Esta é a imagem, e cada um é livre de usar os critérios que entende e com que se identifique melhor, e podem ser diferentes dos meus, mais violenta da história do cinema.
O filme é, estão a reconhecer, "Feios, Porcos e Maus", de Ettore Scola.
Podia ser um filme violento que retrata sem dó nem piedade a miséria abjecta a que são sujeitos os habitantes de um bairro de lata romano nos anos 70.
Mas não é. Em vez de olhar para eles numa óptica neorealista de vítimas da sociedade que os exclui, contrapõe-lhe a óptica alternativa de os mostrar como os carrascos que os encarceram a si próprios na sua miséria, tais como um Giacinto Mazzatella capaz de vazar um olho para receber o dinheiro do seguro, e não vale a pena puxarem das calculadoras, um milhão de liras eram cem contos, quinhentos euros actuais, e compra uma caçadeira para defender o dinheiro da indemnização da cobiça da numerosa família que coabita com ela na barraca, gente que se desqualifica permanentemente, que se agride mutuamente sem dó nem piedade, a tiro, se preciso for, mas se o agressor e a vítima trocassem de circunstâncias trocariam também de papéis e agredir-se-iam exactamente na mesma medida, que se rouba mutuamente se e sempre que tiver oportunidade, que abusa sexualmente de quem puder, através da chantagem ou da violência quando o piropo não chega a ser eficaz, gente que abandona a avó na barraca a arder até se lembrar da ser necessária a presença dela para lhe levantar a pensão e a salvar in-extremis com a roupa e o cabelo meio ardidos, em resumo, gente tão miserável moralmente que vive no meio daquela miséria material como peixe na água, e a merece, e por isso não nos desperta a mais pequena ponta de empatia pelo sofrimento por que passa.
O equivalente na política de hoje em dia a um primeiro-ministro que enquanto governante no passado tivesse fechado os olhos à corrupção praticada pelo primeiro-ministro que o tinha escolhido para vice, que enquanto presidente de câmara tivesse acumulado o salário de autarca a tempo inteiro com um salário milionário de comentador na televisão, que tivesse declarado este como rendimento de direitos de autor para o poder acumular legalmente com aquele e ainda ter uma redução substancial no IRS, que tivesse habitado um misterioso duplex de luxo na Avenida da Liberdade detido por um misterioso proprietário a quem a câmara tivesse concedido uma misteriosa licença de ampliação do imóvel que incluiu justamente o duplex que ele habitou, que tivesse o dom da trafulhice e o golpe de rins para conseguir chegar a governar apesar de ter perdido as eleições, que se tivesse rodeado de uma equipa onde sobressaísse um presidente de partido lendário por ter dado emprego público a toda uma família mais extensa que os Mazzatella, ou por ter atribuído bolsas de estudo para tirar o brevet a filhos de colegas do governo regional que liderou, ou um presidente da Assembleia da República que uns anos antes tivesse conspirado com ele e o Presidente da República de então para subtrair um camarada de partido à acção da justiça, ou um governo e instituições tuteladas pelo governo todos preenchidos com amigos e familiares de amigos e amigos de familiares, incluindo quase todos os que tinham participado com ele no anterior governo corrupto, que emblematicamente tivesse escolhido para a sua primeira nomeação política como governante o traidor mais notório e notável da liderança do partido que governava antes e passou à oposição com a ascensão dele ao governo, se Roma não paga a traidores o Giacinto paga, que tivesse colocado o seu melhor amigo a representar o Estado numa negociação onde a empresa para que ele trabalhava tinha interesses e esses interesses acabassem por ser efectivamente atendidos, que tivesse sistematicamente mentido em acordos de cavalheiros em que enganou os cavalheiros que cairam no erro de fazer acordos com ele, que tivessem da ética a percepção colectiva que é tudo o que não seja ilegal.
É preciso conceder que ética é um daqueles conceitos que é mais fácil perceber do que definir, e a definição que ao longo da vida me pareceu mais razoável, ético é aquilo que fazemos em privado e não teríamos vergonha que fosse tornado público, tem como limite de aplicação justamente os Giacinto Mazzatella deste mundo que, por não terem vergonha nenhuma, tudo lhes parece ético. Eles e os Carlos César e os António Costa.
O filme é pois um desfilar de misérias, de traições, de sacanices, tem tudo para ser uma tragédia que nos indigne, mas como todas são cometidas sem vergonha nem remorsos e todas são merecidas por todas as vítimas acaba por ser uma comédia que nos desperta gargalhadas da primeira à penúltima cena.
À penúltima, mas não à última, porque há um ser humano tão normal e decente como qualquer um de nós no meio daquela gente doida. A Maria Libera é uma pré-adolescente de 12 anos da família, que vive com a família na barraca, e é a menina que recolhe as crianças do bairro no mais que se pode assemelhar a um jardim de infância, um recinto fechado por uma rede em que ficam durante o dia encarceradas mas ao abrigo de toda a espécie de acidentes ou tragédias que lhes poderiam provavelmente acontecer naquele bairro ameaçador, antes de ir para a cidade trabalhar a dias ou quando há uma zaragata no bairro que as possa ameaçar, e há-as habitualmente, uma menina que não se mete nas confusões nem nas trafulhices nem nas zaragatas dos outros todos, uma menina que é como se não existisse para eles nem ali, mas apenas para nós. Mas ali.
E na última cena, a da fotografia, a Maria Libera está no estado que se vê. Acabou a comédia e ela foi engolida pelo sistema a que parecia estranha e imune e passou de ser uma de nós para ser um deles. E toda a indignação que não sentimos antes pelo sofrimento que era mais do que merecido por eles nos passa a ser impossível de manter ao longe porque desta vez a vítima passou a ser um de nós.
Pelo que a lição que o "Feios, Porcos e Maus" nos ensina, se tivermos a humildade de lhe prestar atenção, é que não é o facto de sermos diferentes deles que nos garante que seremos diferentes deles. No convívio com a corrupção moral, e às vezes não só moral, que vigora actualmente na sociedade portuguesa e naqueles que escolhemos, mesmo não os tendo escolhido, para nos representarem a governar o interesse público, o mero facto de a desaprovar e os desaprovarmos não nos garante imunidade contra ela. Se não corrermos com eles, um dia ver-nos-emos grávidos da miséria moral que eles promovem.
Depois não digam que não vos avisei.
O bom do Boaventura, catedrático em Achismo e empresário de inúmeros combatentes da revolução que tem no payroll e vai conseguindo espalhar pelo mundo, do parlamento ao governo portugueses, ao parlamento europeu, deu mais uma entrevista.
A um jornalista tão subserviente como qualquer ditador pode aspirar a ter a entrevistá-lo, daqueles cujas perguntas não fazem mais do que rasgar auto-estradas para o entrevistado ter o caminho livre de trânsito e de interrogações ou contraditório para expôr o brilho e a superioridade moral, inquestionados como se fossem inquestionáveis, do seu pensamento, abriu o coração e a boca para dizer as asneiras do costume baseadas nos lugares comuns do costume, as denúncias do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado. O costume.
De tudo o que ele disse acharam por bem resumir a entrevista no título emblemático "A democracia nunca foi compatível com o capitalismo".
A ser verdade a tese, não haveria nenhuma democracia a funcionar em nenhum país onde o sistema económico em vigor seja o capitalismo.
Há alguma evidência empírica a questioná-la, nomeadamente o facto de nalguns países onde vigora como sistema económico o capitalismo vigorarem sistemas políticos que parecerem exibir algumas das características próprias da democracia, como a liberdade, ou as liberdades básicas próprias das democracias, a escolha e legitimação dos detentores circunstanciais dos orgãos de soberania através de eleições livres e universais, e um Estado de direito salvaguardado pelo princípio da separação dos poderes. Mas ela não foi questionada na entrevista.
Há mesmo alguma evidência empírica a sugerir que a democracia nunca foi compatível com qualquer sistema que não fosse o capitalismo, e certamente que não com o socialismo, como o facto de todos os regimes socialistas se terem rapidamente, sempre que não foi o seu ponto de partida, transformado em estados totalitários que negam aos cidadãos as liberdades mais básicas, com sistemas políticos de partido único, e sujeição de todos os poderes, nomeadamente o judicial, ao partido único. Mas esta evidência também não foi introduzida na discussão pelo entrevistador.
Para ser rigoroso, há-que reconhecer que em países que foram separados ao meio pelo jogo de xadrez geoestratégico entre o capitalismo e o socialismo, a metade socialista foi baptizada de "democrática" e a metade capitalista não. A Coreia socialista ainda se chama República Democrática Popular da Coreia e a capitalista simplesmente República da Coreia. A Alemanha socialista chamou-se República Democrática Alemã, e a capitalista República Federal Alemã. Neste sentido o entrevistado paraaece ter alguma lógca. Mas só doidos, que os há, e ele é um deles, eram ou são capazes de acreditar que esses países onde vigoravam ou vigoram sistemas de partido único sujeitos a censura férrea e vigiados por polícias políticas omnipresentes e omnipotentes eram ou são democracias, de modo que o nome de baptismo não constitui prova de democraticidade, e subsiste alguma, ou para dizer a verdade, toda a, evidência de que a democracia pode ser compatível com o capitalismo mas é incompatível com o socialismo.
Mas a asneira é livre, pelo menos nas democracias que funcionam em países com sistema económico capitalista, e certamente que na democracia portuguesa, que é uma delas, a defesa dos totalitarismos também, com excepção do facismo, cuja defesa ficou expressamente proibida no Ponto 4. do Artigo 46º da Constituição da República Portuguesa votada em 1976, e a negação dos crimes dos totalitarismos também, incluindo a dos crimes dos socialismos, com excepção do negacionismo do holocausto do nacional-socialismo alemão que é criminalizado em múltiplos países.
Pelo que as asneiras do Boaventura Sousa Santos não são novas, nem ilegais, nem ilegítimas, nem há mesmo nada a dizer sobre elas.
O que é mais interessante e digno de nota na entrevista não são as respostas. São as perguntas. É a subserviência do jornalista que se apaga como representante dos leitores para colocar ao entrevistado as questões, e o confrontar com as contradições, que eles gostavam que ele esclarecesse e se assume como representante do entrevistado que apenas lhe abre o caminho para debitar inquestionado o seu discurso, se presta a fazer entrevistas em estilo Dupont & Dupond que poderiam muito bem ser feitas na República Democrática Popular da Coreia aos seus queridos líderes sem trazer dissabores ao entrevistador.
E as perguntas são tão reveladoras do resultado da entrevista que vale a pena transcrevê-las sem necessidade de transcrever as respostas, que se intuem das perguntas sem grande risco de erro. Pelo que as transcrevo, acrescentando apenas excertos da resposta anterior quando as perguntas os citam implicitamente.
Deixo esta magnífico exemplo de entrevista a um querido líder socialista, mesmo que não seja líder de coisa nenhuma a não ser dos revolucionariozinhos de gabonete a quem dá emprego, que pode ser instrutivo para os que, por recearem, ou terem esperança, que venha aí o socialismo, e gostariam de enveredar pelo jornalismo numa futura democracia socialista, podem encontrar nos ensinamentos do jornalista Nuno Ramos de Almeida um verdadeiro guia para a sobrevivência profissional de jornalistas num regime socialista.
Boas aquisições de competências!
Os consumidores portugueses pagam uma das energias mais caras da Europa por a energia de origem renovável ser generosamente subsidiada através de tarifas de venda garantidas acima do preço de aquisição de energia em vigor no mercado grossista e, para algumas tecnologias de produção, largamente superiores ao preço de venda aos consumidores, que asseguram o retorno aos investidores que apenas investiram nas centrais de energia renovável graças a essa garantia.
E esses subsídios são pagos pela carteira dos consumidores actuais, através dos sobrecustos da Produção em Regime Especial, uma das parcelas dos Custos de Interesse Económico Geral que são debitados nas facturas de energia, e pela dos consumidores futuros, na parte deste sobrecusto que não é imediatamente debitada aos consumidores mas é transferida para o deficit tarifário. E pelo corpo das pessoas que não têm dinheiro para aquecer as suas casas no Inverno, nomeadamente pelo das que morrem de doenças evitáveis cuja incidência cresce significativamente quando há vagas de frio, as vítimas colaterais silenciosas dos esplendorosos sucessos das energias renováveis em Portugal.
Os CIEG ascendem a cerca de um terço do custo total da energia, e a parcela do sobrecusto da PRE custuma oscilar entre mil e mil e quinhentos milhões de euros por ano.
Um dia, e se o poder político lho permitir, a justiça chegará talvez a alguma conclusão sobre se o caso de sucesso das energias renováveis em Portugal, que é o tema das palestras patrocinadas pela EDP leccionadas pelo ministro que montou este negócio na Universidade de Columbia, foi apenas populista e imoral, por as vantagens e as conquistas da energia renovável serem largamente divulgadas mas os custos escondidos em rúbricas da factura de energia com siglas que os consumidores tendem a não entender, ou mesmo atirados para os consumidores futuros sem lhes perguntar se estarão dispostos a suportá-los, ou se envolveu também a prática de crimes.
Para já limitamo-nos a registar sucessivas e sonantes vitórias, celebradas por todos, a começar pelos ambientalistas que acreditam que com o incremento das energias renováveis o planeta se salvará do inferno do aquecimento global e das alterações climáticas, pelos geo-estrategas que aceditam que com ele a nossa dependência dos produtores de combustíveis fósseis, quase todos pouco recomendáveis, se libertará, e pelos tolos que vibram com o anúncio de recordes, sejam eles da maior feijoada cozinhada numa ponte suspensa ou da maior número de horas a consumir exclusivamente energias renováveis, e pagam silenciosamente por eles.
Este ambiente de celebração universal tem, no entanto, uma interrogação irritante a perturbá-lo: e se nós, em vez de importarmos petróleo, tivessemos possibilidade de exportar petróleo? e se em vez de o dinheiro do petróleo queimado longe da vista noutras paragens do mundo para onde o exporta fazer de nós um paraíso socialista, como Angola ou a Venezuela, fizesse de nós um inferno capitalista como a Noruega, o país mais verde do mundo, aquele que segundo reza a lenda que tem mais Tesla per capita e onde já está instituída a proibição de cortar árvores?
Como em quase todas as perguntas, a resposta certa é depende.
Antes e acima de tudo, depende de haver petróleo explorável em condições economicamente competitivas. Como a generalidade dos mercados de commodities, o petróleo é produzido em diferentes partes do mundo recorrendo a diferentes tecnologias adaptadas às condições de extracção de cada local, umas de custo mais reduzido e outras de custo mais elevado, e a produção ajusta-se à procura desactivando ou reactivando os produtores de custo mais elevado em função de os custos de produção deixarem de ser ou voltarem a ser cobertos pelos preços de venda no mercado. Se um local tem petróleo que se pode extrair com custos menos elevados pode valer a pena investir na extracção, porque o investimento terá um retorno assegurado por uma produção permanente. Se não, nem vale a pena pensar no assunto.
Depois, se o retorno do investimento estiver assegurado, depende dos danos ambientais e paisagísticos resultantes da exploração. A que distância é da costa? as plataformas seriam visíveis ou estariam para lá do alcance visual? a extracção em condições normais polui significativamente? a poluição em condições normais é neutralizável e a que custos? quais são os riscos de ocorrerem acidentes? quais são as consequências de acidentes, se ocorrerem? quais os custos?
Estas duas questões seriam as mais determinantes para se fazer um primeiro juízo do que poderíamos ganhar, tanto em termos económicos, como até ambientais, e é atentar ao exemplo na Noruega para o perceber, e de quanto nos custaria, tanto em custos directos, como em custos ambientais, produzir petróleo.
Mas há outras de enquadramento menos linear.
E a contribuição do petróleo português para o aquecimento global, ou efeito de estufa, ou alterações climáticas? Há quem acredite que está provado que o consumo de combustíveis fósseis contribui para estes fenómenos e que estes fenómenos se estão a verificar e constituem ameaças credíveis, há quem não acredite neles nem nelas, e há quem ache que não tem informação suficiente e suficientemente credível para perceber se eles são reais e se as ameaças que colocam são credíveis.
Para os segundos, as duas primeiras questões permitem responder à pergunta inicial sem mais considerandos: se as receitas esperadas ultrapassam os custos esperados, avança-se.
Para os primeiros, as duas primeiras questões nem sequer se chegam a colocar: qualquer que seja o balanço entre proveitos e custos, a ameaça à sobrevivência do planeta torna qualquer novo invstimento na exploração de petróleo indesejável.
Os terceiros, os indecisos, podem ainda acrescentar dúvidas às que já têm. Se Portugal começasse a produzir petróleo em condições de custos competitivas o consumo global de petróleo, e os danos consequentes que eles não têm informação para dar por garantidos mas também não para excluir, seria significativamente incrementado? Não seria aumentado na dimensão da produção portuguesa, porque o incremento de produção a custos competitivos colocaria fora de mercado os produtores com custos mais elevados, e o aumento do consumo seria limitado ao resultante da redução de preço de mercado que a saída destes produtores poderia determinar no custo marginal de produção, que passaria a ser determinado pelo produtores com os custos mais elevados, mas inferiores aos deles, que ficassem no mercado. Sem conhecer as formas das curvas da oferta e da procura os terceiros indecisos não têm modo de estimar o aumento do consumo que a entrada de um novo produtor provocaria no mercado, mas sabem que seria marginal e não da dimensão do acréscimo de capacidade de produção do novo produtor.
E que influência têm estes três grupos nos processos de tomada de decisão pública sobre este assunto?
Os primeiros têm a superioridade moral do lado deles. Estão a salvar o planeta e a humanidade. A sua missão é tão importante que não têm espaço para duvidar da sustentação científica que a justifica. Claro que há aquecimento global, e claro que, se a tendência monótona crescente verificável nas estatísticas no caso de haver aquecimento global não for tão evidente assim, há pelo menos alterações climáticas, uma hipótese à prova de bala porque o clima se altera permanentemente. Claro que quem não acredita ou sequer duvida do aquecimento global ou das alterações climáticas é tão burro que também deve acreditar no creacionismo ou no geocentrismo do sistema solar. Além de ser egoísta por se estar nas tintas para o destino da humanidade, é mau como as cobras porque está ao lado da Santa Inquisição que não hesitava em torturar e matar para impedir o progresso científico. E é claro que quem está nesta posição de superiordade moral a combater a maldade e o obscurantismo é mais ruidoso do que quem não está, e os argumentos que esgrime no debate são tão convincentes que é arriscado para os poderes públicos atravessarem-se no seu caminho. É melhor ser-se reconhecido por salvar o planeta do que por destruí-lo. Este grupo tem, portanto, alguma capacidadede influenciar os decisores públicos, se não pelo endoutrinamento, pelo menos pelo receio de parecerem politicamente incorrectos.
Os segundos não a têm, pelos mesmos motivos porque os primeiros a têm. Podem ser ruidosos na mesma medida em que os foguetes e os ranchos folclóricos nas festas de Verão o são, mas não conseguem recolher grande reconhecimento como credíveis. Publicamente são associados a gente egoísta, burra e má, e, pior ainda, ligados aos interesses dos negócios. Nenhum político ousa confessar simpatia por eles, com a excepção que confirma a regra do Donald Trump.
Se os políticos se interessam pelo mundo dos negócios, e mesmo pelas variantes mais inconfessáveis do mundo dos negócios, a melhor alternativa que têm é declarar-se publicamente do lado dos primeiros e montarem discretamente negócios com os segundos. Aliás, foi assim que foi montada a indústria das energias renováveis em Portugal.
E eu? Eu sou dos terceiros. Não tenho informação suficiente para acreditar para além de qualquer dúvida que esteja a ocorrer aquecimento global ou da dimensão que possa estar a atingir, que resulte da actividade humana e por isso possa ser controlado intervindo nela, e que tenha as consequências catastróficas que lhe são apontadas. Não tenho a certeza que se Portugal fosse produtor de petróleo o consumo global de petróleo pudesse ter um incremento significativo. Não gostaria de ter plataformas de exploração de petróleo no horizonte visual de uma das regiões mais bonitas e bem preservadas de toda a costa portuguesa, mas não sei a que distância é que há intenção de as colocar se se vier a descobrir petróleo na região e se seriam visíveis ou não. Admito que se fossem instaladas teriam condições de segurança ambiental e de prevenção de acidentes tão rigorosas como as melhores. Não sei se a eventual exploração de petróleo na costa portuguesa seria pouco, ou razoavemente, ou muito rentável.
Se todas estas dúvidas tivessem respostas positivas gostaria que Portugal fosse um produtor de petróleo, tanto pelo incremento da qualidade de vida que poderia proporcionar às gerações actuais e às futuras, como principalmente pela oportunidade de libertar as gerações futuras da dívida que as actuais miseravelmente lhes legaram. Incluindo mais uma, a dívida tarifária.
Mas isto tudo veio a propósito de quê?
A Climate Action Network Europe, uma associação internacional de 120 associações ambientalistas de 25 países, acabou de atribuir a Portugal a medalha de ouro nos European Fossil Fuel Subsidies Awards 2018, que denuncia os apoios financeiros a energias sujas por governos de países europeus, pela atribuição ao consórcio Galp/ENI da licença para fazer uma sondagem de prospecção de petróleo ao largo da costa de Aljezur, galardão que foi prontamente noticiado e comentado pelas associações ambientalistas portuguesas associadas, nomeadamente a Associação Sistema Terrestre Sustentável, Zero, agora representada e presidida pelo eterno ambientalista Francisco Ferreira, recém transferido da Quercus. As associações embientalistas parecem ter uma dinâmica multiplicadora semelhante à que exibiam durante o PREC os partidos maoistas ou, de uma maneira mais geral, os da esquerda revolucionária, mas adiante.
Estes prémios têm uma clara intenção de paródia, na linha que agora tem estado na moda nas esquerdas modernas que em Portugal têm sido condignamente representadas pelas engraçadinhas do Bloco, e sobre a preferência pela comédia como estratégia de comunicação para denunciar atentados ambientais não tenho nada a apontar.
Mas, que eu tivesse dado pelo fenómeno nas minhas leituras em diagonal, o consórcio Galp/ENI não vai receber nenhum subsídio do Estado português para fazer a prospecção para que lhe foi atribuída uma licença, que provavelmente até lhe terá custado bom dinheiro. Vai financiá-la do seu bolso, e vai assumir integralmente o risco de não encontrar nenhuma jazida suficientemente prometedora para valer a pena explorar. E irá, assumo eu, ficar numa posição privilegiada para, se a encontrar, obter a licença para a explorar, pagando ao Estado português a parte justa do valor do petróleo que conseguir aí produzir. Assumirá o risco todo da prospecção, e será remunerada pela margem obtida na comercialização do petróleo, se a prospecção tiver sucesso, ou a fundo perdido, se não tiver. Já o Estado português não assumirá risco nenhum, e ficará com uma fonte de rendimento abundante se a prospecção tiver sucesso, e com a informação que não tem, se não tiver. Vai ganhar sempre, em dinheiro ou em conhecimento, sem gastar nada.
Sem receber nenhum subsídio, porque carga de água haveria o consórcio Galp/ENI de conquistar um prémio pelo subsídio que não recebeu? O site da associação explica. A associação assume como subsídio "any form of government action or public intervention which lowers the cost of fossil fuel energy production or consumption", ou seja, qualquer licença para prospecção de petróleo, seja ela paga por um governo, seja exclusivamente a expensas da empresa licenciada para a fazer, tenha ela sucesso e encontre jazidas de petróleo exploráveis a custos competitivos, tenha insucesso e seja um investimento perdido pela empresa, por ter o potencial de encontrar jazidas de petróleo que pode ser produzido a custos inferiores aos de outros produtores, é considerada um subsídio. Com uma definição destas tudo o que o governo faz pode ser considerado subsídio desde que contribuia para reduzir o custo de algum bem. Menos os subsídios às energias renováveis, estes por não caberem na definição de "fossil fuel energy production".
Chamar subsídio à licença para pesquisar petróleo na costa algarvia é uma burla. Que o populismo ambientalista vai tratar de pôr a render nestes dias sem tratar de esclarecer o público sobre o que é que designa exactamente por "subsídio". E o público vai acreditar que os contribuintes andam mesmo a transferir dinheiro que lhes custa tanto a ganhar para os cofres as grandes empresas petrolíferas. As burlas costumam resultar, e tanto melhor quanto mais burros são os burlados..
Eu podia-vos contar que tirei a vesícula por ter uma pedra.
Mas, habituado que estou a instruir-me lendo comentadores e cronistas com a cultura e a eloquência de um Pacheco Pereira, e não estou a falar de honestidade intelectual nem de lucidez, que podendo dar a uma crónica que resumidamente chama mongos aos trumpistas um título como "A vitória do Pavlov", lhe chama antes "A vitória do dr. Ivan Petrovich Pavlov", um título que a qualquer pessoa menos culta do que ele obrigaria a uma pesquisa prévia na Wikipedia para descobrir o nome completo do homem, e não sei se ele próprio não terá necessitado de o fazer para nos enriquecer o conhecimento com esta preciosa informação, e a semeia com palavras complicadas como "factóides", "Ersatz" ou "tribalização", não me resigno a contá-lo nestes termos simples.
Vou-vos antes revelar que fui submetido a uma colecistectomia por via laparoscópica para resolver sem mais problemas uma litítase vesicular sintomática. E vou também procurar dizer uma ou outra asneira para o mimetizar, que também as diz, por exemplo quando, por se sentir suficientemente à vontade, chama, sem previamente ter confirmado no Google, Cambridge Analytics à Cambridge Analitica.
E porque é que vos conto isto, que irá directamente para o meu dossier na Cambridge Analytica, se é que ela se interessa por mim e pelo que eu digo? Por razões pessoais e por razões colectivas.
Primeiro vamos às razões colectivas.
Como se devem lembrar, na penúltima consulta a que recorri da minha médica de família do Centro de Saúde do SNS de que sou utente para me passar o atestado médico necessário para revalidar a carta de condução, no dia 29 de Agosto de 2017, ela tinha-me receitado, apesar de eu não me queixar de nada e aquela consulta ter motivações meramente administrativas, uma série de análises e exames para avaliar em profundidade a minha situação clínica. Que eu decidi, por não sentir urgência especial nessa avaliação, realizar em estabelecimentos públicos ou com convenção com o SNS, demorassem o tempo que demorassem. Algumas, as análises e o electrocardiograma, fi-las logo no dia 1 de Setembro. Para a ecografia abdominal contactei vários prestadores convencionados e o mais cedo que consegui fazer a marcação foi para o dia 6 de Dezembro. No decorrer do exame o radiologista revelou-me que tinha uma pedra na vesícula que pode provocar inflamações com alguma gravidade pelo que me aconselhou a ponderar extrair a vesícula por laparoscopia. Logo no dia da realização desse exame dirigi-me ao centro de saúde para marcar a próxima consulta e consegui marcação para o dia 23 de Fevereiro de 2018.
Ou seja, entre a consulta em que a médica de família do SNS me receitou análises e exames e a consulta em que lhe pude mostrar os respectivos resultados mediaram 178 dias, meio ano em números redondos.
Na consulta a médica explicou-me as vantagens de realizar preventivamente a extracção da vesícula para não correr o risco de ter que a fazer de urgência no caso de ocorrer uma inflamação que pode evoluir para grave, explicou que o procedimento cirúrgico da laparoscopia é relativamente pouco traumático, se bem que realizado com anestesia geral, e prontificou-se a passar-me uma guia para marcar uma consulta de cirurgia no hospital de minha área de residência. Eu agradeci-lhe a oferta, mas expliquei-lhe que andava aterrado com a incidência de infecções hospitalares fatais em hospitais públicos, que os tempos de espera típicos para consultas de especialidade em hospitais públicos não eram encorajadores para quem ambicionava fazer uma intervenção que, para ser efectivamente preventiva, devia ser realizada com brevidade, e que tinha possibilidade de a realizar num estabelecimento privado, de modo que declinei.
Ao chegar a casa telefonei primeiro a um amigo médico para me recomendar um cirurgião que desse conta da coisa, e depois para o hospital privado onde esse cirurgião dá consultas e opera, e marquei consulta com ele para o dia 26 de Fevereiro, o dia útil seguinte. E na consulta marcámos uma consulta de anestesiologia para o dia 2 de Abril e a cirurgia para o dia 5 de Abril, que depois foi adiada para o dia seguinte.
Ou seja, entre a primeira tentativa de marcação da consulta de cirurgia e a realização da cirurgia num hospital privado decorreram 42 dias, mês e meio em números redondos.
Eu não vou sequer especular quanto tempo esperaria pela minha cirurgia se optasse, nomeadamente por ser forçado a optar por falta de alternativas, pela sua realização num estabelecimento público, nem os riscos que poderia eventualmente correr de agravamento da situação clínica ao longo dessa espera, ou se a esperança de vida restante aos quase sessenta e um anos seria suficiente para ainda poder ter esperança de chegar a ser operado.
Basta-me constatar que no sistema público o ciclo consulta, análises e exames, consulta, demora meio ano, e no privado o ciclo marcar consulta, ser operado, dura um mês e meio para saber sem a mais ténue sombra de dúvida que em Portugal construímos uma sociedade com classes, onde socialistas, bloquistas e comunistas sem classe nenhuma fazem o que podem, e na circunstância actual são eles que podem, para impedir as pessoas que não têm meios, os pobres, de ter acesso aos cuidados de saúde minimamente dignos acessíveis aos que os têm, incluindo eles próprios, não hesitando em negar-lhes o direito humano mais básico, o direito à vida, para satisfazer o capricho de ter um sistema exclusivamente público que não dê lucro a privados.
Depois, as razões pessoais, que podem ter alguma utilidade a quem eventualmente se vier a encontrar numa situação semelhante.
A vesícula não é um orgão vital, é apenas um reservatório para a bílis que é produzida no fígado, e não a ter não perturba por aí além a qualidade de vida, e a extracção da vesícula, que antigamente se fazia pelo método clássico de cortar a barriga, tirar e coser, faz-se hoje por um procedimento cirúrgico muito menos agressivo, a laparoscopia.
Consiste na introdução através de um furinho feito na região do umbigo de uma câmara dotada de iluminação que permite mostrar num écran a imagem do interior do ventre, e de mais três furinhos em três pontos da barriga onde são introduzidos os instrumentos que permitem cortar e extrair a vesícula. A cirurgia é feita com anestesia geral, e os furinhos não são suturados mas tapados com uma espécie de cola que, como qualquer cicatriz, sai com o tempo. A anestesia geral dura cerca de uma hora e meia, e poucas horas depois da cirurgia deve-se experimentar levantar e ensaiar pequenos passeios a pé, acompanhado da coluna de soro fisiológico. Normalmente fica-se internado uma noite, até porque no pós-operatório são administrados medicamentos injectáveis, e tem-se alta no dia seguinte, mas também pode ser feita em ambulatório. Tem-se alta sem recomendações especiais de inactividade ou dieta, a não ser respeitar o desconforto que eventualmente se sentir se se fizer um esforço que não se deve.
Os meus três maiores receios eram, por ordem de importância, que é inversa da ordem pela qual os verbalizava, a dor, a anestesia geral, porque nunca tinha feito nenhuma, e as infecções hospitalares.
Dor, não posso dizer que tenha sentido. Não é mentira dizer que o momento mais doloroso foi o da introdução do cateter na veia do pulso ao chegar ao bloco operatório. Quando acordei da anestesia sentia a barriga vagamente dorida, se bem que com a noção que se espirrasse ou tossisse ou meramente pigarreasse podia ter uma dor violenta. E quando a enfermeira do recobro me veio perguntar por dores na escala de zero a dez respondi-lhe, depois de lhe ter primeiro perguntado se ainda estava sob o efeito de algum analgésico para perceber se devia esperar que piorasse e ela ter esclarecido que já não estava sob o efeito de nada, com um um. E quando a enfermeira do piso apareceu no quarto às sete da manhã a oferecer analgésicos para o caso de estar a sentir dores, disse-lhe que não estava. Algum cuidado para não correr riscos, mas nada de traumático.
A anestesia geral também não me perturbou. Quando estava no bloco perguntei ao anestesista se já estava a ser anestesiado quando comecei a ver o tecto em movimento e ouvi-o responder que sim, e no momento de vigília seguinte o tecto era diferente, pelo que percebi que já tinha terminado a cirurgia e estava no recobro. Como podia mexer o pescoço sem desconforto entreti-me a ver os écrans com os sinais vitais que tinha por trás da cama, prestando especial atenção às medidas de tensão arterial que eram feitas a intervalos de mais ou menos 10 minutos e tinham valores que me pareciam catitas, depois consegui localizar o relógio na parede oposta da enfermaria e expandi o meu âmbito de análise vendo passar o tempo, e ainda consegui ampliá-la mais a analisar também os écrans dos sinais vitais dos outros doentes do recobro cujos écrans conseguia ver da minha cama. Manias de engenheiro. Fiquei com algumas falhas nas memórias da cirurgia. Quando veio falar comigo a tal enfermeira do zero a dez contei-lhe que a primeira recordação que tinha depois da anestesia era de alguém a perguntar "vamos-lhe dar antibiótico?" e de alguém a responder que não, e ela contou-me que tinha assistido à cirurgia e essa conversa tinha sido no início e não no fim. Também lhe perguntei se estava na cama ou na maca, porque tinha reparado nas protecções laterais, e ela confrmou que estava na cama e que quando me tinham mudado da maca para a cama estava acordado ede olhos abertos, e tinha colaborado na mudança, facto que não me ficou na memória. Algumas falhas na memória, portanto, mas nada de problemático.
Infecções hospitalares também parece que, por estar vivo, vos posso dizer que não apanhei.
De resto, nunca tinha dormido hum hospital, mas tive a sorte de apanhar um vizinho catita e conversador, um fiscal de finanças reformado que mal eu cheguei do bloco operatório pediu à filha para recolher a cortina para nos conhecermos, e depois ficámos em amena cavaqueira até que à uma da manhã uma auxiliar nos veio pedir para falarmos mais baixinho porque a nossa conversa se ouvia no corredor, e nunca tinha comido num hospital, mas o jantar até não foi nada mau, umas tiras de carne de porco envolvidas em couve lombarda à maneira de salsichas em couve lombarda, acompanhadas de arroz, tanto elas, como ele, bastante aceitáveis. Ao pequeno almoço ainda estava em dieta hipolipídica mas fui almoçar em casa e a dieta acabou, aliás com a concordância e mesmo incentivo do médico quando me deu alta: "Faça o que se sentir confortável a fazer, defenda-se quando o corpo lhe sinalizar que está a passar o risco".
De modo que deixo aqui uma palavra de conforto a quem se veja na iminência de fazer uma colecistectomia por via laparoscópica. Não há razão para grandes preocupações.
PS. Repararam? Eu disse entreti-me, recortando as duas letras ve à palavra entretive-me. O Pacheco Pereira diz obteram, recortando as duas letras iv à palavra obtiveram. Eu acho que ve e iv se podem bem considerar equivalentes, pelo que se me esforçar consigo chegar aos pés dele, pelo menos nas asneiras em Português. Estou motivado e confiante.
A coisa passou-se num palácio, convento em tempos idos, ali para os lados da Rua de São Bento.
Tinha ido tratar de um assunto que não vem ao caso com um amigo que lá trabalha, M., caminhávamos por um longo corredor com uma porta envidraçada no meio, e vinha do outro lado uma senhora.
Como somos ambos do tempo de heteropatriarcado ele, que ia à frente, abriu a porta e esperámos que a senhora passasse antes de continuarmos o nosso caminho. A senhora passou pela porta aberta por ele sem uma palavra, de cumprimento e muito menos de agradecimento, sem sequer um olhar para a porta ou para o porteiro circunstancial que lha tinha aberto e segurava aberta para passar, sem nada. Não desviou o andar nem o olhar e seguiu em frente como se aquela porta e aquela gentinha não existissem no mundo dela. E depois de ela passar nós continuámos o nosso caminho e a nossa conversa, não sem eu ter agradecido ao M. por me ter aberto a porta.
Foi o que me pareceu. Mas eu tenho um metro e oitenta, e a senhora caminhava quase dois palmos abaixo.
[Aqui faço uma breve interrupção para esclarecer que, mesmo julgando muitas vezes pela primeira impressão, não gosto de julgar pela primeira impressão e exijo de mim mesmo confirmar tudo o que vou sabendo antes de o dar por sabido, até porque na minha infância nas redes sociais cheguei a matar a Simone de Oliveira e percebi rápida e definitivamente que nem tudo o que se diz é verdade. E rodeio-me de alguns cuidados para validar as informações que vou recolhendo, de que dei conta de alguns aqui.]
De modo que ao chegar a casa telefonei a M., que por não chegar a ter um metro e setenta usufruiu de uma panorâmica mais favorável do que a minha dos acontecimentos do corredor do palácio, e perguntei-lhe:
- M., será que me falhou alguma coisa por ir distraído, ou a senhora a quem seguraste a porta no corredor não agradeceu, nem sequer com um olhar, e seguiu em frente sem tugir nem mugir?
- Não estavas distraído. Ela é mesmo assim.
E, naquele dia, naquele palácio, tive a experíência inesquecível de me cruzar com uma verdadeira Senhora.
Tem sido no facebook um sem-fim de piadas foleiras sobre o Beppe Grillo do Sporting, para o qual tenho dado com gosto o meu contributo. Bruno de Carvalho terá como dirigente desportivo bastantes qualidades e pessoalmente muitas, mas como figura pública tem uma que sobreleva as demais, que consiste em ser um cómico involuntário, a variedade que dá mais vontade de rir. O homem julga que aquele mundo da bola, em que vive, tem mais importância do que o Serviço Nacional de Saúde; o Sporting mais do que a Autoridade Tributária ou a Santa Casa; ele mais do que o procurador-geral da República; e as tricas em que não cessa de se enredar mais do que os sarilhos de que Trump não se consegue libertar.
Queria, o pobre, reformar o futebol, um mundo tradicionalmente corrupto, como se isso estivesse ao alcance de um chefe de claque, uma contradição tão patente como a de um comunista querer assegurar a liberdade de expressão para não-comunistas.
Não conseguiu, nem podia. A corrupção no futebol existe porque satisfaz necessidades: vende horas intermináveis de debate e a notoriedade de não-pessoas que, sem isso, seriam anónimas, além de quantidades invejáveis de jornais desportivos que sustentam uma miríade de jornalistas; engrandece dirigentes, que adquirem o estatuto equívoco de Al Capones de trazer por casa, porque se se desse o caso de serem sérios seriam trucidados como ingénuos; unta as mãos e alimenta as carreiras de figuras obscuras de empresários e facilitadores, quando não os próprios dirigentes; fornece uma desculpa, e confortáveis sentimentos de auto-compaixão, às massas de fãs de clubes menores, que não veem a caterva de jogadores preguiçosos e ineptos que recheiam o plantel da equipa da terra mas veem, porque para não ver precisavam de ser cegos, as arbitragens tendenciosas em favor dos três grandes; e reforça o sentimento tribal de pertença a um dos três clubes que inclinam tradicionalmente o campo a seu favor, e que por serem os com maiores recursos discutem entre si o campeonato, atribuindo-se a vitória a um deles consoante o sucesso das manobras que nos bastidores garantem em certas épocas árbitros amigos.
Previsivelmente, sportinguistas que noutras áreas da vida se portam com um módico de gravidade reagem como os católicos fanáticos quando se lhes goza o Papa, os economistas quando se lhes discute a ciência e as feministas quando se lhes põem reservas às quotas: ficam possessos. Um amigo, cordato e civilizado, destratou-me por ter dito, no Facebook, que
Os sócios do Sporting são cómicos: queixam-se da demência do demente que elegeram. Os socialistas que reelegeram Sócrates também se queixam da desonestidade dos políticos.
Não faz mal: uma das razões porque os adeptos vão ao futebol é porque nos estádios se podem comportar como selvagens, que ninguém leva a mal. E a paixão clubista, bem vistas as coisas, é uma desculpa muito melhor do que outras para a malcriadez: seria decerto um consolo saber, quando Costa insulta Cristas no Parlamento, que o faz por ser do Benfica, e não pela razão chã de ser simplesmente grosseiro e mal-educado.
Terei pena se Bruno for embora: o homem é o bruto mais simpático que conheço e escasseiam, no nosso país onde crianças cancerosas recebem quimioterapia em corredores gelados, motivos de galhofa. E a única consolação, e esperança, é que se fala, para o substituir, do bombeiro Marta, homem com a truculência bastante, o verbo inspirado e a grosseria q.b. para fazerem um digno sucessor. Milita a favor deste candidato ainda o facto de, sobre a sua especialidade, que são incêndios, não dizer praticamente senão asneiras, donde talvez os sportinguistas concluam que, de futebol, é capaz de entender alguma coisa.
Ontem uma actriz queixava-se amargamente na SicN de que os actores também precisam de comer, pagar a renda da casa, fazer compras e educar os netos (tinha idade para os ter, e não lhe foi perguntado se essa seria uma obrigação típica dos avós). A senhora falava com o coração nas mãos e inquiria, dramática: se toda a gente tinha um ordenado, se até os empregados dos bancos os tinham, não obstante nós todos passarmos a vida a lá pôr dinheiro, por que razão é que os actores haviam de ficar numa situação desesperada?
Sobre os bancos não vou responder à senhora com detalhe, salvo para dizer que o preço de não os apoiar é ainda maior do que apoiá-los.
Mas mesmo que haja, e há, boas razões para supor que a gestão desastrada dos bancos não foi, e continua a não ser, adequadamente penalizada; que uma parte (menor) da destruição do seu valor resultou não apenas do rebentar de uma bolha especulativa mas também de negócios de contornos ilícitos ou inacreditavelmente ineptos, que não são denunciados por envolverem um número demasiado grande de indivíduos que pertencem ao grupo da dança das cadeiras dos gestores públicos, académicos da economia e finanças, e políticos e advogados do Centrão: não se segue que todo o cão e gato tenha o direito de viver à custa do Estado sob pretexto de que custa, comparativamente, pouco.
E foi isso que a senhora disse: eu tenho o direito que o Estado me sustente já que sustenta outros com muito menos merecimento.
Menos merecimento porquê? Porque a senhora, e a caterva dos seus colegas, são agentes da cultura, que é por definição algo de superior. E, como diz este senhor, numa afirmação lapidar que Marcelo, e todos os outros papagueadores de banalidades, decerto subscreve, “não colhe o argumento da subsidiodependência pois só um Estado inculto não investe em cultura”.
Se corrermos os jornais por estes dias tropeçamos com um ror de queixas e reclamações, por exemplo aqui e aqui. E indo o clamor em crescendo, e sendo o governo do dia o que é, esta berrata já está a dar resultado, pelo que se alargarão os cordões à bolsa do contribuinte até ao ponto em que, se houver uma companhia de teatro que queira levar à cena Ionesco em Freamunde, para ilustração dos operários da indústria de mobiliário, o Estado investe e os beneméritos actores forrarão as barrigas famélicas com um bom jantarinho de capão, que por aqueles lados se assa de forma superlativa.
É claro que o Estado não se deve demitir da cultura. Mas esta, sendo muitas coisas, não é certamente a prodigiosa colecção de piolhosos que gritam em nome dela, e em nome dela se espolinham num palco em peças que ninguém entende e, por ninguém entender, ninguém quer ver; ou a compor peças musicais exotéricas para disfarçar a incapacidade de interpretar os clássicos; ou a preservar teatrinhos de marionetes e promover exposições de lixo sob a designação genérica de arte contemporânea, das quais a melhor parte seria o catálogo, se por milagre estivesse redigido em bom português.
Isto poderia ser talvez assim se o país pudesse alocar a estas festividades mais do que os 0,4% do PIB que lhes dedica; e poderia ser sobretudo se não houvesse monumentos em ruínas, bibliotecas onde chove, escolas essenciais, como o Conservatório, num caco, ou investigação séria que não tem patrocínio; mas houvesse educação que formasse para criar uma massa crítica de cidadãos que garantisse os mínimos de mercado para a existência de formas superiores de cultura, em vez de analfabetos, ignorantes contumazes, duros de ouvido, vesgos e socialistas sortidos, com perdão da amálgama.
Desta vez, à boleia do clima económico de euforia, em boa parte artificial, que a propaganda tem criado, não vai fechar nenhuma das prestigiadas associações que a população dispensa, muito menos as companhias de bandeira a que Santana Lopes, numa engenhosa comparação, se referia há dias na televisão, e que não foram contempladas com subsídios; nem aquela malta do Norte, capitaneada pelo presidente da câmara do Porto, deixará de ser servida; assim como Évora, uma cidade comunista, deixará de ver revisto o descaso a que foi votado o teatro local – Jerónimo de Sousa, com ar soturno, já rosnou umas coisas ameaçadoras sobre a distribuição do bolo.
A grande ambição de toda esta gente é regressar aos níveis de 2009. Ignoro o que se terá passado naquele ano que permita afirmar que a cultura se distinguiu, pelo seu brilho, da sucata que estava antes e do esterco que veio depois.
Mas eu, se tivesse a ambição de viver à custa do contribuinte para o efeito de o ilustrar com a minha superioridade mal agradecida, escolhia talvez outra época para comparação: uma em que não estivéssemos às portas da bancarrota.
A Carochinha descobriu que a casa dela valia um milhão e veio à janela anunciar:
- Quem quer casar com a Carochinha, que é gira e tem uma bruta casinha?
Veio um camponês e disse:
- Quero eu, construimos um lar com o suor do nosso rosto e temos muitos filhos.
E a Carochinha disse:
- O caraças é que casas comigo, vai replicar os estereótipos de género para a tua terra!
Veio um operário e disse:
- Quero eu, vamos ser explorados na cintura industrial de Lisboa e desenvolver actividade sindical.
E a Carochinha disse:
- Olha, filho, o Povo é ali com a vizinha do lado que até escreve livros, mas isto é uma casa de um milhão e eu não quero cá homens das obras a sujar os tapetes.
Veio o João Ratão e disse:
- Casa comigo, que eu levo-te a passar férias a Formentera e a ver casas no buraco do Chiado.
E a Carochinha disse:
- Buraco és tu, mas está bem, podemos casar.
E casaram e foram muito felizes entre a Itália, Paris e o Chiado, até que o João Ratão teve mais olhos que barriga e caiu no caldeirão.
Não sei se deva confessar isto, porque têm-me dito que quem não acredita no aquecimento global é como se acreditasse que a Terra é plana ou se defendesse o geocentrismo e o criacionismo. Eu até confesso, mas peço-vos o favor de não divulgarem nas redes sociais para as pessoas não suspeitarem desta minha triste condição.
Eu posso garantir que a Terra é redonda porque já vi fotografias. E domino a física newtoniana suficientemente bem para garantir que o sistema solar é heliocêntrico. E consigo acompanhar a plausibilidade estatística do evolucionismo, pelo que acredito mais no evolucionismo do que no criacionismo, em que aliás não acredito mesmo nada, até porque não recebi a graça da Fé.
Mas não estou convencido que o aquecimento global seja real. Não por estar convencido que não seja real, mas por saber que não tenho informação suficiente para acreditar que seja.
Mas nas alterações climáticas acredito.
Mas não vale a pena terem esperança na minha redenção antes de lerem até ao fim.
O clima era, quando eu dei Ciências Naturais nos primeiros anos do Liceu, uma estatística de longo prazo das condições meteorológicas, o tempo, em períodos de pelo menos 30 anos. E suspeito que continua a ser. O que não simplifica a tarefa de tentar perceber se está a mudar, e muito menos a quem tenha pressa para chegar a conclusões.
Não basta estar mais quente à hora de almoço do que de madrugada, nem hoje estar mais quente do que ontem por esta hora, ou do que nos conseguimos lembrar ou registámos que estava neste mesmo dia há um ano atrás, ou nos últimos 5 ou 10 anos. O clima hoje é o tempo que esteve de 1988 a 2018, com todas as oscilações sistemáticas ou caóticas que sofreu.
Com esta definição, para avaliar se o clima está a mudar é necessário recorrer a estatísticas do tempo de pelo menos 60 anos, por exemplo, comparar o período de 1988 e 2018 com o de 1958 a 1988. Isto porque acompanhar a evolução de médias móveis, por exemplo, os últimos 30 anos terminados em 2018 com os 30 terminados em 2013, apenas permite comparar o período final do período mais recente com o período inicial do período mais antigo, ou seja, no exemplo, os cinco anos de 1988 a 1993 com os cinco de 2013 a 2018, todos os outros anos de 1993 a 2013 estando presentes nas duas amostras, e de amostras de apenas 5 anos não se podem tirar conclusões que exigem amostras de pelo menos 30 anos.
Com a complicação de saber que valores usar, medidos em que locais e como, se as medidas são comparáveis ao longo do tempo, que valores se desprezam na estatística por serem considerados outliers, tudo variáveis metodológicas que dão uma certa liberdade de manipular os números para chegar a um valor preferido quando se prefere usar a ciência para sustentar uma mensagem a usá-la para perceber o que acontece.
Mesmo com estas dificuldades e armadilhas metodológicas todas, é hipoteticamente possível aferir a hipótese do aquecimento global, através do aumento da temperatura global: se a hipótese for verdadeira alguma tendência de aumento nas estatísticas de temperatura tem que aparecer. Se o cientista for rigoroso e honesto há razões para acreditar na estatística que apresenta. Se tiver uma agenda política, para não acreditar. Na ausência de informação, para manter um prudente cepticismo. Mas mesmo com todas as condicionantes é possível testar a hipótese de a temperatura estar a aumentar.
Mas é impossível aferir, e, aferindo, poder rejeitar, a hipótese de o clima estar a sofrer alterações climáticas. O clima está garantidamente sempre a mudar, não porque o tempo está sempre a mudar, que está, mas porque é virtualmente impossível todas as estatísticas relativas a condições meteorológicas permanecerem imutáveis 30 anos depois.
A grande vantagem de substituir o aquecimento global, que é possível ir tentando aferir apesar de ser muito complicado fazê-lo num fenómeno tão oscilatório e caótico como o clima, pelas alterações climáticas é que, estando o clima em alteração permanente, se bem que não necessariamente no sentido de aumento da temperatura global, acerta-se sempre na previsão.
Se eu só consigo acreditar no aquecimento global se vir informação credível que o demonstre, dou de barato as alterações climáticas mesmo sem olhar para estatísticas. Se o tempo num Novembro menos frio me parece sustentar a hipótese do aquecimento global tanto quanto o tempo num Março mais chuvoso me encoraja a duvidar dela, qualquer tempo me parece compatível com a hipótese de haver alterações climáticas. É uma hipótese credível que nem necessita de confirmação.
Já se a utilidade de saber que há aquecimento global é mais ou menos evidente, porque é possível antecipar que problemas é que o aumento sistemático da temperatura poderá possivelmente provocar e preparar alguma prevenção contra eles, a de saber que há alterações climáticas parece de utilidade menos evidente, porque sem se saber que alterações serão ao certo também não se pode fazer grande coisa para lhes prevenir as consequências.
Os defensores do aquecimento global e das alterações climáticas ganharam em credibilidade com a mudança o que perderam em utilidade do alerta.
Outra coisa, de que não falei, é se o hipotético aquecimento global, ou as garantidas alterações climáticas, são determinados pela actividade humana e se podem, alterando mentalidades, evitar e, evitando-os, evitar também os perigos que colocam se forem hipótese reais? Daqui a 30 anos volto a este assunto.
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