Anda por aí um vídeo que tem feito algum sucesso e que se refere às 78 medidas com impacto negativo para o contribuinte que o defunto governo PàF tomou.
É uma animação de propaganda feita por gente obviamente de esquerda, e portanto conviria conferir: talvez as medidas não tenham sido exactamente 78, talvez algumas não tivessem bem o perfil descrito e por certo alguns cortes eram mais do que razoáveis. De resto e desde logo, cortes não são assimiláveis a impostos, mesmo que o efeito seja o mesmo para quem os sofre.
O grotesco PM actual ainda há dias admitia em tese que as pensões que não se fundem em carreiras contributivas deveriam ser pagas apenas sob condição de recursos, um princípio que era até há pouco anátema. Sem surpresa: o PS sempre se distinguiu, nas grandes (revisões constitucionais, por exemplo) como nas pequenas coisas por só aceitar o óbvio quando este passa de comum a ululante, para usar uma palavra tão apreciada pela camarada Ana Gomes. E portanto os pensionistas cujo voto foi comprado há que tempos com a atribuição de um "direito" que não o era que se preparem: é apenas uma questão de oportunidade até se comprar a anuência do PCP e a do BE para a medida, em troca de outra coisa qualquer que permita a estas beneméritas instituições salvar a face, encaixando de passagem alguns clientes no aparelho sindical ou do Estado.
Mas lá que o aumento de impostos foi colossal, como lhe chamou o lerdo Gaspar - foi. Tanto que aquelas pessoas que são de direita por acharem que após quase quarenta anos de governos de esquerda (incluindo o PSD na sua declinação social-democrata, que só se distingue do PS pelo pessoal dirigente conhecer a tabuada, e o CDS, cuja costela democrata-cristã o leva por vezes a julgar que a economia se rege com encíclicas papais) já era tempo de reformar o Estado para que a economia cresça, foram dizendo que a oportunidade era de ouro para cortar na despesa e não aumentar a receita.
A oportunidade passou. E agora, salvo no contexto de um quarto resgate, não haverá reforma alguma. E como aos credores tanto monta que o Estado se emagreça ou esmague os cidadãos com impostos demenciais, desde que não tenha défices, resulta que a actual solução governativa tem as mãos livres para fazer metade do que lhe está nos genes - dar rendimentos ao maior número de pessoas. A outra metade, que é a bolsa aberta dos emprestadores, existe ainda para rolar a dívida, mas não para a contrair nova. Donde os impostos têm que subir, ficando a discussão, que entusiasma a comunicação social, para o quando e quanto.
Seja, até que o eleitorado de esquerda perceba que também lhe estão a ir ao bolso, ou o BCE feche a torneira, ou a DBRS se zangue, ou apareça uma importante jazida de bauxite no Alentejo, ou a UE se esfarele, ou Hillary comece a III Guerra Mundial - alguma coisa haverá, menos crescimento económico.
Somente me aborrece que se use o argumento obsceno de que qualquer aumento de taxas, ou criação de impostos novos, fica sempre enormemente aquém do que Gaspar fez. É ao contrário: precisamente porque Gaspar foi longe de mais é que a única discussão séria que poderíamos ter seria a de quais os aumentos que vão ser revertidos, a par das despesas que se vão cortar para o permitir.
É que, se todos os governos aumentassem impostos a taxas inferiores às do último aumento verificado, e não parassem de o fazer, não é difícil perceber que, um dia, chegaríamos à taxa de 99,9%.
Estranho? Nem por isso. Por muito pequeno que seja o aumento da taxa, esta cresce sempre, se se aceitar o princípio absurdo de que um aumento é legítimo porque anteriormente foi muito maior. E é também por isso que é tão perigoso criar impostos novos, como o da pilhagem que se prepara sobre os proprietários de imóveis acima de um determinado valor. Uma vez no terreno, é apenas uma questão de tempo até que as taxas sejam estratosféricas, mesmo que no princípio fossem relativamente indolores.
Pobre Gaspar, que teve uma oportunidade e a deixou fugir sem sequer tentar. Não deve ser coisa pouca a pesar-lhe na consciência; e nem era preciso que o que conseguiu esteja agora a ser liquidado sob a regência de um coveiro anafado, acolitado por serventuários tachistas, comunistas fósseis e esganiçadas venezuelanas, perante uma opinião pública acéfala. Que sobre esse drama que se desenrola debaixo dos nossos olhos dispensávamos a comédia.
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