Quarta-feira, 31 de Janeiro de 2018

A importância da falta de vergonha e do sentimento de impunidade na capilaridade da corrupção, ou, "só temos dois anos para mamar"

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Desta vez calhou aos secretários de Estado do anterior governo socialista José Conde Rodrigues e José Magalhães.

Não parece ser um caso de grande corrupção, não há indícios de terem acumulado a troco de favores governativos uma fortuna em paraísos fiscais através de testas de ferro, mas usaram os cartões de crédito da função para comprar livros e revistas que depois terão levado para casa. Os montantes envolvidos, catorze mil euros em livros por um deles, e quatrocentos em livros e revistas pelo outro, sugerem pelo menos que o primeiro é um grande leitor e o segundo também não é nada sovina, pelo menos com o dinheiro dos outros, e prefere variar entre a leitura de livros, só com letras e mais pesada, e a de revistas, enriquecidas com ilustrações.

Esta história tem pelo menos dois lados para onde vale a pena olhar.

Um dos lados é que a investigação judicial que descobriu esta utilização ilegítima dos cartões de crédito dos governantes para o seu benefício material pessoal resultou directamente de uma acção de luta sindical da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, cuja proximidade com a justiça lhe oferece vantagens comparativas com outros sindicatos na luta pelos direitos dos associados, nomeadamente a possibilidade de recorrer à chantagem judicial credível através da ameaça de abertura de processos judiciais que são julgados pelos próprios associados do sindicato.

Foi uma reacção ao corte de privilégios dos magistrados pelo governo do primeiro-ministro José Sócrates quando se iniciou nas lides da austeridade, especificamente ter passado a sujeitar a IRS o subsídio de renda dos juízes até aí isento, que motivou a queixa do sindicato e a investigação às despesas realizadas com os cartões de crédito dos governantes. Outros funcionários e sindicatos levaram a pancada da austeridade, ou conformados por terem noção que não havia como escapar a ela, ou com grande alarido por defenderem que era um ataque de má-fé do governo aos seus direitos inalienáveis, estes fizeram uma espera ao governo para na primeira curva o fazer despistar.

Que um sindicato recorra à vantagem de os seus associados deterem poderes públicos que lhes são delegados pelo Estado para uma finalidade pública para potenciar a sua luta sindical em defesa dos interesses dos associados que a resolvem recorrendo a esses poderes é uma questão de ética e de cidadania que não vou debater aqui. Deixo apenas o registo dos factos.

O outro lado é que os governantes socialistas, numa sucessão monótona crescente e cada vez mais generalizada ao longo do tempo à medida que estes pequenos casos se vão tornando públicos, se parecem entregar furiosamente, como crianças com acesso à montra de uma pastelaria, ao usufruto de todos os perks que a profissão lhes pode proporcionar, seja usando cartões de crédito da função, que só deviam ser utilizados para liquidar despesas de função que não podem ser sujeitas ao moroso procedimento administrativo que vai da encomenta ao pagamento, para pagar despesas pessoais, seja pedindo ou aceitando borlas para a bola, em Portugal ou no estrangeiro, seja fazendo viagens de cortesia com vagas e esfarrapadas justificações de que têm utilidade para o exercício dos seus cargos, seja fintando as regras para conseguirem ter acesso a subsídios de função, ou seja, agem como se isto fosse tudo deles, sem vergonha nem medo de ser apanhados.

E isto não é corrupção, que a há, não é a compra de favores que no caso de governantes podem valer pequenas ou mesmo grandes fortunas, que os há, não é a transferência disfarçada por testas de ferro ou por labirintos em paraísos fiscais de benefícios para governantes, que a há, e que vai sendo de vez em quando investigada e descoberta pelas autoridades judiciais. Isto não é o equivalente em Portugal à riqueza incalculável acumulada na grande corrupção pelos generais angolanos em património escondido ou à vista em Portugal e, provavelmente, noutras paragens.

Isto é o equivalente à pequeníssima corrupção espalhada por capilaridade até ao mais pequeno servidor público angolano, ao polícia de fronteira que só pára de folhear o passaporte quando encontra a nota de 20 dólares ou ao polícia de trânsito que só pára de olhar para os documentos da viatura quando encontra a mesma nota.

Isto é a consequência natural da constatação de que "se todos recebem, porque é que eu não hei-de receber também?", que junta a mais absoluta amoralidade a uma tranquilizadora sensação de impunidade, que faz procurar e receber benefícios sem qualquer consciência ética, sem receio de ser exposto, sem noção da dimensão ridícula de um governante ser apanhado a aceitar pequeníssimos favores completamente desporporcionais à sua capacidade de os retribuir, chegando a considerar ridículo serem investigados judicialmente e considerados suspeitos de miudezas tão insignificantes. Que, no entanto, procuraram e praticaram. Isto não é corrupção, é apenas putrefacção.

Esta indulgência com o aproveitamento das funções governativas para usufruir de pequenos benefícios pessoais será exclusiva de socialistas, como a estatística de casos que têm vindo a público esmagadoramente sugere? Não é de certeza absoluta, e de certeza absoluta que todos os partidos têm entre os seus militantes muitos que se aproximam da política pela ambição de virem a usufruir desses benefícios. Será que a diferença esmagadora na estatística de pequenos casos de favorecimento pessoal entre socialistas e militantes de outros partidos com vocação governativa se deve a diferenças de estilo nas lideranças, por exemplo entre um primeiro-ministro que proíbiu os membros do seu governo de viajar em classe executiva, ou de se deslocarem a reuniões no partido no automóvel do Estado que têm à sua disposição, e outro primeiro-ministro que vai à bola de Falcon? Talvez.

Em todo o caso, o status quo actual é, de novo, nas sábias palavras dos próprios, "só temos dois anos para mamar".

 Pois que mamem, que lhes faça bom proveito, e que se engasguem no próprio bolçado.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:21
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Segunda-feira, 29 de Janeiro de 2018

O bairrismo no Norte

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O Dr. Rui Rio tem mantido algum recato desde a sua eleição para presidente do PSD, prudente e até recomendável a quem tem algum passado de ser encorajado e depois citado a fazer afirmações que, ou por excesso de espontaneidade, ou por falta de cuidado, nem sempre são fáceis de explicar politicamente como propostas de um partido de poder para resolver os problemas que comenta. Não tem caído nas armadilhas da espontaneidade que certamente lhe têm sido espalhadas pelos jornalistas. Tem estado bem.

Esta semana quebrou finalmente o silêncio para se pronunciar sobre um assunto da actualidade nacional e fazer a respectiva crítica.

E que assunto escolheu para inaugurar a sua voz como presidente eleito do PSD? O caminho de insustentabilidade que está a ser dado às finanças públicas por o governo estar a assumir compromissos de aumento da despesa estrutural, como aumentos salariais ou do quadro da função pública que nunca poderão ser revertidos, com base no aumento circunstancial da receita que o ciclo económico está a proporcionar agora, mas não proporcionará sempre? Não. Sobre a aparentemente intenção de demolição do Serviço Nacional de Saúde por desinvestimento, suborçamentação e calotes a fornecedores que começa a ter consequências gritantes na qualidade do serviço não prestado aos utentes? Não. Sobre o ataque sistemático do governo socialista a todas as entidades independentes através de guerrilha mediática contra os seus dirigentes e da sua substituição por socialistas, que recentemente foi reforçado pelo anúncio da intenção de substituir no final do mandato a Procuradora-Geral da República que investigou governantes e banqueiros como base no argumento, falso, que a lei só lhe permite cumprir um mandato? Também não. Nenhum destes assuntos graves ou mesmo gravíssimos lhe mereceu um comentário até agora.

O Dr. Rui Rio inaugurou a sua voz como presidente eleito do PSD pronunciando-se sobre a intenção da Google de fazer um investimento em Portugal em Oeiras, e criticando a decisão por ter optado por "Lisboa" para o fazer.

Independentemente de ser esperada ou não, esta escolha de tema está longe de ser inesperada, e mostra que o seu autor assume, como muitos outros políticos oriundos no Norte, genericamente, e do Porto, especificamente, o papel de provedor do Norte, ou do Porto, contra a macrocefalia de Lisboa.

Ao significado e implicações políticas já lá vamos, mas vou primeiro passar pelo bairrismo do Norte, ou do Porto.

Tendo raízes minhotas, e das que vão beber directamente às aguas do Rio Minho, o meu pai era de Melgaço e a minha mãe de Monção, e sendo lisboeta de nascimento e de toda a vida ter vivido à volta de Lisboa, tenho experiência de picardias de bairrismos regionais nos seus diversos ângulos suficiente para achar que valha a pena tomar partido, ou melindrar-me com elas, ou solidarizar-me com quem se melindra, e muito menos para as arbitrar, picardias de que posso dar um exemplo publicável com a piada "Sabes porque é que os lisboetas se chamam alfacinhas e não saladinhas? Porque não têm tomatinhos", e de que podia passar alguns anos a citar outras, quase todas com um sentido de humor e colorido de linguagem mais ricas do que esta. Não as coloco muito longe das picardias, a que autores muitas vezes também atribuem uma importância que escapa a quem lhes dá menos, sobre a bola.

Mas independentemente da virtude comparativa das picardias bairristas, há diferenças entre os bairrismos que uma observação objectiva me foi permitindo identificar ao longo da vida.

E uma delas é na intensidade. Passei muitos serões na juventude a ouvir enumerar, a minha pronúncia de alfacinha não enganava ninguém, sobrepunha-se sempre às raízes minhotas e despertava em várias pessoas a necessidade de as enumerar, vantagens do Porto sobre Lisboa. E nunca passei nenhum serão a procurar convencer quem quer que fosse de vantagens de Lisboa sobre o Porto. Talvez por não as haver, talvez por haver mas eu não estar devidamente preparado de argumentos para as enumerar, talvez por ser assunto que nunca me tinha preocupado nem me continuou a preocupar pela vida fora. Em todo o caso, mesmo descontando eventuais falhas na representatividade que eu, por um lado, e as pessoas que mas enumeravam, pelo outro, pudessemos ter relativamente às populações que representávamos, sempre me pareceu que era assunto que as gentes do Porto levavam mais a peito que as de Lisboa.

Outra é a identificação das populações com as lideranças. Não me lembro de um Presidente eleito da Câmara do Porto que não parecesse, pelo menos visto de longe, inamovível enquanto se continuasse a candidatar. Pelo menos desde que o Fernando Gomes lá chegou em 1989 que nenhum é deposto em eleições. O Fernando Gomes saiu por ter ido para o governo, o Nuno Cardoso perdeu as eleições mas nunca tinha chegado a ser eleito, o Rui Rio por ter atingido a limitação de mandatos, e o Rui Moreira no segundo mandato parece tão inamovível como os que o precederam nestas décadas. E para além dos resultados eleitorais é mesmo frequente assistir a testemunhos de cidadãos que confirmam uma grande identificação com o Presidente da Câmara e com o seu papel de defesa dos interesses do Porto, coisa que não acontece em Lisboa com a mesma intensidade, mesmo relativamente a autarcas que também ganham eleições.

Na campanha para as eleições internas do PSD foi bem visível esta identificação de cidadãos do Porto, nomeadamente a elite liberal e cosmopolita da cidade tão bem representada pelo presidente actual, com o seu ex-presidente, e terá sido mesmo determinante para definir o resultado das eleições, atendendo ao resultado esmagador que o candidato atingiu no Porto e distritos limítrofes, e no peso que esses distritos têm a nível nacional em número de militantes no partido.

Tudo junto, não é inesperado que os Presidentes da Câmara do Porto se afirmem pelo bairrismo especial da cidade e da região e que se assumam como campeões da defesa dos seus interesses contra o centralismo de Lisboa, o que é apreciado pelos munícipes que lhes retribuem em votos.

O que está é longe de se poder dar como provado que a afirmação de bairrismo traga vantagens aos políticos que se querem afirmar na política nacional ou, pelo contrário, expõe fragilidades ideológicas e políticas de quem a faz.

Ideológicas, porque a crítica se insere numa linha de pensamento que toma por bom que todas as decisões, mesmo as dos agentes económicos privados, são determinadas ou influenciadas pelo governo, de modo que de todas se podem assacar responsabilidades ao governo, sendo que a crítica foi implicitamente dirigida ao governo por ter levado o investimento da Google para Lisboa.

E uma das vertentes frequentes da afirmação do bairrismo do Norte é justamente o apelo ao governo para influenciar decisões de empresas privadas no sentido de respeitarem os interesses do Norte em vez de obedecerem aos do Sul ou se deixarem conduzir pela procura do lucro. Coisa que acontece recorrentemente por exemplo com a problemática das rotas da TAP. Ora esta é uma visão socializante da sociedade e da economia, que é legítima, mas faz duvidar do liberalismo e do cosmopolitismo de quem a tem. E até os socialistas a desmontam facilmente, neste caso específico esclarecendo que a Google não recebeu qualquer tipo de apoios ao investimento que colocasse o governo em posição de influenciar a decisão de localização. Terá sido uma decisão puramente empresarial, o mercado a funcionar.

Políticas, porque se a crítica pode ter consolidado a popularidade do presidente eleito do PSD entre o seu eleitorado regional, interno ao partido, que o elegeu e onde é preponderante, mas também externo, onde está longe de ter a proponderância que tem no universo partidário, também pode ter suscitado dúvidas no eleitorado de outras regiões, que é mais preponderante a nível eleitoral do que no universo de militantes do partido, e onde a crítica parece mais própria de um líder regional do que de um que se quer nacional.

Aliás, nem sequer é difícil a um governo suficientemente demagógico combater politicamente líderes regionais nas suas causas bairristas. Basta-lhe afirmar de modo credível intenções, mesmo que não tenha a intenção de as levar a cabo e espere que as circunstâncias acabem por impossibilitá-las contra os seus esforços aparentes. Basta-lhe anunciar a mudança para o Porto da sede de um instituto público. Mesmo que o instituto acabe por não mudar, a boa intenção fica para a história e bem esticada chega até às próximas eleições.

Posto isto tudo, não me parece que tenha sido uma boa ideia o Dr. Rui Rio ter inaugurado a palavra como presidente eleito com uma crítica bairrista.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 13:06
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Quinta-feira, 25 de Janeiro de 2018

O 25 de Abril não chegou às casernas

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Uma das consequências da consolidação do Tempo Novo e dos seus calores progressistas é o despertar gradual dos dinossauros do PREC jurássico que se julgavam extintos mas apenas tinham recolhido às suas tocas para hibernar ao longo destas últimas décadas para conseguir sobreviver à obscura democracia do tipo das que existem na Europa ocidental a que Portugal tem sido brutalmente submetido desde o fim desse glorioso período da nossa história em que pudemos ter a ambição de virar socialistas.

Uma das tocas onde a espécie encontrou abrigo para hibernar protegida das agressões e desilusões ideológicas externas ao longo destas décadas de democracia burguesa é justamento o jornal Público, e é de lá que vão chegando notícias dos despertares.

Tal como em tempos Arnaldo, o Pós-Cataléptico, militante maoista que foi despertado do coma a que tinha recolhido vinte anos antes por ter sido lançado ao Tejo numa escaramuça com militantes comunistas pelas manifestações de entusiasmo da família com a chegada do novo PC a casa, que o desassossegaram mesmo no coma a que se tinha remetido, às vezes estes despertares fazem-se acompanhar de dissonâncias cognitivas resultantes de demasiado tempo de hibernação.

Este que despertou hoje no Público ao despertar trazia nos lábios a célebre palavra de ordem "O 25 de Abril não chegou às casernas" que tratou de aplicar à notícia da actualidade que o ocupava no momento de despertar, o roubo de armas do paiol de Tancos e os esforços do governo e da hierarquia militar para manter sobre os acontecimentos a obscuridade suficiente para não ser possível extrair deles conclusões nem responsabilidades.

Mas não faz mal, como diz um dirigente político da actualidade a gente está aqui para resolver, e eu próprio me prontifico para esclarecer em regime de voluntariado o jornalista confundido pela hibernação.

  • Sim, o 25 de Abril chegou às casernas.

As casernas encheram-se de soldados barbudos que primeiro faziam plenários e depois não cumpriam ordens, que andaram pelo país, mais pelo Sul do que pelo Norte porque nalguns locais do Norte não eram assim muito bem-vindos e eles também não queriam andar à porrada por isso, a evangelizar o povo sobre as virtudes do socialismo em campanhas de alfabetização, que se dedicaram a prender e a torturar reaccionários em quartéis mais progressistas, e quem prendia e torturava reaccionários também podia prender e torturar maoistas que faziam o jogo da reacção, até a assassiná-los em barragens nas ruas e nas estradas. Não houve falta de 25 de Abril nas casernas.

  • Não, já não está lá, desde que foi mandado para casa no 25 de Novembro.

Explicar o 25 de Novembro a dinossauros a sair da hibernação a que se submeteram no PREC jurássico é que já sai do domínio das minhas capacidades, nomeadamente a parte de o partido político que foi mais determinante para a construção da relação de forças populares, políticas, militares e até diplomáticas que tornaram possível a erradicação da ameaça comunista, o PS de Soares ou Salgado Zenha, ter sido o partido que hoje eles vêem do seu lado e está mesmo do lado deles, nomeadamente no boicote às celebrações do 25 de Novembro em todas as assembleias onde tem expressão numérica suficiente para as conseguir boicotar, desde a Assembleia da República às Assembleias Municipais às Assembleias de Freguesia. O melhor que eu lhes consigo explicar é que foi mandado para casa pelos comandos do Jaime Neves, e que obedeceu à sugestão. Esta parte, alguém que lhes explique melhor do que eu.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:02
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Sábado, 20 de Janeiro de 2018

Da vitalidade do asneirol

Os portugueses automobilistas pertencem a uma de duas categorias: ou acham que os outros condutores, em particular senhoras e cavalheiros de chapéu, são umas lesmas (é o meu caso); ou acham que os outros condutores têm a mania que são Fângios (é o caso dos que não prestam atenção ao retrovisor, que entendem ser um acessório a bem dizer dispensável, e que quando ultrapassados a velocidade superior ao limite legal apitam e dão sinais de luzes como se acabassem de ter sido vítimas de assédio sexual).

 

Há excepções, claro – estamos a falar de pessoas. Conheço pessoalmente três mulheres e dois homens com frio na cabeça que conduzem particularmente bem.

 

Vital Moreira, que não conheço, graças a Deus, se tiver carta de condução pertence à segunda categoria. E como bom socialista que é tem ideias definitivas na matéria, e essas ideias consistem em mais impostos, mais polícia, e sistemas mais eficazes de pilhagem com multas.

 

Sucede que um tal Tilo Wagner escreveu um artigo onde confessa que os pais eram, coitados, ecologistas alemães que defendiam um limite de 100 km/h na autoestrada e se deslocavam numa pão-de-forma que não ultrapassava os 80 nas subidas. E daí o Tilo, mortificado de saudades desses tempos heroicos, parte para a descrição da situação nas autoestradas portuguesas onde, segundo ele, “basta uma vez na vida andar na A1, entre o Carregado e Torres Novas, para perceber que a velocidade mínima na autoestrada portuguesa parece ser 140 km/h, a velocidade média de 160 km/h e a velocidade máxima o que o carro permite”.

 

A julgar pelas muitas vezes que passei nesse troço, Tilo, a tua descrição não confere, excepto na parte dos 140 km/h, e mesmo isso apenas porque se sabe que tal velocidade não costuma ser penalizada, por causa do optimismo dos velocímetros e da margem de erro dos radares. Mas perdoo: na defesa de causas um certo exagero retórico aceita-se.

 

O que não se aceita sem mais é dar-se como adquirido que existe uma velocidade limite acima da qual todos os condutores em todos os automóveis constituem um perigo para si e para os outros, e que para a determinação desse limite não há critérios mais consistentes do que o preconceito do cidadão e o palpite do legislador, ou ao contrário.

 

São enormes as diferenças de comportamento e segurança activa entre automóveis antigos e modernos, velhos e novos, e entre as marcas x e y e os modelos alfa e beta. E desprezar estas diferenças, tratando tudo e todos pela mesma rasoira minimalista, diz aos fabricantes de automóveis que não vale a pena investir na performance e na segurança, e ao regime de atribuição de cartas de condução que empinado o código e demonstrada a habilidade para estacionar entre duas árvores se atingiu a suficiência.

 

Os construtores têm investido na performance e na segurança, mas em nome dos que transgridem, não dos que cumprem, porque não existem em quantidade suficiente condutores que requerem potência e comportamento desportivo para disso nunca fazer uso. Não deve, a propósito, ter sido por acaso que a indústria alemã construiu argumentavelmente os carros mais rápidos e seguros, quando no país não havia na maior parte das autoestradas limite de velocidade, ultrapassando a indústria americana – de um país onde os limites são levados a sério e cujos automóveis aí há umas três décadas eram muito menos seguros que os seus congéneres europeus e japoneses.

 

Não ignoro que este esquiço de pontos de vista é ao mesmo tempo superficial e omisso em numerosos aspectos; e que nem sequer como posição de princípio pode ser aceite pela maioria das pessoas, porque a intuição lhes diz que a velocidade é o inimigo. Ofender o que a intuição diz às pessoas é um exercício arriscado porque a intuição é um sentimento, ainda que fundado em experiências, e para contrariar sentimentos não há argumentos bons.

 

É assim, como se demonstra pelo facto de uma grande quantidade de pessoas intuir que se se esbulharem os ricos, e distribuir igualmente por todos, ficam todos remediados, não obstante todas as provas em contrário.

 

Tudo leva a crer portanto que o triunfo neste assunto viário dos Vitais deste mundo só não se verificará completamente se o Estado quiser preservar a importante receita das multas, cujos caçadores se concentram quase exclusivamente na velocidade e na irregularidade de papeladas fiscais.

 

Porque não há tecnicamente qualquer problema em limitar a velocidade dos próprios veículos, acabando de vez com os excessos: basta instalar limitadores invioláveis, que aliás já estão em uso em camiões (e até em alguns ligeiros por acordo entre fabricantes). A Vital não ocorre que essa seria a solução para o problema da sinistralidade rodoviária tal como o vê, porque a ignora.

 

Imagino que o distinto deputado europeu, quando calha ir a uma dessas conferências em que se explica de que forma é que o IV Reich tem o futuro garantido, e aos portugueses se ministram sábios conselhos para aprimorarem a sua condição de europeus, vá num automóvel recente, de gama média – um Citroen, ou Renault, ou outro charuto assim. O veículo em questão, qualquer que seja, tem quatro travões de disco, e uma suspensão, direcção e outros órgãos extraordinariamente seguros – foi projectado para se deslocar, e travar, a velocidades muito superiores às legais. Talvez a Vital pudesse ocorrer, se a sua doutoral cabeça fosse construída doutro modo, que deve a segurança em que viaja a quem, na opinião dele, corre e faz correr riscos.

 

Nada disto, provavelmente, interessa muito, porque a automatização da condução levará a que, nas autoestradas pelo menos, a velocidade passe a ser determinada pelo software; e não é sequer impossível que venha a haver faixas específicas consoante o tipo de automóveis, por um preço diferente já se vê, porque, dir-se-á, é justo que quem quer ir mais depressa pague mais – a tecnologia muda muito, os governos pouco e as pessoas nada.

 

Com sorte, estarei cá para ver. E espero que Vital também esteja, é um intelectual cómico – e típico.

publicado por José Meireles Graça às 16:25
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Quarta-feira, 17 de Janeiro de 2018

...ainda bem que não pisei.

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Esta é a história que me contaram, real ou imaginária, ou mesmo complexa, como os matemáticos chamam ao que junta um bocadinho de real a um bocadinho de imaginário, se bem que a história seja até simples, de um transeunte que um dia andava a passear e viu no passeio o que parecia ter sido deixado por um cão daqueles cujos proprietários não são adeptos do saquinho.

  • Parece m.,

disse ele com os seus botões. Mas este transeunte não era daqueles que se satisfazem com as primeiras impressões para tirar conclusões, era exigente com elas, e dotado do grau de curiosidade característico dos gatos, das pessoas inteligentes, e dos homens de quem as mulheres não se costumam arrepender por lhes ter tolerado em vez de repudiado a colocação de uma mão no joelho. De modo que passou à fase de investigação. Agachou-se, passou os dedos pelo que estava no passeio, cheirou e apreciou:

  • Cheira a m..

Mas ainda não era suficiente para formular a conclusão definitiva. Pôs os dedos na boca e disse:

  • Sabe a m.,

e só então se sentiu suficientemente bem informado para formular uma conclusão definitiva:

  • É mesmo m., ainda bem que não pisei.

E a que propósito é que eu me recordei agora desta história de um transeunte que, à força de não se deixar levar pelas primeiras impressões, era um bocado lento de compreensão e continuava a não perceber nas segundas, que me contaram há décadas?

 

O meu companheiro de partido Rui Rio que acabou de ganhar as eleições directas e será nomeado presidente do partido no congresso de Fevereiro disse no primeiro debate da campanha eleitoral que ninguém pode dizer jamais a um governo de bloco central de coligação com os socialistas, por exemplo em circunstâncias excepcionais de emergência nacional, por exemplo, o pedido de resgate a que o percurso actual de aumentar despesa estrutural permanente impossível de reduzir, como a ampliação dos quadros da função pública ou o aumento dos salários e pensões, com base num pico de receita circunstancial proporcionado pelo ciclo económico que reverterá um dia, conduzirá inapelavelmente. Colocar a hipótese de co-habitar no governo com os socialistas actuais que impediram o PSD de governar depois de ter ganho as eleições, e é com os socialistas actuais liderados pelo António Costa que se pode colocar a hipótese de co-habitação, porque são os que há, é muito mau para quem se candidata à liderança de um partido que tem como objectivo maior regressar ao governo expulsando estes socialistas.

  • Parece m..

Mas toda a gente sabe que os debatentes e jornalistas mais experientes e maliciosos conseguem colocar na boca de debatentes menos experientes afirmações que, descontextualizadas e deformadas no sentido, parecem significar o que não era o seu significado original, de modo que o nosso transeunte não cedeu à tentação de tirar conclusões rápidas e, porventura, prematuras, desta afirmação talvez descuidada do Rui Rio. E o próprio Rui Rio esclareceu numa entrevista a jornalistas do Público e da Rádio Renascença poucos dias depois que admitia apoiar um governo minoritário do PS se o PS ganhasse as eleições de 2019. Governo minoritário do PS, leia-se, governo minoritário do António Costa, que não é previsível ser apeado do PS até às eleições de 2019. E justificou este apoio com uma questão de coerência: se o PSD acha que o PS do António Costa o devia ter deixado governar a seguir às eleições de 2015 que ganhou, também deverá deixar o PS do António Costa governar se ganhar as eleições de 2019. O argumento da corência é excelente no plano moral, mas de uma ingenuidade e de uma tonteria infinitas. Porque conduz ao resultado de, se o PS ganhar as eleições com maioria simples, conseguirá governar, se necessário for, com apoio do PSD. E se o PSD ganhar as eleições com maioria simples o PS também conseguirá governar, mas com o apoio dos partidos da esquerda radical. O que faz das eleições de 2019, não eleições para escolher quem governa, que fica já escolhido à partida, mas para escolher quem apoia o governo socialista, ou o PSD ou a esquerda radical.

  • Cheira a m..

Entretanto, e ainda antes das eleições, o próprio António Costa esclareceu que não está nada interessado em formar um governo com apoio do PSD, até porque não precisa, porque já tem o apoio da esquerda redical e está bem assim, aproveitando ainda para ridicularizar ambos os candidatos do PSD por andarem a discutir qual deles gosta mais dele, apesar de apenas um deles ser elegível para enfiar a carapuça da piadola, o que declarou estar disposto a deixá-lo governar sem maioria absoluta.

Mas o nosso transeunte ainda não estava suficientemente esclarecido, e foi a antiga presidente do PSD e apoiante mais notável do Rui Rio, Manuela Ferreira Leite, que veio definitivamente esclarecer o assunto já depois de conhecido o resultado das eleições: o PSD deve vender a alma ao diabo, leia-se, viabilizar um governo minoritário do António Costa, para pôr a esquerda na rua. Ou seja, não deve haver dúvidas que, a não ser que o PSD consiga uma maioria absoluta com o CDS nas eleições de 2019, será o PS do António Costa a governar, e o PSD deverá tentar convencê-lo de que o seu apoio será melhor do que o apoio do BE, ou do do BE e do PCP. O PSD deverá competir no campeonato da segunda divisão contra estes partidos menores. Esta boa intenção da Manuela Ferreira Leite, expressa com a sua conhecida capacidade de expressão, parece ignorar que pôr a esquerda na rua no contexto politico-partidário actual significa pôr o PS do António Costa na rua, que não se distingue em nada ideologicamente do BE nem do PCP, consoante os colaboradores mais próximos do António Costa que o controlam. O governo actual tem trabalhistas pró-CGTP, defensores da re-estruturação da dívida, e polícias dos costumes moralmente toleráveis. Não lhe fazem falta nem diferença bloquistas e comunistas encartados. Também não se percebe bem como é que o PSD pode ambicionar apoiar um governo do António Costa que não está interessado no seu apoio? Ou seja, regressando ao nosso transeunte,

  • Sabe a m..

O pior é que desta vez não tem por onde passar para evitar pisá-la, porque ela está por todo o lado. A não ser que lhe cresçam asas, vai chegar a casa com os sapatos a cheirar mal.

  • É mesmo m., que chatice vou sujar os sapatos..

E quem não percebeu à primeira pode continuar a fingir que não percebe, mas à força de acumular evidências continuar a não perceber passa por ser lento de compreensão.

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publicado por Manuel Vilarinho Pires às 09:44
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Terça-feira, 16 de Janeiro de 2018

Cinco ex-ministros e um funeral

Há um consenso mais ou menos generalizado: não houve nenhum virar significativo da página da austeridade, apenas trombeteadas restituições de cortes ao funcionalismo, reformados e pensionistas, compensadas por um aumento dos impostos indirectos e das taxas, aqueles a diluir, já se vê, por um número muito maior de destinatários.

 

Bom negócio eleitoral, como as sondagens mostram. E boa armadilha para os dois pés comunas do tripé geringôncico, que se esganiçam a denunciar o esquema, ambos a reclamar mais défice para contentar os respectivos eleitorados, e ambos silenciando o excesso de reivindicação por a um se permitir que mine o aparelho de Estado, à espera de melhores dias, e ao outro que sonhe em comer eleitores ao PS por, aprovando no essencial tudo, fazer uma grande berrata como se estivesse na oposição ao módico de rigor que o PS aplica.

 

O pano de fundo é de crescimento económico, e este tem permitido, via aumento de receitas fiscais e diminuição de despesas sociais, que o défice diminua, para alegria dos patrões europeus. E até a dívida pública já começou a diminuir um pouquinho na realidade, e muito na propaganda, pelo engenhoso processo de trocar dívida velha por nova a taxas inferiores, cortesia do BCE e dos reembolsos minorcas ao FMI, mil vezes anunciados.

 

Aquele crescimento, por sua vez, decorre das várias agências involuntárias da AICEP, que vão colocando bombas por aqui e por ali sob a designação de ISIS e Al-Qaeda, e que afugentam os turistas para cá, das guerras que o islamismo, as primaveras árabes e o americanismo inventaram e que tornaram insalubres vastas regiões do planeta com boas praias, do labor de anónimos na indústria exportadora que começaram há anos a fazer o bypass ao Estado, com crescentes resultados que o fim da crise no exterior facilitou, e do petróleo que afinal não estava para acabar, estava apenas à espera de novas técnicas para ser explorado.

 

O conjunto é uma reedição das vacas gordas que Guterres desperdiçou, com as inevitáveis diferenças de pessoas e circunstâncias: Guterres era um pusilânime, sério, católico e socialista, Costa é um manipulador, troca-tintas, agnóstico excepto se fosse preciso ser outra coisa, e igualmente socialista; a Europa perdeu a alma que julgava que tinha, e rabeia à procura dela; a dívida é muito maior; em vez de Sampaio, um saco de vento parlapatão com fumos de intelectual, temos Marcelo, o consolador-mor do Reino, do qual apenas se sabe para já que tem tantas tácticas a ocupar a verborreica cabeça que se duvida tenha alguma estratégia para o país; e no lugar do cardeal Pina Moura, felizmente desaparecido, e de Guilherme Oliveira Martins, que se teme reapareça, temos o celebrado Centeno.

 

Este Centeno tem presidido alegremente à vigarice institucionalizada que são hoje as contas públicas, tendo substituído as promessas de crescimento através do consumo, com que o PS perdeu as eleições mas ganhou aliados leprosos, pela compra de votos de muitos com aumentos de impostos embutidos nos preços para todos; fazendo aprovar orçamentos que são tão ferozmente discutidos quanto incumpridos na sua execução, via cativações; e mimetizando na perfeição os tiques do chefe, que nunca hesitou em degradar o debate político com recurso a todo o tipo de mentiras e truques, tudo embrulhado numa retórica chula e numa oratória reles.

 

A “Europa”, claro, não sabe nem precisa de saber detalhes: o que sabe é que o défice cai, o produto sobe e se os comunistas apoiam este milagre, cujo santo é Centeno, este bem pode ir para presidente do Eurogrupo, que casos de sucesso destes fazem uma excelente montra para o projecto europeu.

 

Depois, Centeno já deu mostras de ser flexível, isto é, fazer o que lhe mandam; de emprestar o seu lustro académico (enfim, ao menos um tanto mais consistente do que o do seu infeliz antecessor Dieselcoiso) ao seu abjecto servilismo; e de vir completo com um ar permanentemente aparvalhado, que o pode ajudar nos serpenteios da função, por se imaginar ingénuo quem é retintamente manhoso.

 

Como quem manda na Europa são os grandes, é natural que se escolham para líderes nominais naturais dos países pequenos, para dar uma impressão de equilíbrio, pelo que Centeno não teve dificuldades de maior em bater os outros três candidatos, da Eslováquia, da Letónia e do Luxemburgo. E não é impossível que, apesar da irrelevância do cargo, ainda o venhamos a ver, para embaraço dos geringonços domésticos, a ser obrigado a usar, lá fora, da franqueza que poupa cá dentro.

 

Que acham de Centeno os colegas dele , em particular os que o antecederam na pasta das Finanças? Acham coisas extraordinárias.

 

Miguel Cadilhe vê “que Mário Centeno tem ideias bastante assentes, sólidas”. E verifica “com agrado que Centeno está com vontade de mudar as posições da eurocracia, os conceitos que vigoraram até agora e que, sinceramente, precisam de uma revisão”. 

 

Sim senhor, é um ambicioso programa, ainda que alguns cépticos possam timidamente dizer que nem sequer em Portugal a geringonça se aguentaria com as mudanças que Centeno quer alegadamente introduzir na supervisão dos mecanismos do euro. E que, já que estamos no capítulo das grandes realizações, Centeno podia aproveitar para resolver de vez o problema do aquecimento global, se se der o caso de ter ideias igualmente firmes na matéria.

 

Jorge Braga de Macedo confessa as suas dúvidas: “Um presidente português do Eurogrupo conseguiria situar-nos onde estamos, a oeste, motivando a nossa diferencialidade? Não vai sequer tentar”.

 

São dúvidas insidiosas, e mesmo eu, que tenho sobre as capacidades de Centeno as maiores reservas, acho que não terá grandes dificuldades em situar-nos onde estamos, a oeste. Já quanto à diferencialidade, se Jorge quer com isso dizer que Centeno não vai tentar elevar os conhecimentos de matemática dos portugueses, vejo-me obrigado a concordar, mesmo que não perceba porque haveria o presidente do Eurogrupo de se dar a um tal trabalho.

 

“Neste quadro em que é crucial criar soluções duradouras e eficientes para a zona euro, Centeno está na posição de poder conseguir fazer vingar até alguns pontos de vista que são melhores para Portugal”, diz Eduardo Catroga com unção. Diz isto e outras coisas inócuas e redondas, a tal ponto que se poderia julgar que não foi este Catroga, mas um homónimo, que negociou pelo PSD o memorando de entendimento.

 

Bagão Félix não é catedrático de economia ou finanças mas nem por isso está menos entusiasmado que os seus confrades: “É também o justo prémio para Mário Centeno. Tem sabido cultivar uma certa ideia de entendimento entre países do Sul e do Norte. Pouca gente tem feito isso nos últimos anos. Tem um capital de confiança elevado”.

 

O capital de Centeno é de moeda falsa. Que Bagão, que foi ministro das Finanças pelo CDS, finja não saber isto ou, pior, que o não saiba, é bem a demonstração do novelo em que o CDS se deixa com frequência enredar: pode-se ser socialista e ao mesmo tempo ir à missinha e ser contra o aborto; mas, sendo socialista, não se deveria estar no CDS.

 

Teixeira dos Santos, o catedrático ao leme da embarcação quando ela naufragou, não deveria, por uma questão de higiene, ser ouvido sobre questões económicas. Mas enfim, ei-lo declarando que “Mário Centeno a presidir ao Eurogrupo é importante porque lhe dá mais força para ser capaz de gerir e de resistir a essas pressões e de manter os resultados alcançados e consolidar este quadro de crescimento com um quadro de maior estabilidade orçamental, de défices mais reduzidos e uma trajetória de redução da dívida que é fundamental para o país. Há que resistir às reivindicações que possam pôr isto em risco, a prazo. É preciso ter força política para o fazer.”

 

Traduzindo, a autoridade de Centeno sai reforçada junto dos seus parceiros comunistas pelo facto de doravante ter na lapela o pin de presidente do Eurogrupo. Teixeira, Teixeira, pessoas há que veriam com bons olhos que te dedicasses à filatelia ou ao colecionismo de soldadinhos de chumbo, áreas em que decerto poderias atingir um altíssimo grau de expertise.

 

Já houve, desde o 25 de Abril, 28 ministros das Finanças, com esta ou outras designações. Destes cinco entrevistados quatro pertencem ao que se chama a direita. Mas, com excepção de Braga de Macedo, que por escrever no dialecto em uso na tribo dos adiantados mentais, não se percebe bem o que diz, mas se adivinha ter umas quantas reservas, dizem todos a mesma coisa.

 

Talvez nos outros onze ainda vivos se pudesse encontrar algum disposto a aliviar-se de um módico de franqueza ou lucidez. João Salgueiro quem sabe, Maria Luís decerto.

 

Mas estes não. E cabe perguntar: o que move toda esta gente, devotos evidentes da Igreja do Elogio Mútuo?

 

O que os move é o estatuto socioeconómico que atingiram, ou esperam atingir, e que depende entre nós da boa relação que se tem com o Estado, isto é, com quem o representa.

 

E Portugal, vai longe com esta gente que detém as alavancas do poder económico?

 

Não.

publicado por José Meireles Graça às 21:32
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Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2018

O ódio da esquerda radical às empresas e aos negócios

2018-01-15 Fidel e Che.jpg

Quem é que em Portugal distila mais ódio genuíno e puro às empresas e aos negócios e parte sempre do princípio que são geridos por delinquentes, nomeadamente fiscais, com quem o Estado deve ter mão pesada?

a) O Partido Comunista Português

b) O Partido Comunista Português

c) O Partido Comunista Português

Qualquer das hipóteses de resposta é uma boa aproximação à realidade.

Mas a pergunta continha o advérbio o mais, modo superlativo relativo de superioridade que significa que a resposta certa exige identificar o que é mais do que todos os outros, e não o mero superlativo absoluto analítico que seria conferido pelo advérbio muito, para cuja satisfação ser muito seria suficiente.

E a iniciativa governativa mais odiosa para as empresas e os negócios desde o 25 de Novembro de 1975, a mais motivada pela desconfiança de raiz dos governantes relativamente à ética, honestidade ou simples plausibilidade de cumprimento da lei pelos governados, a mais shumpeteriana por destrutiva dos mais pequenos em maiores dificuldades, foi o aumento em 2003 de 150% (e chamo a atenção para o facto de, não sendo eu um jornalista económico português, um aumento de 150% num texto meu não significar um aumento de 100 para 150, mas de 100 para 250, ou duas vezes e meia o valor de origem) do valor mínimo do Pagamento Especial por Conta (PEC) criado pelo governo de António Guterres em 1998, de 500€ para 1.250€, às empresas, mesmo micro-empresas, mesmo sem lucros, mesmo com prejuízos, para as assassinar pelo sufoco da tesouraria.

E contra este sufoco das pequenas empresas e negócios até o PCP protestou em devido tempo, o que é meritório pela chamada de atenção para o papel determinante das pequenas empresas e negócios para a sobrevivência do tecido económico e social do país e para a importância de as manter vivas, pelo menos até à chegada da revolução socialista, mas lhe retirou qualquer possibilidade de vitória nesta competição.

E quem merece a distinção?

A ministra das Finanças do governo social-democrata de matriz liberal chefiado pelo Durão Barroso, ele actualmente um banqueiro de investimento, e ela um dos últimos especimens juntamente com o seu mentor ideológico José Pacheco Pereira de uma espécie em vias de extinção no PSD, ou talvez não tanto a partir de sábado passado, os social-democratas. Ela mesma, a Manuela Ferreira Leite.

A Manuela Ferreira Leite pode ser social-democrata, pode ser liberal, pode querer viabilizar governos minoritários socialistas liderados pelo António Costa, pode dizer piadas falhadas porque não tem assim muito jeito para a ironia, pode-se travestir daquilo que muito bem entender, até de bahiana, se quiser. Mas em matéria de liberdade económica para os agentes económicos até com o PCP tem lições a aprender.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 19:19
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Domingo, 14 de Janeiro de 2018

O discurso da derrota

2018-01-13 Rui Rio Cova da Moura.jpg

Ontem fui derrotado, ou melhor, o candidato que eu apoiei, em quem votei e que queria que ganhasse, foi derrotado nas eleições internas do PSD.

Vou fechar este parêntesis de exposição da minha vida partidária no Gremlin Literário, que abri na sexta-feira, com o meu discurso da derrota, em que com humildade democrática pretendo homenagear os vitoriosos, e que sugiro que leiam mais nas linhas do que nas entrelinhas.

Dou os parabéns ao Rui Rio pela sua vitória nas eleições do PSD. Ele foi a escolha dos militantes do partido.

Registo do seu discurso da vitória que ele pretende re-unir o partido, e espero que ele e a sua equipa continuem a vasta obra que já têm conseguida nesse desígnio.

Registo que ele não vai admitir que o partido seja um clube de amigos nem uma agremiação de interesses individuais, e também espero que a equipa que o rodeia e levou à vitória honre o seu notável passado neste domínio.

Registo que pretende dar um banho de ética ao partido, e sei que está rodeado de referências que o ajudarão a dá-lo.

Ontem realizaram-se, para além das eleições para o presidente do partido e para os delegados ao congresso, as eleições para a comissão política da secção de Lisboa, em que a lista que o apoiava foi derrotada e afastada da liderança da secção. Espero que, em nome dos valores superiores da união do partido, consiga repescar estes notáveis apoiantes com provas dadas e comprovadas para as responsabilidades que eles merecem na estrutura de liderança do partido.

A acabo a desejar-lhe os maiores sucessos eleitorais, significando este voto a conquista do cargo de primeiro-ministro com uma vitória eleitoral por maioria absoluta, do partido sozinho ou com apoio parlamentar do CDS, já que o de segundo-ministro substituindo a esquerda parlamentar num apoio a um governo socialista minoritário parece pouco provável de conseguir, por manifesto desinteresse do primeiro-ministro socialista.

Viva o PSD, viva Portugal.

 

PS: Para que não haja qualquer dúvida, a visita guiada do candidato Rui Rio ao bairro da Cova da Moura na Amadora foi acompanhada pelo meu companheiro de secção do partido Jorge Humberto, apoiante de primeira hora deste candidato que aparece na fotografia a dar-lhe explicações sobre o bairro que conhece muito bem. E tudo o que conheço do trabalho dele, tanto político, como social, é de uma ética inatacável e não há aqui qualquer espécie de insinuação de qualquer associação dele aos factos que as notícias revelam sobre outros apoiantes do candidato, inclusivamente que também aparecem na fotografia.

 

 

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publicado por Manuel Vilarinho Pires às 16:03
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Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2018

Declaração de voto

2018-01-12 Santana Lopes.jpg

O PSD perdeu o presidente mais ético, corajoso e determinado da sua história.

E como eu sou militante, e talvez haja outros militantes entre os leitores, deixo aqui a minha declaração de voto nas eleições internas para o substituir, e o meu compromisso.

Dos candidatos a substituí-lo, um é apoiado pelo pior que existe no partido, os barões que sempre o usaram como palco para se projectarem ou como instrumento para fazerem negócios privados, os literalmente gangsters com condenações por agressões ou casos de malas de dinheiro, os sectários que quando o lideraram excluiram todos os que os tinham confrontado em eleições internas, incluindo o Pedro Passos Coelho, e os traidores que passaram a última legislatura a combater o partido e a promover a oposição socialista ou mesmo bloquista. Ser apoiado por esta gente não faz dele vigarista ou gangster, porque sectário e traidor foi ele mesmo pessoalmente, mas sinaliza que com ele na liderança se sentem mais à vontade do que com o adversário. Neste nunca votaria, e a minha escolha fica limitada a um candidato único.

O Santana Lopes não foi o melhor primeiro-ministro da história de Portugal. Nem podia ter sido, foi usado como um precário para dar tempo aos socialistas para se reorganizarem para as eleições e depois destituído no acto mais sectário de toda a história da presidência em democracia, a dissolução de um parlamento com maioria absoluta para permitir a eleição de um socialista que depois arruinou o país, para além dos crimes por que um dia será condenado. Na época pareceu-me que tinha aceitado ser primeiro-ministro sem legitimidade eleitoral por se deslumbrar com a possibilidade de lá chegar. Hoje sei que se sacrificou pessoalmente por pressão do partido que o colocou na posição de não ser capaz de lhe dizer que não. Era, e já foi, mais imaturo do que é hoje. Mas é um combatente político de muitas décadas, e quando se viu mal representado pelo partido ponderou sair e formar outro partido em vez de ficar por dentro a miná-lo, como fizeram os do outro lado. Não foi por ele que eu me filiei no PSD, mas voto nele sem hesitação e com entusiasmo.

Se os militantes do PSD amanhã optarem pelo PSD dos barões, dos gangsters, dos sectários e dos traidores, desejo-lhes uma boa viagem, é o partido com a base de militantes mais extraordinária, decente e representativa da sociedade portuguesa, mas fico no cais.

Para os que votam, votem bem. Eu voto bem, e voto Santana Lopes.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 10:38
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Quinta-feira, 11 de Janeiro de 2018

Assédio aos Costumes

É impossível que a vaga de denúncias de casos de assédio sexual praticados reiteradamente por homens famosos da indústria do espectáculo, que começou com Harvey Weinstein, se funde em invenções.

 

Mas: é impossível que todos os casos sejam verdadeiros. Num meio que vive do glamour a mulher que confesse que nunca lidou com o problema, seja porque nunca foi assediada, seja porque cortou cedo e cerce os avanços sem que isso lhe tivesse penalizado a carreira, corre o risco de ser vista como pouco desejável, pecado capital naquela tribo.

 

Daí que tenham vindo ao proscénio mulheres que confessam subitamente o trauma oculto que sempre pairou sobre as suas, às vezes, brilhantes carreiras, e que consiste invariavelmente em algum homem em algum momento ter insistido em praticar actos de índole sexual não desejados.

 

Violações? Sim, algumas. Mas no geral actos que cabem no que genericamente se designa por assédio.

 

E aqui temos a burra nas couves. Porque a violação é um crime grave, tão grave que não são convincentes as razões para dele se fazerem denúncias extemporâneas. A motivação para tantas vítimas o terem silenciado anos a fio consistiu, diz-se, no receio de que a denúncia lhes tivesse destruído a carreiras, não sendo exigível que mulheres sejam confrontadas com a escolha entre deixar escapar impune o agressor ou ficar sem o futuro pelo qual lutavam.

 

O argumento é bom. Mas peço licença para guardar a minha admiração para as outras, as que denunciaram. Porque o violador, se o era, ficou impedido de praticar outras violações; porque a prova é tanto mais difícil quanto mais distante no tempo o crime; porque, em certos ordenamentos jurídicos, como o nosso, o prazo para a instauração do processo pode prescrever; e porque a defesa, a que todos os acusados têm direito, fica praticamente impossível no tribunal da opinião pública se a queixa não puder na prática ser investigada.

 

Quanto ao assédio, pôr a mão num joelho pode ser inconveniente, com certeza mal-educado, mas se a destinatária não estiver numa situação de dependência não é de assédio que estamos a falar. E como nem todos os candidatos a garanhões têm a obrigação de interpretar correctamente os sinais subtis do eterno feminino, talvez não fosse má ideia as mulheres aprenderem a por na ordem os atrevidos ou desastrados, o que aliás creio a maioria sabe perfeitamente fazer.

 

Mas a maluqueira anglo-saxónica, uma vasta onda puritana que periodicamente varre o planeta, e cada vez com maior frequência, já levou à demissão de um ministro do Reino Unido que em 2002 tocou num joelho de uma jornalista, nem sequer lhe valendo a própria reduzir o incidente às suas insignificantes proporções.

 

E começam a ser legião os homens que perdem os seus empregos, veem as suas carreiras destruídas, e são expostos no pelourinho da opinião pública sedenta de sangue lúbrico, sem resquícios de prova senão a queixa de uma ou mais ofendidas, cuja palavra tem um valor bíblico porque todas as mulheres são santas, salvo prova em contrário, e todos os homens são potencialmente bestas cegas pela testosterona, mesmo sem prova nenhuma.

 

Claro que os miasmas de Hollywood não precisavam de chegar a ambientes mais sadios. Estão, porém, a vencer a barreira do senso porque cabem nos movimentos feministas. E estes, com o entusiástico eco da comunicação social, aproveitam a boleia.

 

Todavia, são estes movimentos tão diferentes entre si que os mais lúcidos deveriam rejeitar a amálgama: endireitar o torto que ainda resta de milénios de inferioridade faz-se de muitas maneiras, mas a guerra dos sexos não é uma delas.

 

Catherine Deneuve e 99 desconhecidas (para mim) entendem isto, com excelentes razões.

 

Laurence Rossignol, uma socialista ex-ministra dos Direitos das Mulheres, resume numa frase o que lhe vai na alma ao qualificar o texto das 100 como “esta estranha angústia de deixar de existir sem o olhar e o desejo dos homens, que leva mulheres inteligentes a escrever enormes estupidezes“.

 

Mas que elegância. E 30 mulheres encabeçadas por uma Caroline de Haas, outra socialista, perguntam se "os porcos e os seus aliados estão inquietos".

 

Suponho que preencho os requisitos para aliado dos porcos, na categorização abrangente da moça. Mas poderia, se a conhecesse, sossegá-la: não, não estou inquieto, vozes de burro não chegam ao céu; nem de burra.

publicado por José Meireles Graça às 18:48
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