Falso. Se uns bancos aumentam as comissões os outros seguir-lhes-ão os exemplos a breve trecho. E para fingirem concorrência os aumentos não serão iguais, as comissões não terão os mesmos nomes e, sendo possível, podem até não cobrar por um "serviço" qualquer que o banco vizinho cobra, mas nessa hipótese fazem-se pagar por algo que o vizinho deixa de graça.
Como é que Paulo Ferreira não sabe isto e eu sei? Porque toda a vida profissional - longa vida - trabalhei com bancos e Ferreira, aposto, - não: tem uma conta, possivelmente de depósitos à ordem, e um empréstimo para compra de casa; conta que mudou de banco e que o velho era uma merda e o novo é excelente. So much como experiência.
Saberá Paulo Ferreira que uma PME pode pagar, se por exemplo um cliente incumprir e a conta ficar a descoberto, 25 ou 27% de taxa de juro? Ou que é possível recusar a emissão de um documento de distrate de hipoteca liquidada, sem porém o declarar por escrito, sob imposição de liquidação de um empréstimo terceiro, numa outra empresa, que nem sequer está em incumprimento? Nisto como no resto, os bancos podem contar com o reflexo condicionado acrítico da opinião desinformada: quem for de esquerda achará que o sector bancário não deve ser privado, ou que, se o for, deverá ser fortemente regulado; e quem for liberal dirá que a concorrência se encarregará de pôr no lugar o banco abusador, penalizar com falência a gestão imprudente, encontrar os melhores para a administração e remunerar os clientes de modo a que estes, face às alternativas de aforro ou investimento, confiem voluntariamente as suas poupanças.
Sucede porém que para os bancos estarem em concorrência seria preciso que emprestassem apenas o que os depositantes lhes confiam; que os clientes pudessem optar por colocar o seu dinheiro em casa ou emprestá-lo a quem entendessem nas condições que entendessem; e que, na relação entre o banco e o cliente (o verdadeiro cliente, o que pede empréstimos, não o fornecedor, que é o depositante) não houvesse, como de facto há, uma desproporção de meios que leva a que os contratos sejam por regra leoninos, as práticas abusivas, os comportamentos com frequência criminosos, a inimputabilidade a regra e a legislação cativa dos interesses do sector financeiro, incluindo agência de cobranças paga com o dinheiro dos contribuintes e, na prática, foro privado que dá cobertura legal aos atropelos, que é a maneira correcta de interpretar o papel do Banco de Portugal.
Um banco não é uma fábrica de pentes ou ferros de brunir; a procura do bem que o banco vende não tem a mesma elasticidade que a de qualquer outro, porque os representa a todos; e os bancos detêm o poder de conceder crédito a partir de fundos inexistentes, que é outra forma de dizer que cunham moeda a partir de correntes de ar cujo gerador está nos bancos centrais.
Nada disto evitou que os bancos tivessem falido, os que faliram realmente, os que foram salvos pelo contribuinte e os que cairão, com ou sem perda directa dos contribuintes, na mão de ladrões estrangeiros, dos quais inexplicavelmente se espera que sejam menos patifes que os nacionais.
Dizer, sem se ser nem bancário, nem professor de economia, nem ideólogo fanático de uma direita mal entendida, que "é assim que funciona a economia de mercado quando há múltiplas opções, liberdade de escolha dos consumidores e a concorrência funciona sem entorses" é, no mínimo, ingenuidade: não há múltiplas opções porque, na prática, não se é livre de receber o salário ou outros rendimentos em dinheiro, ou sequer a restituição do IRS sem conta bancária - por exemplo; não há liberdade de escolha porque não há qualquer estratégia de diferenciação dos bancos, para além da que a publicidade finge e de diferenças de pormenor; e o banco de sucesso depende muito mais dos empréstimos às grandes empresas e aos Estados, e da bolsa aberta do BCE, do que da conquista de clientes, na selecção dos quais aliás tem dado reiteradas provas de um grau de cegueira que só se explica, precisamente, por os mecanismos de mercado, incluindo a selecção de dirigentes, estarem completamente adulterados.
Pode o cliente que se depara com um aumento de 20% da anuidade do seu cartão de débito optar por dispensá-lo e trazer parte do seu dinheirinho no bolso, para pagar em espécie? Não, não pode: o Estado quer, e disso não cessa de dar provas, combater precisamente as transacções em dinheiro vivo; e optar por meter a mão ao bolso e de lá tirar as pelegas necessárias é crescentemente raro, e não apenas porque o cidadão comum e pelintra gosta de exibir um rol de cartões de débito e de crédito.
Se este governo que nos condena ao quarto resgate bloquear este assalto terá feito pelo menos uma coisa boa; e para os meus amigos, dos quais a maior parte estou certo papagueia estas opiniões, tenho uma mensagem: tenham juízo, e falem do que conhecem.
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