...cada vez menos gente o pode dizer: "Crise faz consumo de papas aumentar 7%".
A CGTP está ferozmente contra o Governo. Mas a CGTP esteve sempre ferozmente contra o Governo, desde o VI Governo Provisório, nos idos de Setembro de 1975.
A UGT tem anos em que mia e anos em que ruge: em havendo muito diálogo, e uma quantidade razoável de benefícios para os seus filiados, mia.
O PCP é o PCP.
O PS tem vocação de Governo; tem mesmo, segundo a imprensa e as pessoas que pensam bem, uma espécie de direito divino a ser Governo. Os eleitores, de quando em quando, mudam o pessoal político, por causa das famosas fraldas do dito de Eça de Queirós, e entra o PSD, aclamado pela mesma imprensa que daí a uns meses já está com saudades dos outros, que sempre era uma gente mais francamente virada para o futuro, a igualdade, os bons sentimentos e assim, embora tivessem por lá umas ovelhas negras, felizmente substituídas entretanto por pessoal mais à maneira.
Chegámos aqui neste rotativismo e assim nos manteríamos se não fosse a dívida. A dívida é que é o carago, com perdão do plebeísmo. E como os credores descobriram que por trás do écran do Euro havia gente que comprava votos com empréstimos no exterior para pagar parte das promessas eleitorais, e em particular um demente português que acrescentava dívida à dívida ao ritmo de dezenas de milhões por cada nova má notícia da crise de 2008 e cada novo fato Armani, viraram a mesa.
E agora a maquineta do rotativismo emperrou. Emperrou tanto que as cartas da mesa virada estão baralhadas:
O PCP está onde sempre esteve - quer o Poder se ele cair na rua, mas não acredita que caia;
O BE quer boleia do PS para fazer uma Suécia cubana, seja lá isso o que for, não descartando mesmo a hipótese de alguns dirigentes porem fato e gravata;
O PS está partido: Seguro quer chegar ao Governo sem a troika a espreitar por cima do ombro, senão nota-se muito que tem a mão cheia de nada; Costa quer chegar a líder, ou a Presidente da Republica, o destino marca a hora; os barões querem o que os barões sempre querem - lugares; e não faltam dirigentes que acham surdamente que Seguro não tem carisma. O carisma, aliás, é uma unção que, tanto no PS como no PSD, só se adquire no Governo.
Mas o PSD também está partido: Manuela Ferreira Leite, Pacheco Pereira, António Capucho, para citar só alguns próceres, acham o Primeiro-Ministro um completo desastre e apreciariam que ele fizesse o favor de se disfarçar de fantasma, dando a vaga no Governo. Pacheco, aliás, com um discernimento que lhe faz honra, vai mesmo mais longe: quer exilar o CDS para o Parlamento, com a missão de apoiar o Governo, passando este a ser liderado por uma personalidade cujo nome não divulga, mas que dá garantias de ter a benção pachequiana. E acrescenta com um encolher de ombros impaciente: O CDS não conta! Vi eu, com estes que a terra há-de comer, na Quadratura do Círculo - Pacheco é grande.
Soares, ele, acha que diminuírem-lhe os subsídios à Fundação é um escândalo, e por isso concorda com os manifestantes que gritam: gatunos!, pelo que acha que o Governo se deve demitir.
Um cansaço.
Errar: v.t. Cometer erro em; equivocar-se, enganar-se.
Passos Coelho não recua em nenhuma das medidas
Manifestar: v.t. Fazer coletivamente demonstração pública.
Procurar: v.t. Diligenciar por encontrar, afadigar-se por descobrir.
Paulo Portas desafia Governo a ter uma posição de abertura
Aproveitar: v.t. e v.i. Tirar vantagem: aproveitar o tempo. Trazer lucro: a quem aproveita o crime?
PS diz que Passos foi desautorizado pela discordância de Portas quanto à TSU
Agravar: v.t. Tornar mais grave, mais pesado, mais difícil de suportar: agravar seus erros, seu mal.
PSD vai reunir órgãos dirigentes para responder a Portas
*Significados retirados de Dicionário Online de Português
* Também publicado em Senatus
Eurogrupo só passa cheque a Portugal depois do Orçamento ser viabilizado
Excelente desculpa, lá vai o bom do Seguro votar a favor ou abster-se no orçamento, que de toda a maneira só quer eleições e ir para o Governo se este tirar as castanhas do lume.
Ou se não tiver outro remédio. Que o Senhor Presidente da Câmara de Lisboa, farto de vernissages e de estragar o trânsito, lhe morde os calcanhares porque tem a solução para o País: o programa de Sócrates, que seguiu e apoiou entusiasticamente, para o qual julga haver crédito; e, em não havendo, taxar os ricos para tornar o país mais competivo - Costa é um grande adepto da competividade, que defende com alguma indiferença pela Gramática e pelo senso.
Guerras florais. No fundo são peões de um jogo onde imaginam que têm alguma coisa que preste a dizer. Mas não têm, os senhores da troika, agora que o grosso das dívidas dos PIIGS foi transferido dos bancos para os "cidadãos europeus", não estão para embrulhar os diktats em excessivas delicadezas e dizem ao que vêm.
São credores e falam grosso. Qualquer credor fala grosso se achar que o dano que pode infligir é maior que o dano que pode sofrer e estiver certo que o devedor está ciente disso.
Se a classe dirigente achasse que nem a UE nem o Euro têm futuro; se fosse pacífico que não é possível haver crescimento com um Estado desmesurado e uma fiscalidade predatória; e se a opinião pública percebesse que a solidariedade europeia é uma mera desculpa para sustentar burocracias que administram os fundos e os distribuem, ao mesmo tempo que vão criando a gigantesca teia de regulamentos que peia a actividade económica e exige cada vez mais pessoal e recursos; e, por último, se a população não estivesse doutrinada por décadas de europeísmo, dereitos, pugresso a crédito e visse o Estado pelo que é - uma emanação nossa que não pode dar nada a ninguém sem o retirar ao vizinho - seria possível dizer aos credores:
"Nós vamos pagar até ao último cêntimo, incluindo juros. Para isso, temos que crescer e para crescer o vosso programa não serve, porque o ritmo a que retira recursos da economia é superior ao ritmo a que razoavelmente podemos reformar o Estado e porque só podemos dar sangue se alimentados. Mas vamos fazê-lo e disciplinar as contas e o País, porque somos gente séria e simples, e já internamos o mayor Costa e todos os adeptos da economia vudu. Por conseguinte aqui está o nosso Plano. É pegar ou largar. Se largarem, ficam a arder, nem que comamos erva."
Era preciso cojones, artigo de que há um grande défice: o que há é mais para manifestações e bifanas.
A troika pode ficar sossegada e dizer - e fazer - o que quiser. Se for à janela, vê um mar de cartazes. Ao fim do dia, os varredores limpam o lixo, como de costume.
Desta vez, limito-me a chamar a atenção para a data em que este texto foi publicado pela primeira vez.
DRAMA CAVAQUIANO
«A semana passada, os perversos sábios que se especializaram na nossa economia fizeram um seminário com banqueiros em Vilamoura. Nunca fui convidado para nenhuma destas negras actividades e tenho imensa pena. Os economistas não são como nós. Pertencem àquela espécie de seres que outrora nas florestas se ocupavam a conversar com espíritos e sabiam fórmulas mágicas para vender dragões. Ainda hoje há astrólogos e praticantes de medicinas paralelas. Mas com pouca influência. Só os economistas sobrevivem à civilização e conseguiram conservar os seu antigo prestígio. O grande Merlin (*Cavaco) ficou em Lisboa, a negociar a revisão constitucional. Em Vilamoura, só esteve o aprendiz Cadilhe, a fada Morgana, Teresa Ter-Minassian, e duas dúzias de feiticeiros teóricos. Mesmo assim valeu a pena.
Depois de vastas e profundas discussões e da celebração minuciosa dos ritos esotéricos da ciência, os sábios de Vilamoura resolveram mandar, pelo aprendiz Cadilhe, um recado urgente a Merlin: a raiz da mandrágora, a pele do sapo e os sinais de fumo indicavam, sem sombra de dúvida, que Merlin devia reduzir o défice do Estado. Da sua caverna de Linda-a-Velha, o venerando Alfredo de Sousa, ex-mestre de Merlin, aprovou esta grave advertência com todo o peso do seu afamado bom senso.
Não há certamente na história portuguesa dos últimos duzentos anos conselho que mais gente mais vezes tenha dado em vão a mais governos. Tirando Afonso Costa em 1913, do fim do século XVIII a 1928, nem um único governo foi capaz de reduzir significativamente o défice do Estado. O dr. Salazar, que foi capaz, era um ditador muito bem equipado, com um exército fascizante, uma bela polícia secreta e lindíssimos campos de concentração. Os sábios de Vilamoura, no etéreo assento onde subiram, desconhecem estas coisas vergonhosas ou não vêem por pura delicadeza qualquer relação entre o défice do Estado e a deliciosa capacidade de meter na cadeia os portugueses teimosos ou malvados, que se recusam a cumprir as profecias económicas dos peritos.
Quando lhes perguntam como pode o grande Merlin reduzir o défice, os sábios de Vilamoura deixam cair uma pérola da sua enorme sabedoria e respondem que, se diminuirem as despesas, eles garantem, porque um mocho lhes disse, que o défice também diminui. Quando lhes perguntam que despesas é preciso diminuir, eles respondem, falando sempre pelo mocho, que é preciso combater a burocracia. E que burocracia? A burocracia inútil. Perfeito. O feiticeiro de Linda-a-Velha chegou até a sugerir que se acabasse com o Conselho Nacional do Plano, acto heróico que pouparia pelo menos uns milhares (sic) de contos.
A ideia grotesca de que a maneira de reduzir o défice é reduzir o número de "empregos inúteis" fazia tradicionalmente parte do programa da Esquerda, ou seja, do radicalismo democrático. Durante séculos, a Esquerda berrou, ganiu, regougou contra os "empregados inúteis", para descobrir logo que chegava ao poder (e raras vezes chegou) que a "inutilidade" dos empregos consistia em não serem dela. Quando os "empregos" passavam para os "patriotas" do café Marrare e de outros cafés bem pensantes tornavam-se miraculosamente "úteis".
Dantes o ódio à burocracia disfarçava a ganância. Hoje disfarça a total ausência de pensamento político dos sábios de Vilamoura e a sua basáltica impermeabilidade ao real. Joaquim António de Aguiar declarou à hora da morte que não tinha gostado de nascer entre estúpidos, viver entre estúpidos e morrer entre estúpidos. Foi um excesso lamentável que só as circunstâncias explicam. Não está com certeza fora dos limites do entendimento dos sábios de Vilamoura que, em Portugal, o Estado preenche, ou tenta preencher, a diferença entre as expectativas dos portugueses e a pobreza do país e que, portanto, o défice é proporcional a essa diferença e reduzi-lo implica baixar essas expectativas.
Vamos lá devagarinho e com paciência. As expectativas dos portugueses não dependem apenas no governo. Dependem sobretudo do que os portugueses conhecem do estilo de vida na Europa e na América; das promessas que receberam de inúmeros demagogos desde 1974; e das próprias mudanças para melhor nestes últimos tempos. Incontestavelmente, o dr. Cavaco acirrou o apetite a toda a gente durante os dois anos da absurda campanha eleitoral, que começou no governo de 85 e acabou em 19 de Julho. Mas resta apurar se, sem ela, a situação seria menos intratável.
Os portugueses querem as escolas e as universidades que têm e mais escolas e mais universidades e mais professores e mais instalações. Querem mais hospitais, mais médicos e tratamentos mais caros. Querem reformas maiores. Querem mais casas e mais baratas. Querem mais esgotos, mais estradas, mais electrificação, mais água canalizada, mais tribunais e tribunais mais eficientes. Querem mais isto e mais aquilo e, a seguir, ainda mais e mais. Não há fundo no que os portugueses querem e no que se sentem com direito a ter. Os inválidos querem a assistência, os atletas pistas de tartan, os cineastas filmes e a aldeia de Pouca Terra o restauro de uma capela. Basta ligar a televisão dez minutos por dia para se apreciar o abismo insondável do que os portugueses esperam do Estado. Digam-me os sábios de Vilamoura de quem é que eles hão-de esperar? Da sua pobreza ou de Nossa Senhora de Fátima?
Nenhum milagre financeiro (incluindo a venda das empresas públicas e a contenção temporária da dívida) pode algum dia vir a satisfazer as exigências do país, no mínimo necessário à paz e ao equilíbrio social, com as receitas "normais" do Estado. O défice é, por consequência, inevitável e o crescimento do défice também, uma vez que a soma do que os portugueses consideram o mínimo necessário cresce exponencialmente à medida que esse mínimo é satisfeito. Por outro lado, como o grande Merlin não tardará a descobrir, a pobreza não põe limites à voracidade indígena, mas põe estreitíssimos limites à carga fiscal suportável pela classe média que, para classe média, vive numa patética indigência, constantemente ameaçada de um sério trambolhão social. Não é por acaso que, desde os bons tempos de el-rei D. João VI, os governos andam por aí apertados entre o imposto e a dívida, ora caindo por causa do imposto, ora caindo por causa da dívida. Neste capítulo, nada mudou. O que mudou foi a quantidade de coisas desejadas, hoje infinitamente maiores.
Não sendo pessoas mal nascidas e ordinárias, os sábios de Vilamoura não se preocupam com política. Limitam-se a oferecer opiniões muito avisadas e criteriosas, para os políticos, no seu próprio interesse, seguirem à risca. Eles guiam-se pela razão, os políticos pela razão inferior de ganhar votos, a que sacrificam a Pátria e o Desenvolvimento. Mas nunca lhes ocorreu que se, por exemplo, o dr. Cavaco não ganhar votos, os ganha o dr. Constâncio pelos mesmos sórdidos processos e para os mesmos repelentes fins, ou que a aplicação das suas receitas, além do recheio das suas queridas cabecinhas, exige dez PIDES e um considerável alvoroço.
O grande Merlin, agora bastante depenado, já pertenceu ao grupo dos sete sábios de Vilamoura. Este ano começou a sua educação. Ainda tem muito que aprender. Quando aprender tudo, vai descobrir que afinal não é o grande Merlin, é o dr. Cavaco, pequeno político com muita sorte, metido no pântano até ao pescoço. Como os outros, coitado. Um pobre homem.»
(Vasco Pulido Valente, in O Independente, 21 de Outubro de 1988)
O nosso Governo decidiu e falou. E como os outros dos países que estão ou vão ser intervencionados, persiste em macaquear os efeitos da saída do Euro, tendo aliás a comunidade dos alquimistas da Economia um nome para isto: chama-se desvalorização interna.
Esta desvalorização, que inclui uma redução do salário mínimo, é em si positiva: muitas (?) empresas que iriam fechar ou sobrevivem ou duram mais tempo; alguns (?) despedimentos que teriam lugar serão poupados; e alguns (?) postos de trabalho serão criados, por o custo do trabalho ter descido.
O preço para isto, porém, é alto: alguns patrões serão tentados, sem que seja necessário para a viabilidade da empresa, a empochar a redução dos custos salariais. E mesmo que isso não prejudique o ambiente de trabalho (o que aliás é um problema do empresário e não da comunidade) ficará um lastro de percepção pública de que o Governo quis, numa situação de crise, poupar o patrão e esmagar o trabalhador. Num País com uma tão consolidada e difusa convicção de que há pobres porque há ricos, isto é o que se chama um tiro nos pés, e terá o seu preço em votos. De resto, a comunistada, a da Bayer e a das fracturas práfrentex, já esfrega as mãos, e, no lugar deles, também esfregava as minhas, porque o aumento violento da contribuição do trabalhador é um bodo para o discurso do "eles comem tudo".
Mas isto ainda é o menos. Porque há um aumento de impostos com data marcada e uma redução da despesa pública sem data e sem credibilidade, de tanto se falar nela e tão pouco se fazer. E há também a percepção de que nos rentismos das PPPs e da energia, bem como na tolerância aos oligopólios, aos abusos da Banca e ao aparelho do Poder Local, para já não falar na RTP, ou nas múltiplas excepções aos cortes de subsídios - tudo permanece igual.
Desvalorização interna, é? A moeda que temos não é a nossa moeda, é a moeda da economia que não temos e o écran por trás do qual nos endividamos tanto que a dívida pública, mesmo que exangues de tanto imposto, continua a crescer.
Temos pela frente uma interminável guerrilha do ressentimento: os socialistas de velha ou fresca data já falam de mais impostos sobre o capital (a ver se ele foge ainda mais) e sobre o património (a ver se o que resta de construção civil morre de vez). E isto porque, num barco a afundar, a percepção de que o grau de aflição não é o mesmo para toda a gente é letal.
Há uma maneira de perdermos todos, ou quase todos, e lambermos as nossas feridas em conjunto enquanto restauramos a casa escangalhada: é sair do Euro.
O sucedâneo nunca é tão bom como o original.
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Nota: A fotografia é da Margarida.
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