Acho, preconceituosamente, que o Serviço Nacional de Saúde não é uma conquista do regime democrático, mas um seu equívoco: porque pôde melhorar o estado de saúde da população apenas enquanto o Estado pôde aumentar a sua dívida e a sua punção fiscal; porque não teve em conta nem a evolução demográfica, que consiste em nascerem cada vez menos bebés, e em haver cada vez mais velhos, por isso e pela evolução tecnológica, que faz com que se morra cada vez mais tarde, a preços porém crescentemente insuportáveis para manter as pessoas vivas; e porque, embalados pelos indicadores positivos, se pôde acreditar que, sem concorrência, nem falências, nem apetite pelo lucro, os serviços podiam ser realmente eficientes.
Agora, diz-se tranquilamente que há gente que morre porque faltou o medicamento, ou não aguentou a espera pela cirurgia, ou o medicamento mais eficiente é demasiado caro, ou, ou.
Entretanto, a ideia de que todos, quer possam quer não possam pagar, devem ter iguais condições de preço de tratamento, porque a destrinça entre uns e outros já foi feita em sede de progressividade dos impostos sobre o rendimento, criou raízes - tão sólidas que ninguém as discute fora da arena política porque não vale a pena, e dentro dela porque quem o fizer se suicida politicamente.
Dar tudo a todos através de serviços públicos é um objectivo socialista clássico. E, classicamente, falha mais tarde ou mais cedo quando acaba o dinheiro dos outros, porque já não confiam para emprestar, uns, nem têm recursos para, continuando a viver habitualmente, pagar mais impostos, outros.
Claro que quem pode foge e vai ao privado. Mas os que podem são muito menos do que os que poderiam se não tivessem entretanto sido esmagados por impostos; e o sector privado é portanto muito menos pujante do que seria noutras circunstâncias.
Nos regimes socialistas genuínos, a insignificante parcela da população que pertence à nomenclatura tem direito a tratamento de excepção. E é o que tendencialmente vai suceder entre nós, fazendo os muito ricos, para este efeito, aquele papel.
Faltam porém ainda alguns elementos: por exemplo, até agora ainda os profissionais podiam dizer, por motivações políticas ou outras, que o rei vai nu. Agora não: Os profissionais de saúde devem "guardar absoluto sigilo e reserva" sobre o que se passa nas instituições onde trabalham, e "absterem-se de emitir declarações públicas" sobre esses assuntos.
Queriam um serviço socialista com liberdades? Sorry, folks, isso não existe - a água não se mistura com o azeite. E se acham razoável a exigência de bico calado, pergunto: achariam o mesmo se os estabelecimentos fossem privados?
Ah.
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