(Onde está o António-Pedro?)
Conheço gente que, nos dias em que Vasco Pulido Valente publica, começa o Público pela última página; e que diz, no fio das discussões: VPV acha que...; ou: Já leste o que diz VPV?
É um caso singular: nenhum outro colunista tem o mesmo grau de influência, há décadas a fio, sem filiações partidárias recentes nem amizades conhecidas, zurzindo com implacável ecumenismo personalidades do espaço público, da esquerda à direita, e sempre com um infalível faro para descortinar o interesse oculto, o raciocínio ínvio, a ignorância petulante e o ridículo, sobretudo o ridículo - das pessoas e das situações.
Muitas vezes faz paralelismos com o passado, explicando que somos o que somos e agimos como agimos porque temos uma História, que nos condiciona e nos faz, mais vezes do que a modernidade imagina, morder o próprio rabo, na roda infernal do País atavicamente atrasado e zangado consigo mesmo por isso. Tudo isto numa prosa em que, como uma marca registada muito difícil de copiar, diz muito com pouco - precisamente o oposto do que faz quem, por interesse, necessidade ou simples desejo de intervir, se manifesta no espaço público.
Esta, imagino que consciente e trabalhada, capacidade de condensação, faz com que tenha níveis de leitura: há a personalidade, o fait-divers, o caso do dia; pode haver o innuendo, a insinuação, a referência implícita; às vezes, a perspectiva histórica; e, no final, a moral da história, quando não a deixa para nós.
Neste plano é fácil granjear inimigos - basta que onde o caso ou a personalidade do dia sirva de pretexto para fundar uma certa visão das coisas se queira ver, ou não se vá além, da fulanização.
É o caso deste texto de António-Pedro Vasconcelos: é óbvio que VPV não estava a pensar nele - por que raio haveria de ser nele - quando escreveu o que escreveu sobre a RTP. Mas estava, evidentemente, a pensar em todos os que sairão materialmente prejudicados pela resolução do problema do sorvedouro de dinheiro que a RTP é - uma multidão, dentro e fora dela.
Que haja quem defenda com unhas e dentes a inevitabilidade do custo público de um serviço público cujo perfil aliás ninguém define, é perfeitamente legítimo; que António-Pedro Vasconcelos esteja em numerosa companhia, e nessa companhia haja gente de boa-fé e sem interesses de ordem material na manutenção do status quo - não é contestável.
Mas VPV é, na ordem civil, um opinion-maker de peso e um académico respeitado; e António-Pedro é, na mesma ordem - qualquer coisa. E não precisa de fazer grandes-planos sobre o seu umbigo; ficou a saber-se que é enorme.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais