Pessoas apreciadoras de quem não as merece ofereceram-me em tempos um seguro de saúde. Os seguros de saúde tresandam a seguradoras e bancos, e dá-se o caso de a minha experiência de vida me ter feito chegar à conclusão que as companhias de seguros são quadrilhas de ladrões, sob a supervisão de uma entidade que, como as outras destinadas a impedir abusos, garantir transparência e assegurar a concorrência, não faz nada disso; já os bancos, por outro lado, são associações de malfeitores dirigidas por pessoas que, se o mercado fosse deixado funcionar e o Estado não interviesse, teriam o estatuto de desempregados, por terem arruinado as instituições que dizem servir (igualmente sob a supervisão de uma outra entidade pública, esta dirigida por invisuais pagos a peso de ouro).
Quer dizer que, teoricamente, não deveria apreciar a prenda. Mas as coisas apenas são más ou boas em relação a outras do mesmo género. E no género saúde a alternativa, que é a conquista de Abril que dá pelo nome de SNS, é uma abominação, por significar filas de espera, impressos, papeladas, abusos e descasos de toda a espécie e, sobretudo, completa ausência de liberdade de escolha - para além da gigantesca malbaratação de fundos que numerosos ingénuos julgam poder ser corrigida a golpes de decretos, portarias, circulares, instruções e reclamações. Isto sem falar do negro destino que está reservado ao mastodonte, que pôde crescer e melhorar espectacularmente a saúde da população da qual cuida apenas porque durante décadas ninguém foi obrigado a pensar se o País pode oferecer cuidados a toda a gente, quer tenha quer não tenha recursos, e fazê-lo através de um corpo de funcionários públicos.
O meu médico, que me atura desde que o anterior, seu pai, morreu há décadas, é um daqueles que por dá cá aquela palha quer exames, análises e consultas de especialistas. E, sem nunca ter estado seriamente doente, e evitando aliás a classe médica com algum empenho, adquiri, sobretudo por interpostas pessoas, uma vasta experiência de hospitais, casas de saúde, clínicas, pessoal e organização, tudo na perspectiva de utente e cliente.
Tenho assistido à polémica em torno da ADSE com pasmo: que a esquerda não a veja com bons olhos está na ordem natural das coisas - a liberdade que tem o beneficiário de escolher o estabelecimento e o médico contraria frontalmente o princípio universal e igualitário do SNS; que os sindicatos da função pública estejam abençoadamente calados, ou aqui e além esbocem algum tímido apoio à ADSE entendo - podem, à boleia da defesa dos interesses dos trabalhadores, fazer passar de contrabando a agenda do PCP, mas não podem contrariar aqueles interesses de forma demasiadamente óbvia; e que o Governo fira o sistema, não sabemos se mortalmente, também percebo - o estatismo tem os seus cultores em todo o espectro partidário, e, pior, na esmagadora maioria do eleitorado.
Mas que na comparação entre os custos para o contribuinte de um sistema e outro se parta do princípio que, se a ADSE fosse extinta, a parte dos custos não coberta pelos descontos seria poupança, como se o acréscimo de afluxo de doentes ao SNS não custasse nada - isso não alcanço; e que, à direita do espectro da opinião, se defenda a extinção da ADSE porque custa - se custa, até nisso há dúvidas - dinheiro ao contribuinte, sem curar de apurar se não seria possível eliminar a punção fiscal preservando a liberdade que os funcionários públicos ainda têm - oh la la, temos a burra nas couves.
Gostaria por isso de acreditar nas declarações de Manuel Teixeira, na parte em que diz: “A vantagem da ADSE é constituir-se como um ‘germe’ de seguro público de saúde, garantindo liberdade de escolha ao beneficiário relativamente ao prestador de cuidados de saúde”.
Pois sim: mas, para já, qualquer funcionário pode optar por não pagar a ADSE; mas não pode optar por não pagar, como contribuinte, o SNS. Já o não funcionário pode, como eu, optar por guardar do SNS prudente distância, mas continua a ter que o sustentar. E, tendo pago a uma seguradora o prémio; tendo pago a um estabelecimento privado a diferença entre o que o seguro cobre e o que não cobre; e não tendo gasto um cêntimo ao erário público - nem por isso pode deduzir, nos impostos que paga, a totalidade do que suportou.
Grande baralhação, que tem um único fio condutor: pense-se o que se pensar, diga-se o que se disser, vote-se em quem seja, tudo no fim fica bem desde que se seja socialista.
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