Sexta-feira, 7 de Dezembro de 2012

Persistir no erro, evidentemente

 

 

Há uns dias, numa entrevista à televisão, o Primeiro-Ministro disse que o nr. 2 do Governo era "evidentemente" o Ministro das Finanças. E quando lhe perguntaram pelo "parceiro" de coligação, respondeu que Paulo Portas era o nr. 3. A Lei Orgânica do Governo, publicada a 12 de Julho de 2011, confirma.

 

Não está, como é natural, nos hábitos dos portugueses ler o Diário da República. Nem interessa, neste momento, o aspecto jurídico do problema. Interessa o significado político desta afirmação, de cuja substância já toda a gente desconfiava. O que as pessoas perceberam agora, algumas com espanto, foi a naturalidade com que o Primeiro-Ministro persiste no aborto que criou.

 

Se houvesse jornalismo em Portugal, o "detalhe" tinha feito um escândalo no dia em que se conheceu a constituição do Governo. O que agora veio a ser do conhecimento público é um erro grosseiro e um ataque à democracia.

 

Em caso de coligação, os dirigentes máximos de cada partido têm obrigação, perante o eleitorado, de ser os principais responsáveis pelo Governo que formam. Ninguém elegeu o Ministro das Finanças. Vítor Gaspar é um funcionário, e sobre ele deviam ter autoridade Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Por esta ordem.

 

Estava escrito que isto tinha de azedar. De resto, azedou no passado; o erro repete-se, com mais gravidade. Como se não bastasse a este Governo ter a oposição exterior, inflacionada pelas presentes circunstâncias, ainda conseguiu arranjar-se para ofender o seu próprio eleitorado. É legítimo que quem votou no CDS se sinta ofendido pela submissão de Paulo Portas a um técnico contratado. Esta submissão nunca é exclusivamente "formal", porque (como ficou provado) a forma é indissociável do conteúdo. Por maioria de razão, é legítimo que quem votou no PSD se sinta humilhado de ver o primeiro-ministro subordinado a um funcionário. Resta que nenhum destes "detalhes" será indiferente no apuramento de responsabilidades, que não poderão ser atribuidas a quem, formalmente, não as tem.

 

Não vem ao caso a proporcionalidade dos votantes em cada partido (podia ser de 1 para 9 sem abalar o conceito: se o partido mais pequeno lá está é porque o partido maior precisou dele). O Ministro das Finanças é um "funcionário", na medida em que são "funcionários" todos os membros do Governo quando não foram eleitos. Independentemente da sua contratação corresponder ou não a uma opção política. Não faço parte do coro de "críticos" que lhe apontam a "burocracia" e a "tecnocracia" como pecados principais. Efectivamente, nem lhe aponto pecado nenhum; mais do que fazer o papel dele, está a fazer o de Primeiro-Ministro - por delegação de competências. A ideia de "responsabilidade piramidal" impede-me de me referir a ele. Porque ele, perante o eleitorado, não é ninguém.

 

A centralidade da pasta das Finanças justifica-se sempre na articulação com os restantes Ministérios. Agora tanto ou mais do que no passado. Nunca se justifica a sua sobreposição aos responsáveis políticos. Agora mais ainda do que em qualquer Governo anterior.

 

Todas as alterações ao Memorando têm sido negociadas ao nível do Ministro das Finanças com os funcionários da "troika". Muitas delas já deviam ter sido negociadas a um nível superior. E Paulo Portas, enquanto representante máximo do segundo partido da coligação, tinha o dever e a obrigação de estar envolvido nelas. É grave que Paulo Portas não tenha sido ouvido no que estas negociações têm de fundamental, porque delas depende a liberdade do Governo para decidir sobre a vida do país. O eleitorado não tem ferramentas institucionais para responsabilizar politicamente um Ministro das Finanças que não depende do seu voto. Paulo Portas não pode ser responsabilizado pelas decisões de um Ministro que lhe é hierarquicamente superior.

 

Esta história não vai, evidentemente, ficar por aqui. Paulo Portas não deve a sua formação política à escola da JSD. A "carta fechada" que vai enviar à "troika" com as suas recomendações mostra que as responsabilidades que aceitou perante o eleitorado não lhe são indiferentes.

 

O tempo dirá quem tinha razão. Como sempre acontece em política.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 02:34
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1 comentário:
De murphy a 7 de Dezembro de 2012 às 17:20
Nesta, como em outras discussões, a comunicação social portuguesa, infelizmente, é parte do problema quando deveria ser parte da solução.

http://jornalismoassim.blogspot.pt/

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