Janto há muitos anos com pessoas que gostam de alcachofras. Por isso não ignoro, de tanto que já fui informado, que aquele vegetal "faz muito bem ao sangue".
Sobre o que se deve e não deve comer, o que faz bem e mal, adquiri nestas refeições vastíssimos conhecimentos, a ponto de poder discretear com suficiência e profundidade sobre os benefícios da cebola e do alho, os radicais livres e os alimentos que contêm ácidos gordos ómega 3 (salmão e nozes, por exemplo, têm paletes), cujos efeitos na prevenção da depressão, doenças das coronárias e de Alzheimer são por demais conhecidos.
Contribuo em geral para estas conversas com uma atenção respeitosa. E abstenho-me de chamar a atenção para o facto de, sendo o único consumidor de cenoura em dias de cozido à portuguesa, e tendo o caroteno propriedades altamente facilitadoras da obtenção de uns olhos bonitos, nunca os meus terem sido descritos, por ninguém, dessa maneira.
Na verdade, a benefício de um são convívio, nunca ousei revelar o sistema integrado de convicções a que cheguei, movido pelo consumo, décadas a fio, de travessas de petiscos da minha preferência, regadas por canecas de verde tinto grosso e sangrento que qualquer gourmet recusaria com nojo.
E é ele que, salvo vícios induzidos por alimentos refinados (açúcar, por exemplo), ou glutonaria, ou casos de doença, cada um deve comer o que lhe fale ao coração - sem concessões. Ao Amigo não apetece o rico assado que tem debaixo dos olhos, mas está com um apetite inexplicável pelas cerejas que vê na fruteira? Pois coma as cerejas, e encha, de caroços, um balde. E declare, no fim, em resposta aos olhares reprovadores que o fuzilam, que está com fastio, uma doença da qual nunca ninguém disse, graças a Deus, que se curava com alcachofras. Dá-lhe na cabeça, às 5 da manhã, estraçalhar meio boião de rodelas de beterraba em vinagre, acompanhadas de uma fatia generosa do queijo que houver à mão? Pois não hesite - o queijo, o vinagre e a beterraba combinam muito bem, e ficarão na moda no dia em que um chefe fizer uma redução, usando Roquefort, vinagre balsâmico e beterraba da Sicília para o efeito, explodindo o conjunto na boca e na carteira.
Na realidade, as teorias sobre o que faz bem e mal, e se deve ou não comer, variam ainda mais do que os pratos que cada novo cozinheiro de renome acrescenta à cozinha tradicional da sua região, que aliás com frequência ignora e pela qual nutre um mal disfarçado desprezo. E é um tenaz mistério para mim por que razão tanta gente deixou de comer carne de porco, ou fritos disto e daquilo, por os senhores médicos lhes entupirem os ouvidos com a ameaça de entupimento das veias induzido pelo abençoado requinho, hoje reabilitado.
Pois bem: era indisputado junto dos cognoscenti que o pequeno-almoço era a refeição mais importante do dia. E não poucas vezes assisti ao espectáculo deplorável de gente cheia de remelas e ar atordoado que, nos buffets dos hotéis, se acotovela junto do balcão de frios, dos quais faz uma pirâmide no prato com a qual, com fome ou sem ela, se atocha acto contínuo.
Já não há respeito: afinal o pequeno-almoço não é a refeição mais importante do dia; não há refeições mais importantes do que outras; e o copo de sumo é dispensável.
O Professor Newby e os investigadores da Universidade do Alabama que chegaram a estas conclusões mereceriam ser seguidos com atenção, porque não ficará decerto por aqui o contributo que darão para a verdadeira Ciência. Mas - lá está - Steven Miller, doutorando em Neurologia, na especialidade Cronofarmacologia, vem dizer no mesmo artigo que, café, só depois das 9H30.
Estragaste tudo, Steven, pá. Café é, como o Natal, quando um Homem quiser. E se os arguentes na tua tese de doutoramento tiverem juízo vais receber - nem de propósito - bolas pretas.
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