Quinta-feira, 24 de Janeiro de 2013

Amy Martin

 

 

Carlos Mula acaba de se notabilizar. Não pelos adornos académicos, que são muitos (e dos bons: Cambridge e Columbia inclusive). Também por cá temos disso com fartura. Nem por ser um dos "especialistas" do FMI que elaborou o nosso admirável relatório. Em seis, um era este; outro era filho de um ex-ministro português (que, de resto, se apressou a elogiar-lhe o trabalho como compete a um pai extremoso).

 

Carlos Mula tampouco se distinguiu por ter trabalhado directamente com Zapatero, redigido o programa eleitoral do PSOE para as últimas eleições, ou ser "participante" na campanha "A Austeridade não está a Funcionar" (um movimento "pan-europeu" que se proclama "pró-crescimento económico"). Qual é o espanto? Um socialista a impingir soluções "ultra-liberais"? Era preciso que as "soluções" constantes do dito relatório fossem "ultra-liberais". Não são; algumas são sensatas (poucas), outras são inaplicáveis (muitas), outras ainda são ridículas (aumentar 1 ano na idade da reforma?), e quase todas se baseiam na comparação de números incomparáveis. Por isso o relatório não é "ultra-liberal", é só bastante-parvo. E um socialista não se destaca por ajudar a conceber um documento bastante-parvo.

 

Carlos Mula dirigia uma fundação, pertencente ao PSOE, e considerou que o seu salário não correspondia às suas aspirações. Começou por inventar uma escritora e baptizá-la com o bonito nome de Amy Martin. Depois pediu à mulher que lhe registasse a "marca comercial" e desenhasse um logotipo para os textos da senhora.

 

Esta parte correu muito bem. O logotipo actualiza o "Homem Vitruviano", pelo expediente de transformar a figura de Leonardo da Vinci na "Colunista Despachada" de proporções ideais, dioptrias adequadas, oxidação nórdica, e guarda-roupa formal para as cerimónias de tomada de decisão. Em tonalidades cor-de-rosa, para afirmar que o sexo da colunista (sendo identitário) é indiferente aos directores da Fundação Ideas, podendo tratar-se de um travesti.

 

A seguir "contratou" a sua menina para escrever redacções sobre temas sortidos, que iam desde a indústria cinematográfica da Nigéria, à central nuclear de Fukushima, à crise na zona Euro, ou à "medição da felicidade" (não inventei). Amy Martin era, como o logotipo fazia suspeitar, um crâneo renascentista capaz de desenvolver dissertações sobre um leque vastíssimo de assuntos. Desde que devidamente compensada a cerca de 3.000 euros por artigo.

 

Entre 2010 e 2011, a contazinha em opiniões atingiu 50.000 euros. Tudo com facturas detalhadas, caracter por caracter. Surpreendentemente, quiseram conhecer a senhora.

 

Carlos Mulas não forneceu mais do que um endereço electrónico e um número de telefone registado nos Estados Unidos. Nunca apareceu um currículo, nem outras obras da criatura. O estupendo economista disse que estava "convencido que Amy Martin era uma analista política", mas "só a tinha visto uma vez". Sobre os honorários, Carlos Mula informou que "não se ocupava desses assuntos na fundação", e que "desconhecia que tabelas se lhe aplicavam". O que fazia sentido, uma vez que alguns dos "trabalhos" de Amy Martin coincidiam com outros publicados pelo próprio Carlos Mula.

 

Descoberta a solução de Carlos Mula para o impasse do seu orçamento pessoal, a Fundação Ideas tratou de o despedir. Suponho que o seu nome contribui, neste momento, para embelezar as estatísticas do desemprego espanhol.

 

Sem se atrapalhar, considerou que era suficiente tirar uma rúbrica daqui, para a acrescentar ali, os "comprovativos" não eram um problema. E foi nesta mundividência alargada que Carlos Mula desprezou qualquer conhecimento dos meios jornalísticos. Se tivesse partilhado o seu plano de "ajustamento" com o primeiro estagiário que encontrasse, mesmo com o colégio por acabar, ficaria apetrechado com a noção de que não valia a pena inventar um colunista. Porque se fosse bera, não lhe pagavam 3.000 euros por artigo. E se fosse bom, iam querer conhecê-lo.

 

O conhecimento dos meios sobre os quais fazem incidir os seus magníficos "planos" não é um costume frequente nesta raça de profissionais. Em matéria de vigaristas, estamos mais bem servidos que os espanhóis: os nossos, em lugar de despedidos, são promovidos.

 

Recomenda-se portanto este mamífero pela estupidez e incompetência que mostrou no desempenho da sua fraude, de natureza puramente contabilística. Carlos Mula é uma brincadeira. É a vergonha dos vigaristas, mesmo na classe mais rasteira dos falsificadores de documentos.

 

Por isso não se entende a insistência em contratar profissionais estrangeiros para nos escreverem os relatórios. Os portugueses têm sido sujeitos a sacrifícios duríssimos. Um módico de caridade obrigava à contratação de vigaristas sérios.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 04:40
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