Quarta-feira, 13 de Setembro de 2017

Cartão do não-cidadão

Sempre sob o título "Admirável mundo novo" escrevi em 2012 uma série de posts respeitantes à saga da obtenção do cartão de cidadão, o retrocesso civilizacional que representa, os perigos que comporta e o desprezo que deveriam merecer os governantes que o inventaram e o mantêm.

 

O maldito cartão caducou, e hoje fui renová-lo. Como decorreu tal operação é o que se conta no e-mail que enviei há minutos, na sequência da forma como correu a operação, ao endereço que encontrei, com dificuldade, no site respectivo, e que abaixo transcrevo.

 

Exmos. Senhores:

 

Apercebi-me ontem de que o meu cartão de cidadão (nº xxxxxxxx) estava caducado desde 28 de Agosto. O cartão em causa, que como sabem está recheado de informações que só têm utilidade para um Estado intrusivo, abusador e a caminho de totalitário, não tem data de emissão. A sensação que tinha era a de que desde apenas há uns três anos era portador daquele infeliz documento. Consultados os meus registos, porém, tinha-o "requerido" em 2012. Passados os 60 o tempo acelera, realidade que se houver por aí algum funcionário que tenha poucos cabelos, e brancos, poderá atestar.

 

Sabia que o legislador, que é como se designa em legalês o político que com engenho inventa maneiras de extorquir recursos ao cidadão que imprudentemente o elege, havia fixado um prazo curto de vigência, com o evidente propósito, no caso de cidadãos da minha idade, de criar uma receita periódica que não possa ser considerada "imposto". Manobra que nada tem de original ou surpreendente, coisa semelhante se passou com as cartas de condução.

 

Mesmo porém que a minha idade explique o esquecimento, decerto grave a olhos de burocratas, não resisto, um tanto a despropósito mas com o intuito de sossegar alguma alma mais sensível, a esclarecer que o resto da minha saúde, incluindo aspectos o mais íntimos, se encontra em perfeitas condições.

 

Dirigi-me assim hoje à repartição onde há anos o havia obtido, por volta das 15 horas, com o intuito de renovar o cartãozinho, sem cuja existência dentro do prazo de validade não posso conduzir nem, a bem dizer, dar um passo fora da porta sem correr o risco de um polícia mais zeloso, ou mais apreciador de filmes de acção americanos, utilizar os poderes que uma litania de ministros da administração interna mentecaptos lhe concedeu e me deter sob a alegação de ter dúvidas de eu ser quem sou.

 

Navegando na multidão encontrei a máquina que emite os bilhetes que ordenam e distribuem os "utentes" pelos balcões, cujo monitor informava que estava suspensa a emissão de senhas, visto que não seriam possíveis mais atendimentos até ao fim do expediente (16H00, salvo erro).

 

Como porém circunvagasse os olhos pelo estabelecimento, decorado em cores alegres e com televisores a piscar por todo o lado, dei com um aviso a informar que era possível via internet ou telefonicamente marcar uma hora de atendimento, para evitar filas.

 

Foi o que logo fiz, para o nº 211 950 500. E uma simpática senhora, que se apresentou mas cujo nome não retive, começou por perguntar donde eu falava. Inteirada que era de Guimarães, aproveitou para reclamar de um café que lhe serviram nestas paragens, num copo de plástico.

 

Embirro com cafés servidos em copos de plástico e por isso, para além de inquirir se tinha, como devia, reclamado, formulei votos - sinceros - de que da próxima vez lhe servissem um café decente. Quanto à substância do meu telefonema tinha a informar que a data possível mais próxima era 4 de Outubro.

 

Disse mansamente que precisava de conduzir e portanto pedi me indicasse um serviço alternativo. Foi o que prestimosamente fez, sugerindo o Registo Civil, sito à rua da Ramada.

 

Nado e criado na cidade, nunca tal nome ouvira. Regressei ao automóvel, aparcado não muito longe num dos espaços que agora se encontram com facilidade por serem pagos a preços mafiosos, e introduzi o nome da rua no GPS, para descobrir com gosto que estava apenas a 2,5 minutos.

 

Iniciada a marcha, o milagroso aparelho conduziu-me, depois de um brevíssimo circuito para apreciar uma zona não particularmente atraente (e que de resto conhecia desde o tempo, em miúdo, em que não havia ainda sido destruída pela autarquia e os arquitectos locais) ao mesmo sítio de onde saíra, a pé, pouco antes.

 

Emiti para os meus botões algumas imprecações que, por respeito aos costumes, poupo a VV. Ex.ªs. E tenho orgulho em informar que, fora isso e um ligeiro tremor no olho esquerdo, quem quer que me encarasse veria um cidadão cordato, respeitador da autoridade em geral, do actual governo em particular, e dentro deste sobretudo a senhora secretária de Estado da reforma administrativa, com a qual teria o maior gosto em trocar umas impressões, com vista ao aprimoramento do seu múnus.

 

Seria o momento de colocar uma apreciável quantidade de questões a VV. Ex.ªs; e, dada a minha condição de empresário e gestor, algumas sugestões para acabar de vez com este problema, sem todavia passar por castigos corporais que o nosso adiantado estado civilizacional ultrapassou, de mais a mais para réus cujos crimes são apenas a preguiça e a estupidez.

 

Não querendo porém maçar, pergunto: há alguma maneira de resolver o meu problema em tempo útil?

 

Ficando a aguardar notícias, apresento os meus cumprimentos.

 

José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça.

publicado por José Meireles Graça às 21:47
link do post | comentar

Pesquisar neste blog

 

Autores

Posts mais comentados

Últimos comentários

https://www.aromaeasy.com/product-category/bulk-es...
E depois queixam-se do Chega...Não acreditam no qu...
Boa tarde, pode-me dizer qual é o seguro que tem??...
Gostei do seu artigo
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mai...

Arquivos

Janeiro 2020

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Links

Tags

25 de abril

5dias

adse

ambiente

angola

antónio costa

arquitectura

austeridade

banca

banco de portugal

banif

be

bes

bloco de esquerda

blogs

brexit

carlos costa

cartão de cidadão

catarina martins

causas

cavaco silva

cds

censura

cgd

cgtp

comentadores

cortes

crise

cultura

daniel oliveira

deficit

desigualdade

dívida

educação

eleições europeias

ensino

esquerda

estado social

ética

euro

europa

férias

fernando leal da costa

fiscalidade

francisco louçã

gnr

grécia

greve

impostos

irs

itália

jornalismo

josé sócrates

justiça

lisboa

manifestação

marcelo

marcelo rebelo de sousa

mariana mortágua

mário centeno

mário nogueira

mário soares

mba

obama

oe 2017

orçamento

pacheco pereira

partido socialista

passos coelho

paulo portas

pcp

pedro passos coelho

populismo

portugal

ps

psd

público

quadratura do círculo

raquel varela

renzi

rtp

rui rio

salário mínimo

sampaio da nóvoa

saúde

sns

socialismo

socialista

sócrates

syriza

tabaco

tap

tribunal constitucional

trump

ue

união europeia

vasco pulido valente

venezuela

vital moreira

vítor gaspar

todas as tags

blogs SAPO

subscrever feeds