«A “pouca vergonha”, a polémica, o “crime”, a “histeria” que por aí se se levantou a propósito da RTP põe a qualquer espectador responsável duas perguntas: “Quem está a discutir o quê?”. Para começar pela primeira, convinha saber quem é exactamente o sr. dr. António Borges. Não o currículo ou a idade da criatura, que toda a gente conhece, mas que espécie de autoridade tem, de quem depende e que influência exerce no que se chama ainda o governo português. O título que lhe deram – “consultor” – não adianta nada. Um “consultor” pode na prática mandar ou ser um melancólico ornamento que ninguém ouve e a que ninguém liga. A que espécie pertence o dr. Borges, com o seu arzinho “catedrático” e o seu part-time no “Pingo Doce”? Num caso, não vale o tempo que se perde com ele, no outro merece um exame democrático, que ninguém, por enquanto, se lembrou de fazer.
Digo isto por boas razões. Deste episódio da RTP ficou a impressão que os srs. ministros e o seu bando de “adjuntos” andam por aí à solta a disparatar sem regra e sem política, contando que, se por acaso se meterem num sarilho, o primeiro-ministro lhes virá pressurosamente salvar a pele. Foi o sr. Álvaro, foi o sr. Relvas e agora apareceu o dr. António. Ora, se os portugueses podem suportar com alguma paciência os “sacrifícios” da crise, não me parece que aturem durante muito tempo a desordem e a ambiguidade em que o governo vive. Pedro Passos Coelho precisa de arrumar a casa. Um problema relativamente simples como o da RTP não explica ou justifica quatro opiniões diferentes – do CDS, do dr. Borges, do indescritível Relvas (hoje na clandestinidade) e do velho lobby da extrema-esquerda e da extrema direita, que ressurge sempre nesta matéria. Toda a gente grita e o país pasma.
E toda esta gente grita porquê? Porque não quer que lhe tirem o “serviço público de televisão”? De maneira nenhuma. Desde de que me lembro (e conto com o tempo da Ditadura) nunca existiu em Portugal um “serviço público de televisão” e, para complicar as coisas, não existe também um único “iluminado” capaz de esclarecer sem retórica cultural e patrioteira o que é, na sua essência, um “serviço público de televisão”. Mesmo em Inglaterra já se põem dúvidas sobre a BBC. Aparentemente, só nós descobrimos, com uma certeza absoluta, do que na verdade se trata. E, como de facto, o que descobrimos não passa de uma fantasia (ou de saudosismo imperial), meia dúzia de extravagantes (geralmente para defender o seu emprego e o seu dinheiro) persiste em discutir o indiscutível.»
Vasco Pulido Valente, in Público - 1 de Setembro de 2012
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