As conversas são, tradicionalmente, uma forma de aproximar as pessoas. É preocupante concluir que, de há uns tempos a esta parte, as pessoas deixaram de saber conversar.
Começa logo na escolha do tema. Se excluirmos a bajulação e a intriga, não me lembro de mais nenhum que possa interessar. Por exemplo: a dívida. É um tema excelente, capaz de entusiasmar uma mesa com muitos convidados, se tratarmos de esmiuçar a dívida do Adérito, do Mendonça ou da Raquel, e desde que essa dívida tenha sido contraída na sequência de um processo de divórcio, de chantagem, de favores políticos ou de rinoplastias particulamente complexas. Se o endividado estiver presente, melhor. Mas atenção, convém ser específico: se a dívida for "dos portugueses" ou "dos madeirenses" a conversa tende a perder o viço. Até pelas razões da dívida, como veremos a seguir.
É absolutamente indispensável, para que a conversa seja fecunda, que a dívida em questão tenha origens humilhantes. Se um país inteiro se endividou porque passou trinta anos a curtir mordomias pagas pelos alemães, isso não é motivo de humilhação. É motivo de orgulho e até de bravata porque, qualquer europeu percebe imediatamente, se trata de um país de rapaziada bem disposta, despreocupada, e que sabe apreciar o que a vida tem de prazenteiro. Acima de tudo, trata-se de um país de gente urbana e sedutora - ingredientes sem os quais nenhum vigarista consegue uma carreira digna desse nome. Pelo que a dívida pública não tem qualquer interesse, num jantar ou num debate televisivo, e era bom que os membros do governo tomassem nota deste facto.
Não há nada mais grosseiro do que uma conversa à qual seja necessário prestar atenção. Suponhamos que o dr. Passos Coelho pretende bajular as audiências dizendo-lhes que os portugueses não alinham em escolas manhosas, porque preferem que os seus filhos tenham uma educação exigente em vez de gastarem o tempo e o dinheiro em aulas de cidadania, de ballet, de expressão artística ou outra pieguice qualquer. Tem que chegar ao estúdio e dizer esta frase, assim tal e qual, toda direitinha. Não é esperar pela inauguração de um edifício tremendo, armado de um sistema de ar condicionado de tal maneira complexo que ninguém o sabe ligar, com as janelas todas bloqueadas em nome da segurança das crianças e equipado com os candeeiros mais caros do mercado, e fazer, com a testa luzidia e o buço perlado de suor, um discurso de uma hora e vinte minutos que nenhum português tem paciência para acompanhar.
Uma conversa em condições é aquela em que estamos a tratar de assuntos que são importantes para nós; como empernar com um administrador da Parpública que está sentado do outro lado da mesa, ou investigar para que lado é que os empregados do restaurante arrumam os seus orgãos genitais.
Pior do que conversar com alguém, é prestar atenção ao que alguém nos diz. Isso vai dar-lhe a sensação de que estamos interessados na conversa. No caso de se tratar de um político, de um comentador, de um banqueiro ou de um "agente cultural", o equívoco é particulamente grave porque nos tornamos coniventes com a dimensão que estes egos atingem, e quando menos esperamos temos o país em peúgas.
Por isso o verdadeiro patriota, com sensatez e com berço, nem deve olhar para a pessoa que fala com ele. A atitude certa é virar as costas e deixá-la a falar sozinha. Caso não seja possível, devemos agarrar no iPhone, ligar ao facebook com um perfil falso, e passar o resto do serão a marcar encontros com os filhos das nossas amigas. Desta maneira, garantimos uma série de frustrações e atritos domésticos que, como se sabe, contribuem para o "processo de estruturação" de qualquer adolescente. E asseguram um número conveniente de postos de trabalho aos psicólogos, sociólogos, assistentes sociais, pedagogos, pedo-psiquiatras e toda esta espécie de profissionais que, de outro modo, ninguém estaria na disposição de pagar.
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