No direito português, seja civil, penal ou fiscal, existe o instituto da prescrição. E no ponto 4.1 do estudo para que remete o link acima elencam-se as várias teorias que fundamentam a necessidade da sua existência (teorias que, a meu ver, são complementares e não alternativas).
O texto, que encontrei na internet por acaso, é prolixo e com frequência desnecessariamente obscuro. Mas são os senhores professores, e ainda bem, que redigem os códigos – um dos problemas que tem a diarreia legislativa avulsa sob a qual vivemos há décadas é que quem a emana tem com frequência formação jurídica deficiente, conhecendo mal o universo jurídico, mesmo quando calha estar na posse de alguns rudimentos de gramática.
Os códigos penais reflectem a história do nosso país no âmbito criminal, a sua tradição, as suas longínquas raízes no direito romano, e são tributários das várias doutrinas que foram sucessivamente influenciando as nossas elites no poder, na política e na academia.
É possível que haja alguma distância entre o que acham hoje os penalistas e o que acha a multidão; e há um crescente mal-estar entre uma opinião pública cujas chamas de indignação são em permanência reavivadas por uma comunicação social histérica e sensacionalista e as decisões dos tribunais, cujos agentes aplicam leis que a maioria não conhece, não seria capaz de interpretar correctamente, e cujos fins não são, no âmbito criminal, o olho-por-olho de Hamurabi que parte da populaça julga dever ser a Justiça.
Apesar de tudo, das doutrinas vai passando alguma coisa para a consciência social; e no nosso modo de ser, como no de outros povos latinos, o puritanismo, felizmente, não medrou, como não medrou a obsessão com o crime e castigo. Temos outras taras mas essas não – são coisas, entre todos, de americanos.
É por isso que quando, por causa de uns amassos com uma estagiária na Sala Oval, o presidente Clinton passou as passas do Algarve para não ver o seu mandato cassado, todo o episódio deu uma grande vontade de rir à Europa e América do Sul católicas. Tecnicamente, os amassos não foram o problema, foi ter o presidente mentido a respeito deles; mas, nas nossas velhas sociedades saudavelmente hipócritas, há perguntas que não se devem fazer mas às quais, se forem feitas, só se pode razoavelmente responder com aldrabices.
Temos agora um outro episódio lúbrico, que é o do candidato a juiz do Supremo Tribunal Kavanaugh, que terá molestado sexualmente uma rapariga de 15 anos quando tinha 17, em 1982.
A ser verdade o que li, isto é, que foi um dos juízes que interrogaram Clinton, e que lhe terá perguntado se se veio na boca de Monica Lewinski, haverá nesta trapalhada uma justiça poética.
Fora a poesia, porém, e fora a guerrilha política que fez com que Clinton fosse crucificado por ser democrata (isto é, modernamente, a versão americana de um socialista) e faz com que Kavanaugh o esteja a ser por ser republicano (isto é, de direita), o caso está a ser tratado também aqui não pelo seu lado cómico, não por ser a americanice grotesca que é, mas como mais um episódio da gloriosa luta pela igualdade entre os sexos.
O episódio: uma mulher, que durante 36 anos não disse nada, declara, ao tomar conhecimento de que Kavanaugh era candidato ao Supremo, que quando era uma miúda de 15 aquele a molestou sexualmente numa festa. Ouvida no Senado, foi convincente na sua sinceridade quanto descreveu o incidente, e omissa no que toca a provas – circunstanciais, testemunhais ou outras quaisquer. O denunciado nega tudo, em termos igualmente convincentes ainda que, em certo passo, com incontida ou fingida comoção.
Que deve pensar uma pessoa com a cabeça em cima dos ombros?
Toda esta história nada deveria ter a ver connosco. Mas tem porque as modas americanas chegam cá, e cada vez mais depressa. Ora, a ideia de que a queixa de uma mulher, se for contra o comportamento sexual de um homem, não precisa de mais provas do que as que oferecia um cidadão temente a Deus quando se queixava à Inquisição de um cristão-novo, é uma intolerável deriva dos costumes e um retrocesso civilizacional.
É assim que devem ser vistas boa parte das feministas contemporâneas – Torquemadas de saias, em cruzada pela nova pureza de sangre. Mesmo que as não usem, mesmo que reivindiquem às vezes coisas razoáveis, e mesmo que muitos de nós calem o dissenso porque esperamos que a moda passe, porque todos somos filhos de uma mulher e maridos ou amantes de outras, e finalmente porque sem elas o mundo acaba.
Mesmo que não acabasse, não teria qualquer interesse. Conviria porém que não o infernizassem.
Há mulheres feias, bonitas, mentirosas, sinceras, ignorantes, cultas, estúpidas, inteligentes, de bom coração e más como as cobras.
E há senhoras feias, bonitas, mentirosas, sinceras, ignorantes, cultas, estúpidas, inteligentes, de bom coração e más como as cobras.
Há homens feios, bonitos, mentirosos, sinceros, ignorantes, cultos, estúpidos, inteligentes, de bom coração e maus como os escorpiões.
E há senhores feios, bonitos, mentirosos, sinceros, ignorantes, cultos, estúpidos, inteligentes, de bom coração e maus como os escorpiões.
Hum, mulheres e senhoras, homens e senhores. E como se distinguem uns dos outros?
Entre homens e mulheres não há dificuldades, por causa de certos sinais exteriores (por causa de certos sinais interiores também, na minha opinião, mas Deus me livre de ir por aí, que não sou da subespécie doida temerária). Se bem que a coisa seja ainda mais complicada porque há uma minoria de mulheres que acham que são homens, outra de homens que acham que são mulheres, e outras que se acham homens e mulheres de parte inteira mas quereriam desempenhar, no processo de reprodução, o papel do sexo oposto. Deixemos em paz, para os estudos de género subsidiados, estas candentes matérias, que disso não quero falar.
Disso não quero falar. E das diferenças entre mulheres e senhoras, ou homens e senhores também não, por uma razão simples: quem estiver em condições de entender a explicação não precisa dela; e quem precisar jamais entenderá.
Aaaaaaaaah, e exemplos, a ver se a gente se entende ou se desentende de vez?
Álvaro Cunhal, um potencial criminoso comunista, era um senhor; e Jerónimo de Sousa, um potencial criminoso comunista, é um homem. Passos Coelho, possivelmente o menos mau dos primeiros-ministros da democracia, é um senhor; e António Costa, a grotesca e sebosa figura que pincha à cabeça da geringonça, é um homem (ou talvez nem isso, apenas um homenzinho). O número dois, ou três, ou lá o que é, do PSD, o hesitante Fernando Negrão, é um senhor; e o seu patrão um homem.
Querem exemplos de mulheres e exemplos de senhoras? Não dou, que já acima declarei que não sou doido. É que até mesmo no meu partido há as duas variedades, e sou amigo de representantes de ambas. Mas, vá lá, pronto, no Bloco, assim de repente, não vejo uma única senhora. E mulheres também vejo poucas, aquilo é mais raparigas. E aquele tipo de Coimbra que é deputado, falha-me agora o nome, é homem ou senhor? Hesito, mas não hesito nos colegas: são ganapos.
Hum hum, e no PS? Bem, estava a ver a SicN e zás, aparece uma entrevista a Ana Gomes. Foi por isso que me lembrei das mulheres.
As apostas em corridas de cavalos não fazem parte da cultura popular em Portugal, mas fabricam ruínas e fortunas na política portuguesa.
Ao contrário dos Salgado que apostaram no José Sócrates errado e tiveram que passar à reforma, o Salgado que apostou no António Costa certo continua no activo e vivaço como sempre.
Quem diz apostas em cavalos pode dizer apostas em burros manhosos.
Queixa-se um visitante diário do Gremlin Literário que há muito tempo que quando entra no blogue dá de caras com as caras tenebrosas, diz ele, teneborosas e feias, digo eu, do primeiro-ministro e respectiva família. E ele nem mencionou, certamente por esquecimento, a da companheira de viagem, camarada de lutas e correctora de Português reformada, Edite Estrela, igualmente tenebrosa e feia.
Está cheio de razão. E a gerência corrige desde já a anomalia que causa transtorno aos visitantes substituindo a imagem da família Costa pela de uma família numerosa, a minha. (*)
Publique-se.
* Já sei, esboçam-se na plateia uns sorrisos insinuando que a gata pode ter pulado a cerca. Mas podem tranquilizar a inquietação das suspeitas. O pai tem, como é da praxe na sua ascendência genética, a cauda gradualmente mais escura da base para a ponta, mas com um sinal distintivo: a pontinha é branca. Alguns dos filhos, nomeadamente o que permaneceu cá em casa quando os outros abalaram, têm a pontinha da cauda branca. Está comprovada geneticamente a virtude da mãe, e salva a sua reputação.
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