Sexta-feira, 7 de Setembro de 2012

Uma história crapulosa

 

 

Houve uma criatura que mentiu acerca do que Rui Ramos escreveu na "História de Portugal". E, com base naquilo que Rui Ramos não escreveu, chamou-lhe "fascista" e outros insultos.

 

Depois entraram os académicos (quase todos "cientistas sociais"), formaram-se as equipas, e instalou-se uma "polémica".

 

No jornal Público da passada quarta-feira, Fernando Rosas resolveu intervir. Pretendendo "situar a questão", pareceu-lhe "científica e civicamente relevante" discutir o que Rui Ramos escreveu sobre o século XX. Entre outras razões, porque "é um texto bem escrito" e "teve ampla divulgação". Diz que "no seu jeito de discurso do senso comum superficial e para o 'grande público', é um texto empapado de ideologia". Por fim alonga-se a argumentar, o melhor que pode, que o período da I República foi mauzote mas o período do Estado Novo foi tremendo.

 

Ao leitor desconcentrado, poderia parecer que "a questão", para Fernando Rosas, era apurar qual dos dois períodos da história portuguesa era o mais repugnante. Mas "a questão", para Fernando Rosas, está toda explicada nas afirmações salientadas (por mim) em itálico.

 

Ele sabe que esta "História de Portugal" é "um texto bem escrito". E diz que "teve ampla divulgação", uma maneira almofadada de lidar com as tiragens deste livro; a última vez que me informei, já tinha vendido 25.000 exemplares. É chato. Rui Ramos não é "de esquerda", Rui Ramos escreve bem, e Rui Ramos vende muitos livros.

 

Então Fernando Rosas tenta convencer-se, a ele e ao "grande público" (que eu tivesse dado conta, o jornal onde escreveu não é uma "revista da especialidade"), que Rui Ramos é "superficial".

 

É uma teoria genericamente aceite e com uma grande plateia, o que me espanta. Sempre que um autor academicamente respeitado é lido com prazer, os "colegas" dizem dele que é "superficial". E conseguiram vender a ideia de que um texto, para ser profundo, tem que ser ilegível - como os deles.

 

Fernando Rosas tem, pela sua posição académica, a obrigação de saber que isto não é verdade. A profundidade de uma ideia não se mede pelo grau da sua incomunicabilidade. Uma ideia é profunda quando é extraída, com uma pinça, do ponto mais fundamental do assunto que se está a estudar. Regra geral essa ideia, uma vez encontrada, é muito fácil de comunicar e um prazer de ler. Como acontece com Rui Ramos. Por isso se diz, dos estudiosos mais inteligentes, que depois de nos darem as respostas elas nos parecem óbvias. A melhor prova disso é a Matemática.

 

Mas nas "ciências sociais", bem como entre os "humanistas", tem vindo a desenvolver-se a prática oposta. Embrulhando uma teoria mal estudada numa redacção indecifrável (um exemplo que tenho encontrado com frequência é o uso da palavra "entropia", um termo científico com um significado específico, aplicado irresponsavelmente à crítica dos "fenómenos sociais"), o leitor sente-se de tal maneira asfixiado que desiste. A jogada seguinte é fácil (até porque o leitor tem boa fé, e está enfraquecido com o esforço); diz-se-lhe que não percebe porque não tem preparação.

 

Fernando Rosas termina (a "questão" que lhe interessa) dizendo que Rui Ramos escreveu "um texto empapado de ideologia". O termo "empapado" é bom, porque Fernando Rosas pretende afastar as pessoas da leitura (e pagamento) desse texto, e a própria palavra causa asco. Mas Fernando Rosas também sabe que não é possível escrever História sem ideologia. É possível, desejável, e difícil, escrever História sem preconceitos. Não está ao alcance de todos.

 

Eu termino questionando se é legítimo, e intelectualmente sério, alterar as palavras de uma pessoa para caberem no insulto que lhe queremos atirar. Foi daí que nasceu a "polémica". É esse o "debate de ideias" que eu não tenho paciência para aturar.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 03:47
link do post | comentar

Pesquisar neste blog

 

Autores

Posts mais comentados

Últimos comentários

https://www.aromaeasy.com/product-category/bulk-es...
E depois queixam-se do Chega...Não acreditam no qu...
Boa tarde, pode-me dizer qual é o seguro que tem??...
Gostei do seu artigo
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mai...

Arquivos

Janeiro 2020

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Links

Tags

25 de abril

5dias

adse

ambiente

angola

antónio costa

arquitectura

austeridade

banca

banco de portugal

banif

be

bes

bloco de esquerda

blogs

brexit

carlos costa

cartão de cidadão

catarina martins

causas

cavaco silva

cds

censura

cgd

cgtp

comentadores

cortes

crise

cultura

daniel oliveira

deficit

desigualdade

dívida

educação

eleições europeias

ensino

esquerda

estado social

ética

euro

europa

férias

fernando leal da costa

fiscalidade

francisco louçã

gnr

grécia

greve

impostos

irs

itália

jornalismo

josé sócrates

justiça

lisboa

manifestação

marcelo

marcelo rebelo de sousa

mariana mortágua

mário centeno

mário nogueira

mário soares

mba

obama

oe 2017

orçamento

pacheco pereira

partido socialista

passos coelho

paulo portas

pcp

pedro passos coelho

populismo

portugal

ps

psd

público

quadratura do círculo

raquel varela

renzi

rtp

rui rio

salário mínimo

sampaio da nóvoa

saúde

sns

socialismo

socialista

sócrates

syriza

tabaco

tap

tribunal constitucional

trump

ue

união europeia

vasco pulido valente

venezuela

vital moreira

vítor gaspar

todas as tags

blogs SAPO

subscrever feeds