Ando por estes dias a ler Uma História do Japão, de Conrad Totman, que não recomendo. Quem quiser inteirar-se da história do Japão, ou doutro país relevante qualquer, quer que lhe expliquem como nasceu, porque nasceu, que elementos se conjugaram para que aquele país tenha uma identidade que o faz único, que contributos deu, se alguns, para o edifício da civilização, quais as personalidades que pela espada, pela pena, por obras valerosas, ganharam lugar na memória dos vindouros, e um imenso etc.
Claro que a gente sabe que as historiazinhas de reis, imperadores, guerreiros e personalidades, invenções, sucessos, obras de arte e de cultura, desastres, têm um pano de fundo; e que este pano de fundo uns o pintam duma maneira, e outros de outra, e vai ficando mais rico à medida que se empilham monografias. Por outro lado, se o passado não muda, muda às vezes o acervo conhecido de factos, objectos e testemunhos; e muda sobretudo a interpretação do historiador, que vai elaborando sobre as pistas que outros deixaram antes dele, ou encontra as suas, e aqui e além apresenta um ângulo novo, mais convincente, para explicar uma parte do processo histórico.
Não sei se Conrad faz alguma destas coisas porque o homem escreve para especialistas, ou ao menos conhecedores avisados da história do país. E assim o livro que comprei, fiado na recensão que o apresentava como obra de divulgação, é um equívoco - não se fica a conhecer senão mal a história do Japão, através das teses que o autor vai desfiando sobre factos que não descreve por assumir que o leitor os conhece. Por exemplo, em determinada altura, que durou séculos, os imperadores, polígamos, reformavam-se, e um novo era escolhido de entre a parentela. Porque era assim, quais os critérios da escolha, como nasceu o sistema, que necessidades preenchia - nicles.
Nos prefácios, na introdução, o apresentador e Conrad Totman falam muito de ecologia, e de como as circunstâncias geográficas e climatéricas influenciaram decisivamente a história do país. Tanto que torci o nariz: queres ver que este substitui a luta de classes pela ecologia? - vamos ter aqui uma história martelada para caber dentro de mais outra teoria na moda. E, de facto, o autor não cessa de ligar os progressos na agricultura ao número e riqueza material das pessoas integrando a cúpula social, e evidencia a evolução demográfica como dependente de epidemias, por sua vez tributárias da circulação de pessoas que o aumento do comércio origina, até que certas doenças deixem de ser mortais, por a população ter desenvolvido resistências.
As personalidades concretas não são, neste livro, até ao ponto a que já cheguei, agentes históricos de grande relevo - como se a história fosse uma decorrência inevitável das circunstâncias e de forças às quais é impossível resistir.
Não é, senão com muitas qualificações, o meu ponto de vista. E este longo intróito, que de resto ficou assim comprido porque me fugiu da mão, serve, embora não pareça, para interpretar o que se passou ontem no Parlamento.
Se o governo em funções continuasse, apesar de forçado pelas circunstâncias a pôr uma surdina na pulsão reformista, que de resto nunca foi exuberante, é razoável pensar que a trajectória da redução do endividamento, do desemprego, dos défices, da irracionalidade da presença pública na economia - continuaria. E mesmo que o nosso pano de fundo seja a UE, o preço do petróleo, os imprevistos das guerras, da imigração para a Europa e do mais que não adivinhamos, sempre estaríamos mais bem preparados para as curvas da história com um país em recuperação do que com um país novamente em cacos.
E em cacos vamos ficar. Não me dou ao trabalho de explicar porquê, porque quem precisar da explicação não acredita nela, e portanto não a aceita. Mas o que nos vai suceder nos tempos mais próximos não era inevitável, não era uma decorrência fatal do resultado eleitoral, nem está acima da vontade das pessoas.
A explicação mais simples, mais básica, é a meu ver a boa: Costa, esse pútrido pote de banha ambiciosa, como há dias lhe chamei com uma propriedade que me incita a repetir a qualificação, podia ter optado por copiar o procedimento de todos os que antes dele foram derrotados em eleições, quando o resultado ficou demasiado aquém das expectativas, próprias e de terceiros, e demitir-se. Mas não: inventou toda uma teoria de quebra de muros de Berlim e outras tretas sortidas para embarcar numa aventura que pode custar a importância do PS como charneira do sistema (o que a prazo nem seria mau, se deslocasse o espectro partidário para a direita), reforçar a importância da minagem comunista no aparelho de Estado, e causar um quarto resgate, por definição mais duro que o terceiro.
É claro que tudo isto que estamos a viver não é histórico, senão no sentido de que poderá valer um quarto de página, quando muito, numa história futura do nosso país. E é claro que para o nosso futuro a longo prazo esta novela não terá grande importância - tem-na muito mais a UE, em todos os sentidos, incluindo o da implosão.
Mas a longo prazo, como dizia o outro, estamos mortos. Entretanto, há desempregados, e falidos, e aflitos - precisamente a gentinha que terá ajudado Costa a chegar onde está, e que verá as suas esperanças defraudadas.
As pessoas contam - não é indiferente que a personalidade concreta de um político determinante em certos momentos seja assim ou assado. Temos tido azar: Costa, um intelectual de pacotilha mas dotado de capacidades maquiavélicas de manipulação, e assinalável ausência de coluna vertebral, sucede a Sócrates, o tribuno da plebe venal mas dotado de capacidades de persuasão e sedução.
Resta Cavaco, que certamente não tem pretensões de homem de cultura e sobre cuja sedução, por pudor, não me pronuncio. Pode ser que conte - ou não. Aguardemos.
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