Não sabemos se o nome dele é, de facto, Artur Baptista da Silva. Apresentou-se como Economista, coordenador de um observatório das Nações Unidas, consultor do Banco Mundial, doutorado e docente numa universidade americana que não existe (Milton Wisconsin University?). Bateu à porta de uns sindicatos, onde não lhe deram crédito. João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços, "recebeu em mão algumas páginas" de um "estudo" sobre a crise em Portugal e convidou-o para ser orador numa conferência no Grémio Literário.
Não chegou de Saturno: aparentemente, o Baptista chegou de um processo na justiça portuguesa, em que foi condenado por burla a uma empresa onde trabalhava nos anos 80. Detalhe que passou despercebido ao cocuruto do nosso jornalismo, que se apressou a consultar as suas opiniões sobre a crise em Portugal (com ênfase nas "consequências sociais" da aplicação do "programa de ajustamento"). Foi entrevistado por vários jornais, rádios, e estações de televisão, e o Baptista transformou-se rapidamente numa referência incontroversa.
Falava sempre em nome da ONU; "nós" isto, "nós" aquilo, e foi assim que Nicolau Santos redigiu fundamentados artigos de opinião que publicou no Expresso, repreendendo o governo português por não saber quem era o Baptista e por não dar a devida atenção aos experimentados "alertas" que o Baptista emitia.
Não satisfeito, Nicolau Santos quis dar a devida projecção ao génio que a ONU lhe mandava entregar em casa, e convidou o Baptista para o "Expresso da Meia-Noite" a fim de que todos os portugueses ficassem cientes daquilo que os seus pastores insistiam em ignorar, na maior irresponsabilidade. Durante cinquenta minutos, Nicolau Santos interrogou o Baptista, concentrou-se no que ele disse, debruçou-se encantado sobre as frases do Baptista, e (segurando o queixo que se lhe soltava de admiração) esclareceu o país.
Emitido o programa, varridos os estúdios da SIC, e resguardadas as suas instalações dos olhares ainda perplexos dos telespectadores, alguém desconfiou. Resolveu fazer uma pesquisa no Google e meia dúzia de telefonemas. Concluiu (e duvido que tenha demorado mais de meia hora) que, tanto na ONU como no Banco Mundial, ninguém tinha ouvido falar no Baptista, o observatório não existia, e nunca tal "estudo" tinha sido feito.
Há muito tempo que o jornalismo "especializado em assuntos económicos" não se recomenda pela sua lucidez e seriedade. Mas dificilmente se esperava que, em menos de 48 horas e pela quadra do Natal, nos fosse oferecida a revelação de um rematado farsante. Não me refiro ao Baptista.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais