Em Portugal a greve já é legal há quase quarenta e quatro anos e ainda não houve uma única greve de que os jornais conseguissem informar os leitores sobre o número exacto de grevistas.
Na última que chegou aos media, a greve convocada pelos sindicatos de trabalhadores dos CTT para os dias que antecederam o Natal, certamente motivada, uma vez que os CTT prestam um serviço público e foram até há pouco tempo uma empresa pública, pela defesa do serviço público de distribuição de correspondência através da não distribuição numa época em que os consumidores prezam particularmente a distribuição, são misteriosos os desígnios do Senhor, e os dos sindicalistas também, os sindicatos dizem que foi de 70%, um número até mais baixo que a média, porque os números divulgados pelos sindicatos costumam andar na casa dos noventas, e a empresa de 17%.
A diferença entre os dois números é muito grande, e é sempre assim, às vezes com diferenças ainda mais extremadas. Os sindicatos informam sempre que as greves têm uma adesão muito elevada, nalguns casos aproximando-se da totalidade dos trabalhadores, e as empresas, quase exclusivamente as públicas porque nas privadas as greves são muito mais raras, e os organismos públicos apresentam números muito mais modestos.
Para a empolação dos números de grevistas pelos sindicatos há uma boa razão, ou duas: criar no público o receio de que, se as empresas ou organismos não cederem às suas reivindicações, virá a ser muito prejudicado pela indisponibilidade dos serviços, na esperança de que o público exija a quem os gere, a empresa ou a tutela do organismo público, que cumpra as exigências dos sindicatos para voltar a ter os seus serviços de volta; e nos trabalhadores a impressão de que a representatividade dos sindicatos é tão sólida que vale a pena manterem-se ou tornarem-se associados e pagarem a respectiva quotização de 1% do salário, até porque é a única deduçao salarial que proporciona no IRS um abatimento no rendimento colectável, não do valor da dedução, mas com uma majoração de 50% que minora o seu custo final, pelo menos para os contribuintes os escalões mais altos das tabelas do imposto.
Para as empresas e organismos públicos também há uma boa razão para apresentarem números muito menos expressivos, mostrarem aos utentes, e aos eleitores, que conseguem gerir bem a situação e defender bem os seus direitos.
De modo que o público fica sempre sem saber se as greves tiveram uma adesão quase total ou apenas marginal.
Mas no entanto é muito fácil apurar o número exacto de grevistas em todas as greves, e com a precisão da unidade: basta pedir aos recursos humanos das empresas, ou, o que pode ser ainda mais fácil por serem públicos, dos organismos públicos, o número de faltas por greve que apuram quando processam os vencimentos no final do mês. Não é número que esteja disponível para abrir os noticiários da manhã nos dias de greve, naqueles em que os sindicatos conseguem informar a comunicação social das adesões de noventas por cento para cima mesmo antes da hora de os trabalhadores chegarem ao serviço e os grevistas não, e as empresas de faltas menos expressivas, mas é número que pode ser obtido poucas semanas depois e poderá ser útil para calibrar as estimativas do momento pela observação de tendências estatísticas nas diferenças entre os números divulgados pelos sindicatos e pelas empresas ou organismos públicos e os reais e, por essa via, motivar os sindicatos e entidades a fazerem estimativas mais realistas no momento para não cairem posteriormente no ridículo.
Os jornalistas só não informam o número exacto de grevistas em todas as greves apenas porque são incompetentes. Ou isso, ou então porque gostam de participar como figurantes na encenação montada pelos sindicatos de que as greves são sempre um grande sucesso e eles são actores determinantes na vida da sociedade, mesmo quando não passam disso mesmo, de actores?
Senhres jornalistas, se querem continuar a ser úteis à sociedade mexam-se e trabalhem, informem.
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