Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou o meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Não sei o que diz hoje a historiografia sobre D. Sebastião. Da última vez que li alguma coisa sobre o homem e o seu tempo, ficou-me a ideia de um moço bastante estúpido e teimoso, com a cabecinha cheia de utopias sobre cavaleiros andantes e a expansão da Fé, já obsoletas no seu tempo para as pessoas mais esclarecidas e que, de resto, contou com não pouca oposição à louca empresa de Marrocos.
A Pessoa a loucura não interessava senão para a admirar, nem a contabilidade do sucesso ou insucesso das decisões políticas o interessava - o core business da poética nacionalista dele era a desmedida, e por isso vive no coração de alguns portugueses que sabem ler e, creio, viverá enquanto a língua não se extinguir.
Podemos julgar que tudo isto pertence a um passado morto. Nada mais falso: o espírito de cruzada está entre nós, a propósito de tudo, e portanto também a propósito da Grécia, sob novas vestes - ontem era o cristianismo que se opunha ao islamismo, hoje são os pobres e explorados de um lado e os ricos e exploradores do outro. E sempre que aparece um cavaleiro andante que defende a viúva, a criança indefesa e o velhinho (hoje o desempregado, o trabalhador explorado e as minorias) podemos estar certos de que não lhe faltarão hossanas - mesmo que seja Alexis Tsipras.
Que Alexis Tsipras é um D. Sebastião podemos estar certos: até mesmo um apoiante seu (o prémio Nobel da Economia, na descrição usual da comunicação social, como se não houvesse outros) pasma. O homem foi para uma batalha que não podia ganhar, sem sequer ter planos para a fuga. Só não é o Encoberto porque está vivo.
Claro que os pobres gregos não são tão pobres como, por exemplo, os Búlgaros, os Croatas, os Estonianos, os Húngaros, os Letões, os Lituanos, os Polacos e os Romenos, além de estarem praticamente a par do Chipre, da Eslováquia, Eslovénia... e de nós. Mas, que importa? Os Cristãos não se distinguiam dos Mouros pela tolerância dos costumes, nem pelo avanço civilizacional; mas detinham a Verdade. E a Verdade deles ganhou (na lenda) em Roncesvalles e, na realidade, em Lepanto e muitos outros lugares.
A Verdade dos gregos, porém, não vai, nem pode, ganhar, e a musa inspiradora de Tsipras, que aderiu ao Partido Comunista por alturas da queda do Muro, explica porquê. Estamos no tempo da farsa: há outra maneira de descrever um acordo para fazer o roll over da dívida, que terá, porque não pode deixar de ter, efeitos recessivos, no qual os credores não acreditam, nem o devedor, para aplicar um programa dirigido por um Nicolás Maduro do Peloponeso? Isto quando todos os ricos já puseram o seu a salvo (a preocupação sobre quanto os gregos podem levantar dá vontade de rir - não pode haver nos bancos depósitos que se vejam), só se fossem loucos o repatriariam, e todo o arranjo sob a égide de um Eurogrupo que não tem existência legal e está paralisado pelo medo dos eleitorados, do calote, e do desmoronar do edifício no qual apostaram as carreiras e a reputação?
A Grécia vai-se arrastar até ao próximo default, ou até o seu eleitorado cair na real e descobrir que pode ter a sua moeda mas não ser nórdico; ou ser nórdico mas não ser independente.
As instituições vão correr para montar um edifício à prova de grécias; esse edifício vai aprofundar ódios e ressentimentos.
E Pessoa, que atribuiu a Cristo uma grande ignorância em matéria de finanças, virá a ter, por ínvios caminhos, razão.
Porque a União Europeia é já, e sê-lo-á mesmo que dure ainda dois ou vinte anos, um cadáver adiado que procria.
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