Convidada a comentar mais um episódio mediático da novela da Caixa Geral dos Depósitos, a ex-ministra das finanças Maria Luís Albuquerque do governo que resgatou Portugal, o estado social e os portugueses da falência e da miséria, afirmou que...
...e rematou com o sound byte...
Mas a história destes dias não se pode resumir neste sound byte, ainda que seja verdadeiro.
A barragem de revelações sobre supostas ocultações da situação real da CGD durante a legislatura anterior, umas vezes explicadas com o objectivo de "maquilhar uma situação que permitisse anunciar uma saída limpa", mesmo que a saída limpa tenha precedido de um ano a "ocultação" agora revelada, outras com o objectivo eleitoralista de "esconder problemas na CGD antes das eleições", ainda que a "ocultação" agora revelada tenha sido desocultada antes das eleições, outras ainda com a explicação mais sofisticada estatisticamente de a ocultação se limitar a "seguir padrão" [do governo anterior], revelações que suscitam reacções de reflexo condicionado mesmo nas pessoas, que são quase todas, que não percebem os mecanismos de regulação nem se os factos revelados constituem mesmo uma violação dos mesmos, tem obviamente como objectivo circunstancial criar uma barreira de ruído que faça desviar as atenções do público da trapalhada incomensurável que constituiu desde o início a gestão do dossier da CGD pelo governo actual, e que vai continuar a constituir porque, como é notório, o governo ainda não sabe como vai desorçamentar o dinheiro da injecção de capital que anunciou há um ano que era urgente e essencial para a sobrevivência do banco mas que ainda não fez.
Mas, além deste objectivo circunstancial, a campanha tem um objectivo estrutural mais importante.
Exactamente como fez durante a crise mediática dos swaps, que não foi desencadeada quando o governo socialista anterior ordenou a celebração de contratos de swap ruinosos a uma série de empresas públicas, não com o objectivo de cobrir os seus riscos de negócio, a real utilidade dos swaps, mas com o de desorçamentar despesa pública e simular uma execução orçamental que não correspondia à real, que se veio posteriormente a verificar ser várias vezes mais deficitária que a simulada, mas quando o governo que se lhe seguiu teve que gerir à posteriori os danos avultados dessa decisão, a máquina de propaganda socialista está agora em acção com o objectivo claro de centrar a discussão dos problemas da CGD nas questões processuais dos governos que os herdaram, para esconder o que, e quem, os originou, o envolvimento da CGD em negócios ruinosos para cumprir determinações da estratégia de política económica da tutela, na esmagadora maioria deles do mesmo governo socialista anterior.
A crise mediática dos swaps comprovou coisas notáveis e inesperadas, e de grande valor para o exercício do populismo demagógico. A opinião pública, desde que seja bem orientada, desinteressa-se facilmente do roubo em si, no caso da CGD os negócios ruinosos, e do ladrão, no caso da GCD o governo que os encomendou e a gestão que os concretizou, o lado criminal da questão. Desinteressa-se ainda mais da relação entre a circunstência de as empresas (de transportes no caso dos swaps, e a CGD no caso da CGD) serem públicas e por essa condição estarem à disposição da tutela para as forçar a entrar em negócios ruinosos, o lado político da questão. Mas deixa-se enrolar facilmente nos aspectos processuais da contabilização do roubo, no caso da CGD o registo das imparidades, e da tentativa de lhe dar solução, que lhe são servidos em cachão e de modo ininteligível pela comunicação social e o comentariado, que também tendem a não os perceber, pelo que a ininteligibilidade lhes deve ser perdoada, mas sempre com uma sugestão de interpretação que, não percebendo bem o problema, não têm como recusar: a culpa do roubo nunca é do ladrão, é sempre do polícia. O lado contabilístico da questão.
E é assim. Quanto mais atenção se dedicar a discutir quanto tempo esteve o relatório na secretaria de estado antes de ser despachado, e quanto tempo deveria ter demorado a ser despachado, ou sequer de devia ter sido despachado, e qual a importância do relatório para o problema da CGD, menos se dedica a reconhecer que o problema da CGD se resume a um punhado de maus negócios que lhe foram impostos por governos, a esmagadora maioria por governos socialistas, a esmagadora maioria pelo do José Sócrates, de que uma boa parte dos membros que entretanto não foram presos regressaram ao governo actual, e que os de maior dimensão e que cobrem a maior parte do buraco até são do domínio público.
É preciso confessar que o governo e a maioria anteriores têm a sua quota de reponsabilidade neste surto de demagogia por, numa postura institucionalista, se terem dedicado a trabalhar para tentar resolver os problemas que os socialistas lhes tinham deixado, e estes estavam longe de ser os mais graves, em vez de, como este governo e esta maioria fizeram mal entraram em funções, terem colocado um bando de facínoras a denunciar à opinião pública os casos antes de serem denunciados, como ainda estão agora, por terem tentado resolvê-los. Verdade se diga que pode não ser fácil arranjar facínoras do calibre de um João Galamba ou de uma Ana Gomes para o fazer. Mas podiam ter-se esforçado, e estes problemas teriam sido explicados e os seus autores devidamente identificados.
O populismo demagógico que governa e sustenta o governo aprendeu rapidamente a lição. Oxalá a oposição também a aprenda.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais