O nosso pano de fundo é simples: A dívida pública continuará a crescer enquanto houver um Euro de défice. E como o País está ligado à máquina, o dono dela impõe as suas regras, que são simples - apertem o cinto, desliguem a luz, emigrem, vão plantar batatas ou pedir para as esquinas, mas mais arame não, que o nosso apoio é um negócio, não uma obra de beneficência.
Depois vêm as complicações: ai o que interessa não é o que devemos, é a capacidade de ganhar para pagar - precisamos de crescer; ai se a gente não tivesse que pagar juros, ou eles fossem reduzidos, e pudéssemos pagar mais devagar - 30, 40, 50 anos - a coisa nem se notava; ai Chefe, não somos só nós, há por aí uma quantidade de caloteiros potenciais que estão a assobiar para o lado, a fingir que não vão pelo mesmo caminho. E como são muito maiores do que nós, ou o Chefe se põe manso ou nós damos com os burros na água e atrás de nós vão eles - e aí é o Chefe que também afunda, que não há que chegue para tanto caloteiro; ai que precisamos é de restaurar a agricultura, e a indústria, e as pescas, e olhar o mar - o mar das 200 milhas, do qual a República Checa tem grande inveja.
As complicações são, como a palavra deixa entender, complicadas. Há quase quatro décadas que o País vinha perdendo velocidade, até que parou e, de momento, está fazendo marcha-à-ré. A cornucópia dos biliões da defunta CEE, a massiva "aposta" na educação, na formação profissional, nos equipamentos públicos (Depósito de Água de Belém, Caixote Musical do Porto, Exposição de Masturbações 98, estádios do Euro, Pavilhões Multi-Calotes por todo o lado, et j'en passe) deram: a "geração mais bem preparada de sempre", presentemente a enriquecer com o seu trabalho outras paragens; a indústria dos subsídios para disfarçar o desemprego, alimentar empresas, umas inúteis, outras falidas, outras que não necessitavam de qualquer apoio, e ainda para sustentar gabinetes, centrais sindicais e outros luxos; e a erecção de monumentos e a promoção de eventos ligados à Cultura, ao Desporto, ao Lazer, tudo "investimentos" públicos que se distinguiram - e distinguem - pela característica um tanto contraditória de gerarem despesas e não retorno.
O Plano Marshall, que algumas almas puras reclamam do Altíssimo, resolvia sem dúvida os nossos problemas, por mais uma geração. Já o investimento público de alguns lunáticos da extrema-esquerda, e de alguns cínicos do PS, mesmo que fosse viável, seria mais do mesmo: eles são os mesmos, e nós também.
A ideia de fazer finca-pé na redução dos juros não é má. Tem o defeito de, como aqui se explica, não resolver nada. O reescalonamento tem uma qualidade e dois defeitos: a qualidade é o alívio das nossas dificuldades; os defeitos são o adiar da reforma do Estado e propiciar o regresso às fantasias que nos trouxeram aqui. Não dão algumas sondagens a maioria ao PS? Quod erat demonstrandum.
Para a ideia de estourar com tudo, forçando a mão à UE, requerer-se-ia um governo dos comunistas, uma ditadura nacionalista, ou a consciência difusa de que o Euro e a UE fazem parte dos nossos problemas, não das soluções. Não há povo, e menos ainda classe dirigente, para nada disso.
O mar está aí, bem vivo nos discursos. E requer investimento privado, que o Estado afugenta, ou investimento público, para o qual felizmente não há crédito. Vai continuar nos discursos, o lugar natural das irrelevâncias.
Resta o lamentável Governo que está. Pusilânime e promíscuo com interesses ilegítimos, liberal na medida em que lhe forçam a mão, hiper-intervencionista na economia, completamente alheio à realidade das pequenas empresas, sem ter sequer a humildade de as deixar em paz, intrometido nas casas e nas vidas das pessoas, recheado de personagens, desprezíveis umas, ignorantes outras, revoltantemente subserviente às luminárias europeias, e não apenas na medida da necessidade - chega?
Chega. Porque quem não tem cão caça com gato; e, dadas as alternativas, atrás de si viria quem de si bom faria. Entretanto, no que à sorrelfa quase toda a gente aposta é que a Europa descalçará esta bota. É o bom que tem ser empregado: o verdadeiro responsável é o patrão.
Escusam assim alguns blogueiros que são ou se imaginam de direita de se absterem de verberar o que vejam como erros, omissões e defeitos - não fazem trabalho útil nem são necessários, o que tiver que ser será. E, para todos, um módico de humildade aconselharia a não dar como adquirido que o caminho dos cortes na despesa pública, sem mais, proporcionará as condições para o crescimento antes de o País estar num caco. Essa certeza, na qual gostava de acreditar sem reservas, tem a virtude de ser a oposta da fé esquerdista na capacidade demiúrgica do Estado. Mas o oposto do erro não é necessariamente o acerto: há muitas maneiras de errar. E de certezas de economistas só os insensatos não estão fartos.
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