que não merece condenação social..."., ou seja, é um exercício de futilidade e superficialidade apontar o dedo aos que agora foram apanhados e ao modo e objectivos de como foram espalhados pelos lugares onde foram sujeitos a estas tentações socialmente toleradas, e é até um exercício de inveja apontar-lhes o dedo. O mal não está neles, está em nós.
E como ampliamos o alvo um processo de investigação focada em meia dúzia de figuras, que calha serem todas costistas, que podia ser despachado em tempo útil, por um mega-processo de investigação sobre todos nós, ficamos ao abrigo do risco de alguma vez se conseguir chegar em vida a alguma conclusão sobre de quem é afinal a responsabilidade deste caso. Podemos dormir descansados. Nós e o ex-colega do comentador Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo, António Costa. O lixo foi varrido para debaixo do tapete.
E como está bem escrito e apresenta raciocínios bem articulados é suficientemente convincente para quem se deslumbra com raciocínios bem arriculados num portugês correcto, como se fossem garantias de honestidade intelectual.
Podemos dormir descansados...
E quando finalmente cumprirmos Abril, ou mais prosaicamente quando chegarmos ao socialismo cujo caminho andamos a percorrer desde 1976 guiados pela Constituição e fiscalizados agora pelo Tribunal Constitucional para garantir que a cumprimos, como é que vai ser trabalhar no paraíso que será o Portugal Socialista?
No domínio do trabalhismo a autoridade suprema em Portugal é o PCTP/MRPP, o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, e como é o dos trabalhadores é a ele mesmo que devemos ir beber a jurisprudência que um dia regulará as condições de trabalho em Portugal.
E no PCTP/MRPP a doutrina laboral é clara,
[Para os poucos que não são leitores regulares do Luta Popular devo fazer uma breve apresentação dos personagens: o camarada Espártaco, é uma figura em ascensão no partido desde a queda em desgraça do renegado anti-marxista e anti-comunista primário Garcia Pereira, o Bulhão é outro renegado da laia deste último, e a sandrinha do Bulhão é sobrinha dele.]
Porém, os comunistas também têm períodos de coração mole,
Mesmo assim nem todos os trabalhadores têm pedalada para desempenhar as tarefas que lhes são distribuídas pelo Partido e,
O Partido lá teve que continuar, que há vida para além da sandrinha do Bulhão. Para atalhar razões,
Mais nada! Venham eles, que cá os esperamos.
O país da exigência ética sem concessões sobressalta-se com uma IPSS, com P de privada, que paga um bom salário à fundadora e presidente, lhe faculta cartão de crédito e BMW de serviço, e agora já nem se fala nisso mas certamente que também telemóvel, lhe emprega o marido e o filho e ainda dá avenças em dinheiro ou em espécie a políticos para a ajudarem a fazer lobbying para sacar guito para a instituição. Para além de ser apoiada pro bono por outros políticos ou figuras públicas que, com o seu nome, lhe dão projecção mediática que também a ajuda a sacar guito.
Instituição que ela criou e construiu, há-que o reconhecer, fazendo das tripas coração para fazer face a um drama pessoal de proporções inimagináveis para muita gente que não é obrigada a passar por dramas semelhantes e que, também há-que o reconhecer, teria deitado muita mãe abaixo em vez de mover mundos e fundos para tentar resolver o problema da sua criança, e que colocou ao serviço de dezenas de famílias de crianças com doenças raras que, sem ela, a instituição, e sem ela, a fundadora, estariam mais ou menos abandonadas à sua sorte.
E os abutres do estatismo levantaram logo o pescoço para defender que o terceiro sector devia ser exclusivamente público, porque privado consegue fugir ao rigor do controlo público, ou mesmo, na boca de socialites socialistas mais articulados no discurso, que os donativos mais eficazes são os impostos progressivos, por acaso esses mesmos que o socialismo que nos governa tem reduzido em favor dos impostos cegos, que estão nas etiquetas de preço mas não estorvam os recibos de vencimento onde muitos contribuintes aferem o que o fisco lhes saca. Em resumo, se o P das IPSS fosse de pública, se a associação fosse um qualquer organismo das administrações públicas sujeito ao controlo de gestão a que elas estão sujeitas, o nepotismo dos privados que a geriram não teria acontecido.
Não teria acontecido, o tanas!
Ontem foram publicados na comunicação social e nas redes sociais dois exercícios de tentativa de identificação da extensão da colonização do Governo da República, dos orgãos de soberania, das administrações públicas e de empresas privadas que dependem delas ou de decisões políticas por familiares, amigos, familiares de amigos e amigos de familiares do primeiro-ministro António Costa. É um exercício meritório mas impossível de completar, tamanho o alcance e dinâmica da colonização. Pelo jornalista José Manuel Fernandes, no Observador, e a socielite política Joana Amaral Dias, no Facebook. Não vou enumerar aqui as listas que eles conseguiram reunir, mas deixo o exercício de as ler a quem estiver interessado, com o aviso que contêm cenas eventualmente chocantes, e bem mais do que um passeio de namorados em Copacabana, e envolvendo verbas com muitos mais zeros, também debitadas aos contribuintes.
Pelo que posso dizer com toda a certeza que se a Raríssimas fosse, não uma associação de direito privado gerida por privados e sujeita à ganância e ao nepotismo dos privados que a controlam, mas uma associação de direito público sujeita ao rigoroso controlo a que a gestão dos organismos públicos está sempre sujeita, em vez de um BMW, um cartão de crédito, um marido e um filho, mais um político avençado para fazer lobbying e mais alguns levados a passear por esse mundo fora, haveria dezenas de BMW, de cartões de crédito, de maridos e de filhos de amigos, e de amigos de maridos e de filhos, todos equipados de modernos iPhone do último modelo para poderem colocar de modo ainda mais eficiente os meios públicos geridos por eles ao serviço dos utentes.
E, se fosse gerida com ainda mais um bocadinho de rigor, ainda poderia talvez acrescentar ao serviço público que já presta o de informar devidamente o público sobre as grandes realizações do governo socialista através da contratação como assessores de trolls para espalhar pelas redes sociais. A cumprir este desígnio, o PS tem uma boa equipa de militantes de experiência comprovada que poderiam ser excelentes aquisições para a equipa da associação, de que vale a pena salientar o economista João Galamba e o funcionário público reformado Miguel Abrantes.
Tudo em nome do superior interesse das crianças, claro.
A fazer companhia à jornalista f. na vanguarda do empreendimento de virar o bico ao prego no caso dos socialistas apanhados a gamar, e a deixar gamar, dinheiro para as crianças com doenças raras na associação Raríssimas tem estado o simpático deputado João Galamba, que generalizou a oportunidade de gamanço detectado nesta para todas as IPSS, que como toda a gente sabe são instituições de caridadezinha criadas com a intenção de amenizar a miséria criada pelo capitalismo e desde modo eternizá-lo por refrear a indignação e a revolta popular que um dia o hão-de derrubar, e por causa do governo Passos, que deixou de as obrigar a ter, e pagar, um ROC, desse modo diminuindo a intensidade do seu escrutínio público abaixo do que tem a administração pública.
É uma nova frente de batalha nesta guerra mediática pelo branqueamento dos socialistas apanhados a gamar, a jornalista f. tinha optado por denunciar a má fé da sua colega jornalista da TVI Ana Leal ao ter identificado socialistas no assalto à associação mas ter fechado os olhos a pàfianos como Maria Cavaco Silva, que a própria associação identifica como apoiante, recorrendo como ele à falácia da generalização, neste caso específico através da insinuação que, havendo não-socialistas com ligações à associação, também deviam ser considerados suspeitos de gamanço.
Também, não, porque ela própria, e ele também, tinham dado a publicidade adequada aos desmentidos do marido da deputada Sónia Fertuzinhos ter alguma vez sido informado como ministro das práticas de gestão da associação de que tinha sido vice-presidente até entrar para o governo, e ao da mulher do ministro Vieira da Silva que subsidiou a associação depois de ter saído da sua direcção de ter sido a associação e não outra associação a financiar-lhe a viagem à borla que usufruiu por convite dela.
De maneira que, se fecharmos os olhos ao actual secretário de estado socialista que participou com a generosidade que lhe foi possível no trabalho meritório da associação a troco de uma insignificante avença, para gamar na associação, só sobra mesmo Maria Cavaco Silva. Ela e o deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, a jornalista é mesmo pouco perspicaz e passou ao lado do nome dele, que tinha acabado de ser convidado para fazer parte da direcção da associação e fazia parte da lista que ia ser votada na próxima assembleia-geral que ela publicou e onde descobriu em letrinha miudinha o nome que denunciou.
O exercício de generalização é abusivo, porque mistura pessoas que apoiavam a associação com o seu nome, ou fariam no futuro parte da sua direcção, com pessoas que aceitaram da associação pagamentos em dinheiro ou em espécie, e pessoas que fizeram parte da sua direcção durante o período em que as práticas de gestão danosa eram praticadas, e mesmo lhes confiaram dinheiro público depois de as terem dirigido, mas é uma boa tentativa de espalhar a porcaria por toda a sala de modo a disfarçar a origem do mau cheiro. E, como falam para convertidos, os argumentos são suficientemente sólidos para os convencerem.
Mas, e regressando ao deputado João Galamba, tal como as mulheres da vida são as que conhecem melhor as taras mais improváveis dos homens que as frequentam, os avençados de unidades de missão também sabem que, com o elevado escrutínio a que ele explica que é sujeita, a administração pública também pode ser usada para gamar. Ele próprio foi um dos avençados que participaram nas campanhas eleitorais do primeiro-ministro José Sócrates, liderando a vertente das redes sociais, ao mesmo tempo que usufruia de uma compensação financeira como avençado, por ajuste directo, da Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados (UMCCI).
Pelo que, parafraseando outra mulher da vida, lhe podemos dizer "Não (diz uma), tu, padre, não me engodas...".
Exmo. Senhor Presidente do Instituto de Mobilidade e dos Transportes:
O signatário, José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça, portador do cartão de cidadão nº xxxxxxxx e residente na xxxxxxxx xx xxxx, nº xxx, xxxx-xxx Guimarães, vem expor e requerer a V. Exª o seguinte:
No dia 28 de Novembro último foi objecto do auto de contraordenação xxxxxxxx, EA xxxxxxxxxx, cuja cópia anexa, porquanto se alega que o veículo de sua propriedade, e que conduzia, teria instaladas nos vidros, além das películas constantes no certificado de matrícula, sem coloração, outras películas de cor escura.
Semelhante alegação é falsa por três razões: não só os vidros nunca tiveram películas sem coloração (que estariam lá a fazer?) como as películas instaladas não eram de cor escura (se fossem realmente não se poderia ver para o interior, o que não era o caso) como o concessionário da marca informa que as películas coloridas estão homologadas. O signatário não sabe, nem lhe é exigível que saiba, interpretar os algarismos e letras gravados nos vidros, o que significam exactamente as observações que a este propósito constam presumivelmente no documento único automóvel (aliás apreendido) nem apurar se este último documento está ou não conforme com as homologações de que o veículo tenha sido objecto.
Na altura, significou ao agente da GNR que o autuou, xxxxx xxxxx, a sua perplexidade por um veículo recentemente inspecionado ter sido dado apto para circular pelo organismo que faz inspecções periódicas obrigatórias; que a falta do selo que atesta aquela inspecção, e que ele diligentemente tinha apurado se estava colado no para-brisas – estava - implica uma coima de 250 euros; e que não se compreendia que um serviço concessionado pelo Estado certificasse, sob ameaça de multa, algo que outro serviço, aplicando multa, nega.
Mas não ficou por aqui a desastrada intervenção do agente, porquanto na mesma ocasião lavrou um auto de apreensão de veículo, e uma guia de substituição de documentos, esta válida por vinte e quatro horas, cujas cópias também se anexam.
Estamos já no domínio da prepotência e do abuso de autoridade, porquanto deveria ser óbvio que a existência de uma leve coloração dos vidros de modo nenhum constitui perigo para a circulação automóvel, senão nunca seria homologável – e é. E deveria ser evidente que a correcção da falha lesiva da segurança deveria ser, se a falha não fosse imaginária, a prioridade, e não a sôfrega aplicação de multas e interditos, sendo que a correcção não era compaginável com as meras 24 horas fixadas.
Apesar disto, o signatário promoveu no mesmo dia a remoção das películas em questão, trabalho descrito na nota de serviço de oficina em anexo. Para o fazer dentro daquele apertado prazo teve aliás que recorrer à sua influência pessoal, visto que as oficinas não costumam estar disponíveis para, de imediato, satisfazer exigências inopinadas.
No dia seguinte promoveu diligências para apurar junto da delegação desse Instituto em Braga a forma como desenlaçar o imbróglio.
A primeira reacção foi que o documento apreendido, e cópias dos autos, só chegariam na terça-feira seguinte, e que portanto até lá não estariam em condições de prestar quaisquer esclarecimentos.
Seguiram-se algumas trocas de informações que desembocaram na extraordinária notificação recebida em 7 do corrente mês, cuja cópia se anexa, para no dia 20, pelas 9H00, o veículo ser submetido a inspecção em Braga, numa localidade denominada “Celeirós”, sem indicação de rua nem número de porta (o funcionário que a subscreve suporá porventura que é da obrigação de todos os habitantes do distrito saber onde fica um “CIMA”) e na informação de que deverá ainda pagar aquele “serviço” e os custos de emissão de nova documentação.
A multa de 250 euros foi paga no mesmo dia 7, não por achar que fosse devida mas por ter concluído que a reclamação implicaria o risco de ver o automóvel apreendido não apenas quase um mês, como será o caso, mas possivelmente muito mais tempo, que seria o de recorrer aos tribunais e obter satisfação.
Crê que este assunto merece aprofundamento, além do mais para evitar que agentes da autoridade desprestigiem o Estado por adoptarem, por ignorância ou instruções deficientes, comportamentos lesivos dos direitos do cidadão.
Razões por que requer:
A restituição do montante indevidamente pago, e a anulação do que ainda lhe virá presumivelmente a ser exigido para a inútil, e abusiva, inspeccão, e para a desnecessária emissão de novo documento de circulação;
Proposta razoável de um valor justo de indemnização pelas despesas incorridas, perdas de tempo de trabalho, imobilização abusiva do veículo e danos morais;
Informação sobre as diligências feitas ou a fazer junto dos agentes da autoridade que tão mal a exercem, para prevenir o risco de outros abusos junto de condutores;
Informação sobre as diligências feitas ou a fazer junto da vossa delegação em Braga para a sensibilizar, porventura, para o facto de que o papel dos funcionários públicos não consiste em utilizar interpretações capciosas da lei e dos factos para agravar prepotências, nem dar cobertura corporativa a desmandos, juntando o ridículo ao abuso.
Informação sobre as diligências feitas ou a fazer junto da entidade que efectuou a última inspecção periódica, no caso de os serviços teimarem, e demonstrarem, que o veículo não estava em condições de circulação, sobre as razões pelas quais não detectou a alegada falha.
Está o signatário certo de que V. Exª convirá em que, de longe em longe, é salutar lembrar aos agentes de autoridade, e aos outros funcionários, que o poder que o Estado lhes confere é para servir os cidadãos e não para lhes infernizar a vida em nome da angariação de receitas e da satisfação das suas rotinas cegas de imposição arbitrária de conformismos.
Esclarece finalmente que esta exposição é também dirigida às entidades abaixo mencionadas e que dela fará uso público quando entender apropriado, não pela relevância do seu caso, que é diminuta, mas porque acredita ser crescentemente numeroso o grupo dos que, sob um pretexto ou outro, são vítimas dos pequenos incidentes com que se constrói um Estado arrogante e, com perdão do exagero, totalitário.
CC: Comando-Geral da GNR; ministério da Administração Interna; ministério do Planeamento e das Infraestruturas; Provedor de Justiça.
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