Mário Soares em entrevista ao I que sairá este fim-de-semana:
“Cavaco devia lembrar-se da história do século xx. Por muito menos que isto foi morto o rei D. Carlos”
Dizer que isto é uma afirmação grave é um eufemismo. O que Soares diz é de uma gravidade tremenda. E não apenas porque Cavaco Silva representa a mais alta instituição da nação. Sobre qualquer outra pessoa, o mais comum dos cidadãos, dizer o mesmo configura uma clara ameaça e um incentivo fortíssimo a que algum louco pegue num instrumento letal e realize a afirmação do ex-Presidente. Sim. Ex-presidente, o que significa uma adicional responsabilidade de Soares, um homem que ainda hoje representa todos os portugueses, e além disso é amplamente repercutido pela comunicação social.
Dúvida: o que Soares diz configura crime? Provavelmente sim, e poderá ser considerada uma ameaça à integridade física?
Do Código Penal:
Artigo 153.º - Ameaça
1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.
Mas não há quem, no séquito de apoiantes de Soares, o chame à razão e lhe faça ver que está claramente a exagerar, correndo o risco enorme de inflamar ainda mais a opinião pública num momento tão crítico para o país? E se a resposta da oposição a Soares for no mesmo estilo? E se amanhã começarem a pedir a cabeça de Soares pela sua incoerência histórica, primeiro-ministro de austeridade em 83 que levou uma estalada de operários em público, e agora o maior opositor à austeridade praticada por outro governo? Bem sei que Soares tem pouco a perder dada a avançada idade mas, um pouco de juízo e cabeça fria, estaria na altura de recuperar.
Disclaimer: acho Cavaco Silva um péssimo presidente, acho que foi um mau primeiro-ministro e não penso defendê-lo nas suas acções. Penso apenas que há limites para o que se pode dizer em democracia e Soares está a infringi-los clara e repetidamente em plena impunidade.
A impunidade de alguns protegidos do regime é o contrário de democracia e mesmo a um ancião venerando deve exigir-se o respeito pelos valores por que tantos lutaram e alguns deram a vida.
Mário Soares: por favor, comporte-se, se não por iniciativa de consciência própria, pelo menos por respeito, para com todos os portugueses.
(Nunca me passou pela mente, puxar as orelhas a um ex-presidente da República, mas penso que é uma obrigação cívica e mais deviam fazê-lo).
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