"Está na moda fazer um retrato estranho dos portugueses. Mimados, 'piegas', mandriões, aldrabões, penduras, dependentes do Estado e dos subsídios. Não me espanto. Este é o retrato perfeito de uma elite que se habituou a viver do ouro do Brasil, das colónias, do condicionalismo industrial, das maroscas com os dinheiros europeus, da troca de favores entre o poder político e económico, das empreitadas das PPP, dos gestores mais bem pagos da Europa servidos pelos trabalhadores que menos recebem, do trabalho barato e semiescravo e de uma completa ausência de sentido de comunidade. De um país desigual."
Não percebo bem de que elite está Daniel a falar. A elite que esta notícia refere, constituída por empresários e gestores anónimos, e que é a mesma, ou da mesma massa, que nos anos 60 fez com que Portugal crescesse a taxas asiáticas, apesar do condicionamento industrial, é demonstravelmente e demonstradamente a parte mais dinâmica do nosso tecido social. Mas não está dependurada no Estado, nem nas colónias (embora venda e invista lá - agora que elas são independentes até pode ganhar mais, que não corre o risco de ser considerada exploradora), nem no orçamento, nem em favores fiscais.
O Daniel Oliveira não os conhece, e pelo que deles sabe não os vê com bons olhos: pagam mal, são grunhos de província, não têm formação ... um desastre.
Faz mal, o bom do Daniel, que partilha com eles uma preocupação: aquilo que ganham - eles porque o querem guardar para consumo ou investimento, o Daniel porque o quer generosamente distribuir em nome da igualdade.
Mas quanto aos outros "empresários", os das PPPs e das empresas públicas majestáticas, e das privadas que vivem em conúbio pornográfico com o Estado, dou-lhe razão.
Vamos privatizar e promover a concorrência, então? Não, vamos nacionalizar e substituir a escumalha do Centrão pela nata do BE, do PCP e da parte "sã" do PS - é gente que recebe transfusões de competência e isenção por via ideológica. A esquerda verdadeira, já se vê, é moralmente superior, culta, generosa e muito versada nos arcanos da gestão.
Daniel Oliveira faz aqui uma extensa objurgatória contra as parcerias público-privadas, dizendo a certo passo, com fina ironia: "O esquema é hoje sobejamente conhecido e toda a gente era contra estas parcerias desde pequenino."
Daniel confunde tudo: Se toda a gente soubesse que as parcerias foram negociadas e renegociadas como foram, toda a gente teria sido contra, e não apenas o PCP e o BE. Mas aquelas pessoas que, como eu, partem do princípio que a gestão privada é mais eficiente do que a pública, pela comezinha e humana razão de que não pomos o mesmo empenho a gerir o que é nosso do que o que pertence a outrem, nada têm a objectar às parcerias enquanto princípio - ainda hoje, mesmo depois do desastre que muitas foram e são.
Um exemplo, unzinho, basta: Se o Estado não tivesse garantido em certas concessões de estradas um certo volume de tráfego, provavelmente não encontraria concessionários porque estes não estariam dispostos a correr o risco - e as estradas não se fariam, não nos queixando hoje de estarem desertas e termos que as pagar. Ou far-se-iam, mas assumindo o Estado o serviço da dívida mais a manutenção. E não é difícil perceber que o BE e o PCP, cuja receita para a crise de 2008 era, como ainda hoje é, mais despesa pública para "criar" empregos e "dinamizar" a economia, patrocinariam a obra que o privado não queria, se houvesse quem emprestasse.
Entendamo-nos: não faltam exemplos de empreendimentos privados ruinosos, tanto pequenos como grandes. Mas a sanção natural para investimentos com o risco mal calculado, ou bem calculado mas com alteração imprevisível de circunstâncias, é a falência. E terem os contratos das PPPs eliminado com engenharias jurídicas o risco para o privado, transferindo-o para a esfera pública, é justamente no que consiste o seu pecado original.
Neste processo houve, é claro, bastante calculismo e alguma corrupção de um lado, e bastante ingenuidade e alguma corrupção do outro. Porém, a referência expressa que Daniel faz a Paulo Campos, tornando extensivo a todos os governantes o mesmo anátema de que Paulo Campos é merecedor, é um salto lógico aventureiro com o propósito transparente de tirar a seguinte conclusão: o pessoal do centrão é, todo ele, desonesto. Nas imorredoiras palavras do próprio: "A ver se nos entendemos: não há, nesta matéria, entre o PS e o PSD, qualquer diferença. Fizeram o mesmo, da mesma maneira, pelas mesmas razões, com as mesmas desvantagens para nós e as mesmas vantagens para eles."
Não está mal como raciocínio. Se os eleitores comprarem a tese, temos comunistas, bloquistas e compagnons de route a enxundiarem o Governo e o aparelho de Estado; nos conselhos de ministros os governantes sentam-se na beirinha das cadeiras, para caberem as asas; e os investimentos serão lucidíssimos, porque não há nada que chegue a um cidadão que nunca investiu um cêntimo para decidir com competência o que fazer com o dinheiro dos outros mais o que em nome deles pede emprestado.
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