Nos longínquos tempos da crise do subprime corriam sketches como este, que tiveram merecido sucesso, e que interpretavam melhor a origem do descalabro do que muita análise sábia de especialistas nos arcanos da finança.
À época, houve quem explicasse a demência suicidária das decisões que conduziram à bolha pelo divórcio entre a propriedade dos bancos e os seus conselhos de administração, que detinham na prática o poder de atribuir a si mesmos prémios mirabolantes de desempenho, que incentivavam a assunção de riscos fora do razoável. E foram-se adiantando soluções que nunca, que eu saiba, chegaram a ver a luz do dia.
Sem comprar a tese, por ser improvável que um só factor possa ser prenhe de tão graves consequências, resta que entre nós, com as nossas tradições de impunidade, a impotência do Ministério Público e das polícias para lidarem com algo mais complicado do que pilha-galinhas e crimes de faca e alguidar, e a anedota das supervisões, não seria mau que alguma providência fosse tomada preventivamente para impedir que a gestão desastrosa fosse recompensada com prémios e pensões milionárias para pataratas de fato risca de giz, a cabecinha cheia da última treta de management assimilada num workshop, e o lugar abichado por terem o diploma adequado (e mesmo isso nem sempre), conhecer as pessoas certas e ter algum poder de barganha.
Não é que isso nos pusesse ao abrigo das consequências do crédito na estratosfera, com ou sem gestores cretinos e gananciosos, supervisores invisuais e gurus da economia desnorteados, quais perus sem cabeça, cada qual a recomendar com absolutas certezas soluções opostas umas às outras; é que, pelo menos, os contribuintes que são chamados a encostar a barriga a todos os balcões não o fariam para garantir, ainda que em pequena medida no meio dos ziliões das perdas, indemnizações e reformas douradas a megalómanos como Jardim (o do BCP), a submarinos da Opus Dei como o seu sucessor, e toda uma longa teoria de nulidades mais ou menos discretas, incluindo os venais, que têm pululado pelos bancos, sem excluir o público, que entendem que os lucros que geraram inicialmente em negócios que vieram a revelar-se ruinosos uns anos mais tarde justificaram gordas prebendas, incluindo fundos de pensões que ainda duram.
Quem não parece pertencer a este clube é o gestor do malogrado BANIF, Jorge Tomé, que "defende uma investigação criminal ao caso e garante que não havia buraco nas contas".
Não sei se havia ou não. O que sei, e é pacífico, é que o Santander fez um excelente negócio, que a história do anúncio de rodapé da TVI que provocou uma corrida aos depósitos é um escândalo a justificar a rápida investigação policial que não vai haver (ou que será inconclusiva, se houver), que a pressa em poupar depositantes e os outros bancos para não poupar contribuintes é, na hipótese mais caridosa, um erro, e que o papel mal explicado que nesta escabrosa história desempenharam o Banco Central Europeu e a sua filial em Lisboa que dá pelo nome de Banco de Portugal significa, para quem não andar a dormir, que, a prazo, banca, em Portugal - será toda ou quase toda estrangeira.
Desgraçadamente, a Esquerda comunista queria nacionalizar, como quer sempre (ou integrar na CGD, que é a mesma coisa). E isto faz com que, por reflexo condicionado, a Direita ache que talvez a solução encontrada fosse a menos má, ou então que era melhor deixar a batata quente para 1 de Janeiro, e o BCE, e os depositantes "ricos", que se desenvencilhassem.
Sucede que o BANIF era um banco público, que é o que significa a maior parte do capital pertencer ao Estado. E que portanto o que a rotundidade Costa, a sua pandilha de socialistazinhos, o seráfico Costa "Governador", uma comunicação social acéfala e uma opinião pública esquerdizada pela propaganda e ensimesmada pelo futebol fizeram foi vender por dez réis o que podia com tempo ser vendido a bom preço, e isto porque a "Europa" mandou. Talvez: os miseráveis, quando estendem a mão, estão também dispostos a fazer o pino. Mas conviria ao menos fazer a demonstração, que o preço da brincadeira, 3000 milhões nas contas que andam por aí, justificaria que no mínimo se tentasse um braço de ferro e, se falhasse, se guardasse para memória futura o correspondente ressentimento.
Mas não: reina a maior das serenidades europeístas. Talvez, com um módico de raciocínio, que falha, de memória, que escasseia, e de patriotismo, que se ausentou para parte incerta, nos pudéssemos lembrar que os mesmos que defendiam o Euro, e que foram quase todos (com excepção dos comunistas, alegadamente por acrisolados sentimentos de amor à independência, que não vou aqui comentar), reconhecem hoje que sim senhor, efectivamente foi um desastre, mas sair seria ainda pior pelo que, não tendo tido razão, têm razão afinal.
Há portanto hoje, sobre o BANIF, unanimidade, como há sobre as abençoadas novas regras do BCE quanto a capital e outras condições que põem os bancários (banqueiros já não há) a suar. E eu penso melancolicamente que devo ser dos raros que, sendo anticomunista, reconhece num caso ou noutro àquela seita de fósseis alguma razão.
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