Houve uma criatura que mentiu acerca do que Rui Ramos escreveu na "História de Portugal". E, com base naquilo que Rui Ramos não escreveu, chamou-lhe "fascista" e outros insultos.
Depois entraram os académicos (quase todos "cientistas sociais"), formaram-se as equipas, e instalou-se uma "polémica".
No jornal Público da passada quarta-feira, Fernando Rosas resolveu intervir. Pretendendo "situar a questão", pareceu-lhe "científica e civicamente relevante" discutir o que Rui Ramos escreveu sobre o século XX. Entre outras razões, porque "é um texto bem escrito" e "teve ampla divulgação". Diz que "no seu jeito de discurso do senso comum superficial e para o 'grande público', é um texto empapado de ideologia". Por fim alonga-se a argumentar, o melhor que pode, que o período da I República foi mauzote mas o período do Estado Novo foi tremendo.
Ao leitor desconcentrado, poderia parecer que "a questão", para Fernando Rosas, era apurar qual dos dois períodos da história portuguesa era o mais repugnante. Mas "a questão", para Fernando Rosas, está toda explicada nas afirmações salientadas (por mim) em itálico.
Ele sabe que esta "História de Portugal" é "um texto bem escrito". E diz que "teve ampla divulgação", uma maneira almofadada de lidar com as tiragens deste livro; a última vez que me informei, já tinha vendido 25.000 exemplares. É chato. Rui Ramos não é "de esquerda", Rui Ramos escreve bem, e Rui Ramos vende muitos livros.
Então Fernando Rosas tenta convencer-se, a ele e ao "grande público" (que eu tivesse dado conta, o jornal onde escreveu não é uma "revista da especialidade"), que Rui Ramos é "superficial".
É uma teoria genericamente aceite e com uma grande plateia, o que me espanta. Sempre que um autor academicamente respeitado é lido com prazer, os "colegas" dizem dele que é "superficial". E conseguiram vender a ideia de que um texto, para ser profundo, tem que ser ilegível - como os deles.
Fernando Rosas tem, pela sua posição académica, a obrigação de saber que isto não é verdade. A profundidade de uma ideia não se mede pelo grau da sua incomunicabilidade. Uma ideia é profunda quando é extraída, com uma pinça, do ponto mais fundamental do assunto que se está a estudar. Regra geral essa ideia, uma vez encontrada, é muito fácil de comunicar e um prazer de ler. Como acontece com Rui Ramos. Por isso se diz, dos estudiosos mais inteligentes, que depois de nos darem as respostas elas nos parecem óbvias. A melhor prova disso é a Matemática.
Mas nas "ciências sociais", bem como entre os "humanistas", tem vindo a desenvolver-se a prática oposta. Embrulhando uma teoria mal estudada numa redacção indecifrável (um exemplo que tenho encontrado com frequência é o uso da palavra "entropia", um termo científico com um significado específico, aplicado irresponsavelmente à crítica dos "fenómenos sociais"), o leitor sente-se de tal maneira asfixiado que desiste. A jogada seguinte é fácil (até porque o leitor tem boa fé, e está enfraquecido com o esforço); diz-se-lhe que não percebe porque não tem preparação.
Fernando Rosas termina (a "questão" que lhe interessa) dizendo que Rui Ramos escreveu "um texto empapado de ideologia". O termo "empapado" é bom, porque Fernando Rosas pretende afastar as pessoas da leitura (e pagamento) desse texto, e a própria palavra causa asco. Mas Fernando Rosas também sabe que não é possível escrever História sem ideologia. É possível, desejável, e difícil, escrever História sem preconceitos. Não está ao alcance de todos.
Eu termino questionando se é legítimo, e intelectualmente sério, alterar as palavras de uma pessoa para caberem no insulto que lhe queremos atirar. Foi daí que nasceu a "polémica". É esse o "debate de ideias" que eu não tenho paciência para aturar.
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