Ponhamos de lado o Lehman Brothers, as dezenas de pequenos bancos deixados falir, as condenações americanas nos casos de polícia, a crise do sub-prime e o que ela desencadeou. Tudo chegou cá, e ajudou a fazer os estragos que ainda não reparámos.
Mas os nossos bancos, se não andaram embrulhados na organização de pacotes de lixo imobiliário e de futuros, nem por isso deixaram alegremente de embarcar no crédito à habitação e ao consumo, além do financiamento da dívida pública, dos concessionários das PPPs e quanto delírio desenvolvimentista nos trouxe onde estamos. E ainda que os incentivos do Estado e da taxa de juro associada ao Euro recomendassem a prática, no caso da habitação e do consumo; e que o poder de coerção do Estado, nos restantes, desse garantias de alguma segurança:
Não era difícil perceber que tarde ou cedo emprestar dinheiro aos empregados das empresas para comprarem apartamentos e plasmas, ao mesmo tempo que o crédito era negado a quem lhes pagava os ordenados, não podia acabar bem; e só muita desatenção, tráfico de influências e ignorância da História, justificavam as compras de dívida pública, tanto da nossa como, pasme-se, a de outros, inclusive gregos.
Cabe perguntar então como é possível que tanta gente de fato às riscas, bom corte de cabelo e economês emproado, assessorada por tanto académico albardado de diplomas, pôde ser tão inacreditavelmente estúpida.
Haverá decerto muitas explicações. A principal, para mim, é que todo o banqueiro sabe, entre nós, que não pagará o pato: entre garantias e avales do Estado, favores de intermediação com o BCE, extorsões várias com a bênção do Banco de Portugal, e abundância da procura, sempre o prémiozinho à gestão será confortável. E com a certeza de que o pavor do risco sistémico levará a que de uma forma ou outra o Estado ponha a mão por baixo, fica completo o quadro da irresponsabilidade que recomenda o comportamento aventureiro, privilegiando o curto-prazo.
Numa PME, as regras são simples: Falhas? Então tens bandeiras pretas à porta, os trabalhadores a chamarem-te ladrão, os sindicalistas a darem entrevistas e os intelectuais da gestão e da economia confirmados no seu desprezo dos empresários de vão-de-escada.
No banco tens, na pior das hipóteses, um pára-quedas dourado. Podes ser cooptado para um conselho de administração, ir fazer consultadoria, ser requestado para entrevistas, fundar empresas, ou simplesmente gozar a vida.
Se, para não dar o triste pio, aceitares apoio público, nem precisas de estar grato: basta que te queixes do preço, substancialmente inferior ao que cobras à inesgotável clientela. E podes, com segurança e pesporrência, vir para a praça pública abundar em considerações sobre sacrifícios, inevitabilidades e medidas.
Não há o risco de falta de aplausos: os banqueiros costumam falar apenas onde o aplauso esteja garantido. E não há o risco de pessoas como eu estarem na plateia - as pessoas como eu não vão ouvir discursos de banqueiros, a menos que lhes convenha fingir que ignoram que farinha é aquela.
Mas, pelos vistos, há o risco de, por acaso, estar na plateia quem, porventura não pensando o que eu penso, nem por isso tenha paciência para aturar vaidosos, inconscientes e arrogantes. E não hesite em dizê-lo.
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