Para o primeiro post nesta ilustre casa, tinha de escolher matéria pacifica. Vai daí, e porque ainda ontem abri mão de duas horas e de mais de um conto e duzentos, falarei sobre o filme da polémica: Zero Dark Thirty.
Kathryn Bigelow fez um filme muito competente, onde nos conta tudo, desde o high tech, até às simulações de afogamento. Conta-nos todos os passos que foram dados para chegar a Ben Laden. Todos os passos que tomaram conta da vida da mulher que o perseguiu e o encontrou.
Perante isto, perante a história e os factos que a compõem, apareceu Naomi Wolf, um misto de Carla Alves e Maria Teresa Horta com uma cara laroca, ícone liberal das élites democráticas, que vem a público desfazer Bigelow.
Em modo epistolar, lança-se como um lobo à carótida de Bigelow. Chama-lhe a Riefenstahl da administração Bush e dos poderes ocultos. Acusa-a de serva da tortura e dos agentes que a praticaram. Julga-a sumariamente por colaboracionismo com a CIA, os militares, os poderes ocultos e o pior de tudo: os Republicanos.
Não escondo a minha preferência pelos Democratas, nem o meu entusiasmo por Obama, malgré tout. No filme, as mudanças políticas são bem retratadas, são encaradas tal qual são: o tempo traz a sucessão de diferentes tempos políticos, e o de Obama é necessariamente diferente do de Bush, o mundo é diferente em Obama. Bigelow constata este facto, mostra-nos uma administração escaldada pela "armas de destruição massiva no Iraque", mais prudente, mais insegura na aproximação, mais observada por um mundo que já guardou na gaveta da história o horror do 9/11. Obama e os seus homens são aqui muito bem tratados. Não percebo o problema de Wolf.
A tortura domina o inicio do filme, do processo. Deu resultado. A crueza com que nos é mostrada é semelhante à Paixão de Gibson; não é um filme para os mais sensíveis. A componente multifacetada da relação inquiridor-torturado é muito bem explorada e em momento algum somos empurrados para a simples dialética do bom policia e do bandido.
Entre outras coisas, se há uma particularmente bem sucedida no filme, é despertar-nos o dilema moral e ético da tortura. Não é a situação fácil do inocente torturado, mas a dificuldade do confronto intimo de cada um de nós com a eficácia da tortura.
Wolf não quis ver nada disto, aliás, não quis ver nada; quis pendurar-se num enorme sucesso e ser falada às suas custas.
Mas Wolf tem virtude no que faz, lembra-nos que não é só neste rectangulozinho nosso que há gente assim, lembra-nos que na vida para cada Sarah Palin há uma Naomi Wolf.
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