Quarta-feira, 10 de Abril de 2013

Flores do nosso jardim

 

 

Ganhou o "Prémio Sir Geoffrey Jellicoe" para as sumidades "paisagísticas" que, aparentemente, "corresponde ao Nobel" da especialidade. Compreende-se porquê.

 

Primeiro vejamos em que medida é que Gonçalo Ribeiro Telles "moldou de forma significativa a capital portuguesa e a área metropolitana". Na década de 60, colaborou com António Viana Barreto no desenho dos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian. Na década de 90, concebeu o Jardim Amália Rodrigues, a norte do Parque Eduardo VII.

 

Há uns meses inaugurou uma ciclovia, mais um "investimento" do dr. António Costa que alcança a proeza inestimável de ligar a Penitenciária de Lisboa a lado nenhum que faça parte dos percursos habituais (ou necessários) dos lisboetas. Chamaram-lhe "Corredor Verde". Esta "estrutura ecológica" inclui "duas pontes ciclopedonais", "parque hortícola", "três quiosques" e muita brincadeira "saudável". O que ninguém se atreveu a conceber, para nossa vergonha, foi uma obra que transformasse o Parque Eduardo VII (a mais feia e orgulhosa representação cénica do fascismo que o dr. Salazar conseguiu construir) num jardim que os lisboetas pudessem usar. É uma concepção de "ambiente" legítima. Mas inútil, caríssima, e que não subscrevo.

 

Temos portanto, até agora, dois jardins (separados por 30 anos) e uma ciclovia. E teríamos também as famosas "hortas urbanas" que Ribeiro Telles queria impôr por regulamentação autárquica, obrigando cada lisboeta, por força de lei, a converter-se num hortelão. A ideia foi abandonada devido à "incultura" dos portugueses.

 

De seguida temos a "obra" do filósofo fora de Lisboa, quanto a mim mais importante. A parte substancial foi a criação da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e da Reserva Ecológica Nacional (REN), os dois intrumentos de "gestão territorial" que mais ajudaram a corrupção e mais mal fizeram ao país.

 

A RAN absteve-se de contribuir para o desenvolvimento da agricultura. Os números e as áreas exploradas falam por si. Mas a REN foi bem mais longe.

 

Explico como. O terreno do sr. Lopes era abrangido pela mancha de REN no Plano Director Municipal (PDM) de Santiago da Trafulheira. De acordo com a legislação da REN, o sr. Lopes não podia fazer absolutamente nada no seu terreno, a não ser observar as garças de bico peludo a chegar, a partir, e a gritar. Além disso, o terreno dava-lhe despesas por obrigações legais de manutenção (impostos, taxas municipais, desmatização, etc.). Neste contexto, o terreno do sr. Lopes valia 0 euros. O sr. Raposo, depois de umas reuniões com o vereador do urbanismo, e umas patuscadas com o presidente da Câmara, comprava o terreno do sr. Lopes por 10 mil euros. Esperava-se uns meses, fazia-se uma revisão do PDM e o terreno do sr. Lopes, agora do sr. Raposo, passava a fazer parte da mancha de Zona Urbanizável. Não vale a pena escrever o que acontecia ao preço desse terreno, e como era repartido.

 

Isto aconteceu no país inteiro, ao longo de décadas da nossa "democracia" e desde que as "autoridades" se tornaram "conscientes" dos problemas "ecológicos". Imagino que o mestre, agora premiado, não tivesse este objectivo. Mas as acções que propomos, e que conseguimos ver impostas, não são indissociáveis dos resultados que produzem. E em todos estes anos não me lembro de ouvir Ribeiro Telles levantar um dedo para corrigir a situação, arrepiando caminho e propondo, na autoridade do seu "prestígio", a remoção destes dois cancros urbanísticos.

 

Porque será então que foi premiado?

 

Ribeiro Telles fundou, em 1957 e com Francisco Sousa Tavares, o Movimento dos Monárquicos Independentes (mais tarde Movimento dos Monárquicos Populares). Sendo a primeira figura que (à "direita") se opôs claramente ao salazarismo (inclusivamente, apoiando em 1958 a candidatura de Humberto Delgado), tornou-se apelativo para todos os políticos "de direita" que pretendiam implantar-se no novo regime, num panorama ainda dominado pelas insanidades do PREC. A passagem pela AD de Sá Carneiro não tem outra justificação.

 

Depois disso, umas evidências técnicas elementares (como o "combate" à construção nos "leitos de cheias") e uma causa panfletária (o "ambiente") bastaram para que nunca mais ninguém o arrancasse das salas de conferências.

 

Gonçalo Ribeiro Telles ganhou um prémio "comparável" ao Nobel. Como já vimos, não o ganhou pela vastidão da sua obra construída. Nem pela pertinência das suas teorias. Não é o Capability Brown português, nem o André Le Nôtre dos nossos monárquicos.

 

Gonçalo Ribeiro Telles foi premiado por razões puramente políticas, e apesar dos interesses de Portugal.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 23:15
link do post | comentar

Pesquisar neste blog

 

Autores

Posts mais comentados

Últimos comentários

https://www.aromaeasy.com/product-category/bulk-es...
E depois queixam-se do Chega...Não acreditam no qu...
Boa tarde, pode-me dizer qual é o seguro que tem??...
Gostei do seu artigo
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mai...

Arquivos

Janeiro 2020

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Links

Tags

25 de abril

5dias

adse

ambiente

angola

antónio costa

arquitectura

austeridade

banca

banco de portugal

banif

be

bes

bloco de esquerda

blogs

brexit

carlos costa

cartão de cidadão

catarina martins

causas

cavaco silva

cds

censura

cgd

cgtp

comentadores

cortes

crise

cultura

daniel oliveira

deficit

desigualdade

dívida

educação

eleições europeias

ensino

esquerda

estado social

ética

euro

europa

férias

fernando leal da costa

fiscalidade

francisco louçã

gnr

grécia

greve

impostos

irs

itália

jornalismo

josé sócrates

justiça

lisboa

manifestação

marcelo

marcelo rebelo de sousa

mariana mortágua

mário centeno

mário nogueira

mário soares

mba

obama

oe 2017

orçamento

pacheco pereira

partido socialista

passos coelho

paulo portas

pcp

pedro passos coelho

populismo

portugal

ps

psd

público

quadratura do círculo

raquel varela

renzi

rtp

rui rio

salário mínimo

sampaio da nóvoa

saúde

sns

socialismo

socialista

sócrates

syriza

tabaco

tap

tribunal constitucional

trump

ue

união europeia

vasco pulido valente

venezuela

vital moreira

vítor gaspar

todas as tags

blogs SAPO

subscrever feeds