É a data em que muitos Portugueses suspiram de alívio: acabaram os discursos suados, em que quem por função ou ambição acha que deve dizer alguma coisa espreme as meninges para expectorar algo que ainda não tenha sido dito; acabaram as intermináveis cerimónias onde os bonzos do regime se aliviam de um interminável rol de recados e banalidades, uns e outros, nos melhores casos - nos piores temos direito a profundidades filosóficas que não há apneia que aguente - embrulhando na retórica cansada da liberdade a agenda política que defendem.
Entendamo-nos: uma comunidade precisa dos seus momentos de celebração, das suas cerimónias chatas, dos seus discursos oficiais, dos seus rituais. E mesmo que a maioria dos cidadãos vá à praia, ao parque, ao café ou a passeio, é tranquilizador saber que há quem trate das comemorações, do içar da bandeira, dos cortejos - a gente também paga aos políticos para se ocuparem das efemérides, que nós não temos vagar e sempre há uma mole de gente que se entretém a ver com gosto essas merdas.
Porquê então o fartum? É que o 25 de Abril não é ainda uma data histórica, não podemos tratá-la como ao 1º de Dezembro e despachá-la asinha: menos de um quarto dos portugueses de hoje a viveram conscientemente mas no espaço público - quem é governante, líder de partido, comentador com banca nas têvês, ex-presidente, ex-ministro, ex-qualquer coisa - essa percentagem é muito superior.
Pior: na gente que viveu o 25 de Abril há vencedores e vencidos, e nestes não está apenas a Velha Senhora, porque houve pelo menos dois vinte e cincos - o dos comunistas e o dos outros; e os primeiros foram vencidos mas não convencidos, além do que sobrevieram ainda trânsfugas que, de lá para cá, viajaram da esquerda para a direita e - alguns - da direita para a esquerda. Mas quase todos estão aí, no espaço público, a lutar para que se cumpra Abril - o Abril deles. E estão de tal maneira que entopem os meios de comunicação social não apenas com as cerimónias oficiais e os festejos mas com a interminável parafernália dos comentários, lembretes, mesas redondas e debates - ao fim do dia o espectador já não pode com o 25 de Abril, a liberdade, os poemas, as historietas, as musiquetas, as imagens mil vezes vistas, o mau que era o 24, o bom que passou a ser no 25 e o melhor ou pior que é agora, bem como a longa lista dos has-been que neste dia renasce para a ribalta deles - e o nosso tédio.
Eis por que prefiro comemorar a data do título - julgo não estar só.
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