Declaração de interesses: encaro os assuntos da Educação, como os de Religião ou Filosofia, com uma indiferença vizinha do tédio.
Não é que lhes rejeite importância; é que nem todos nos interessamos pelos mesmos assuntos. Há aí alguém que saiba duas ou três coisas sobre os Hititas, ou a forma como funciona um frigorífico? Pois é - eu sei. E como o saber ocupa lugar, ao contrário do que alega o dito popular, o comum de nós, se está inteirado das trincas e mincas do mundo do futebol, ou do nome dos filhos de Toni Carreira, ou da última obra genial dos escritores da moda, corre sérios riscos de não fazer a mínima ideia sobre os nossos, ou dos outros, clássicos menos conhecidos, ou História, ou Geografia; e qualquer especialista que não afecte parte do seu tempo ao que se chama cultura geral corre o risco de nem sobre a sua especialidade ter ideias claras.
Isto para cidadãos medianos, como este vosso criado. Aquela minoria que tem uma enorme biblioteca e uma quantidade de sinapses superior à média, como o filósofo da Marmeleira, pode sempre discretear com superioridade sobre o passado e o futuro, ainda que o excesso daquelas ligações nervosas possa provocar com frequência, como o próprio demonstra, curto-circuitos.
Mas o assunto do dia é o sistema de ensino secundário, a colocação de professores, o exame de perícia destes e a baderna dos sindicatos. E - que remédio! - um opinador contumaz tem por força que ter uma opinião. Ei-la:
Quanto ao sistema de ensino, uma parte da direita defende com unhas e dentes o cheque-ensino. Comecei por ser um céptico, e tenho vindo a deixar-me conquistar. Porém, julgo conhecer o meu país. E não tenho dúvidas que, se não houver exames universais, sobre programas obrigatórios, corrigidos por professores de estabelecimentos diferentes daqueles onde o ensino é ministrado, o que teríamos seriam fábricas de diplomas inúteis, compadrios e corrupções sortidas, com as universidades inundadas de gente que não deveria lá entrar, ainda em maior grau do que já sucede. E, por amor de Deus, que não se me venha falar da incompatibilidade entre o sistema público de ensino, que defendo (não sou, nisto, a favor da liberdade) e a natureza privada do estabelecimento: o privado paga impostos; o público gasta-os.
É que, se é razoável que todos tenham, por razões de solidariedade, assistência na doença, se a não puderem pagar, também todos devem ter assistência na ignorância, já não por razões de solidariedade mas de utilidade social - não há sociedades progressivas feitas de iletrados e ignorantes, o que justifica a gratuitidade do ensino obrigatório. O que não é a mesma coisa que defender uma formação universitária para todos, que só seria viável com abandalhamento do nível de formação e a custo proibitivo.
O Estado não tem dinheiro e as mulheres não parem - uma conjugação infeliz para os professores. Todo o conflito vem daqui: menos dinheiro e menos alunos. Daí os exames - despedir por despedir (ou não contratar), que sejam os menos competentes. O palavreado sobre avaliações e competências é porém moda e novilíngua: o Estado deixou degradar a qualidade do Ensino, para ficar bem nas estatísticas; e agora queixa-se de que tem professores, que formou, mas não sabem nada de nada. E esta moda não o é menos por, no ensino superior, de resto ridiculamente mal pago por comparação com o secundário, as avaliações fazerem parte da carreira: ensino universitário é, ou devia ser, uma coisa; e secundário outra. E, quando falo de competências, falo de competências científicas, não de competências pedagógicas - ninguém sabe ensinar aquilo que ignora.
Não vi o exame, apenas um curtíssimo excerto, aqui. Se esta for a tónica, temos a burra nas couves: por muito boas que sejam as capacidades de raciocínio, ninguém ensina Gramática, ou Literatura, ou História, ou Geografia, apenas com elas. Talvez alguma selecção seja melhor que selecção alguma nestes apertos, mas cabe perguntar se não poderia haver outro critério, ou conjunto deles, menos dependente de um teste que parece extraído de um qualquer exame de admissão a um MBA.
Quanto ao espectáculo deplorável dos abusos dos piquetes de greve, dos desacatos, da intimidação dos que se queriam submeter à prova, e das Avoilas e Mários Nogueiras residentes dia sim dia não nas pantalhas para debitar a agit-prop do PCP para o sector da Educação, seria tempo de menos, não mais, diálogo - não se dialoga em permanência com o inimigo, apenas com o adversário.
É isto o que a um paisano se oferece dizer. E, embora o assunto seja muitíssimo complexo, a discussão não deve estar reservada a especialistas. Estes informam, tecnicamente - e o cidadão decide.
Não contesto o direito à greve: por razões históricas (foi um direito duramente conquistado lá onde foi conquistado - entre nós veio com a quartelada do 25 de Abril, dado que, tirando alguns episódios a que a historiografia de esquerda atribui a importância que não tiveram, o povo era sereno); por razões práticas - o preço de negar com repressão o exercício do direito é maior do que reconhecê-lo; e porque permite ajudar a resolver situações de abuso, que existem quando a vara esteja na mão do vilão, como muitas vezes está.
E portanto acho muito bem que os sindicatos dos professores decidam fazer greve - são lá coisas deles, e dos agitadores profissionais a la Mário Nogueira ou Pasionaria Avoila, e dos partidos de que são os braços para o mundo do trabalho.
E que os professores adiram, porque compram o discurso do PCP, ou do BE, ou do PS, que por este então está esquerdista mêmo mêmo, ou por oportunismo, ou por ingenuidade - também acho bem.
O que não acho bem é o diálogo. Porque o tempo do diálogo não é o tempo da greve - ela representa precisamente a falência dele.
E como desta vez há miúdos cuja serenidade e interesses fazem parte da equação; e como, quaisquer que sejam as ideias que tenhamos sobre o que sejam esses interesses futuros, não se admite que se os ofendam desde já; e como a luta não é entre interesses profissionais legítimos e autoritarismos patronais abusivos, mas entre o modo de ver as coisas que os derrotados nas eleições têm e a que têm os que as ganharam:
Apreciaria que a Crato não doessem as mãos. E que, no diálogo que toda a gente recomenda para todas as situações, usasse apenas uma frase:
A comunidade, que representamos, agradece o vosso recuo.
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