Sexta-feira, 23 de Outubro de 2015

Cila e Caríbdis

Dei o meu voto a Cavaco para presidente, à falta de melhor - tenho uma longa prática de votar em males menores.

 

Quando acabou o discurso de ontem, surpreendi-me, pela primeira vez, agradado: o homem disse o que queria para o país e o que não queria, e porquê.

 

Isto é uma novidade, que os presidentes costumam refugiar-se em discursos jesuíticos, recheados de recados que requerem intérpretes encartados e que por isso se prestam a enjoativas elucubrações de uma floresta de politólogos e jornalistas.

 

Os presidentes fazem assim, se quiserem ser reeleitos, para não afugentarem mais eleitores do que o absolutamente indispensável; e, se já não puderem ser reeleitos, em homenagem à ficção de presidente de todos os portugueses que gostam de cultivar - uma homenagem inconsciente à instituição monárquica, que por definição se supõe pairar acima dos partidos.

 

É claro que o presidente só o é de todos os portugueses no mesmo sentido que o governo eleito o é de todo o país - tem legitimidade e pronto, temos que obedecer mas não somos obrigados nem a concordar nem, ainda menos, a nutrir um acendrado amor pelas personalidades que em cada momento encarnam os órgãos de soberania.

 

Cavaco mostrou que não é isento, porque a isenção não existe, e fez muito bem: quem o elegeu não quer comunistas perto do governo, nem uma trajectória de choque com as instituições europeias.

 

(Há uns maduros que nem são europeístas, nem apreciadores do Euro, nem comunistas, como eu, mas não contam, dada a exiguidade dos seus números, além de que não deixamos, neste passo, de ter presente o realismo ululante de o país estar ligado, para sobreviver, à máquina europeia.)

 

Cavaco disse ao Parlamento o que quer, e sobretudo o que não quer, com a autoridade de quem foi eleito, com maioria absoluta, à primeira volta, pelos eleitores da PàF e parte dos do PS.

 

Diz-se por aí que, tacticamente, pôs o pé na argola: aqueles deputados do PS que talvez se abstivessem na votação das moções de censura porque não veem com bons olhos a maioria vermelha serão agora obrigados, sob acusação de traição, a juntar-se à tribo.

 

Não acredito que essa possibilidade não tivesse sido sopesada. E que, portanto, quando disse que o risco de um governo vermelho, pilotado pelo oportunista Costa, é maior do que o risco de um governo de gestão (não foi assim que disse mas é assim que interpreto) estava a enunciar as duas únicas hipóteses possíveis.

 

Para quem, como eu, ainda há dias, admitia um governo apoiado pela comunistada, para funcionar como vacina ao eleitorado, esta hipótese, que não me tinha ocorrido, não é tão boa, porque é nebulosa a distribuição das culpas (Costa vai chorar baba e ranho, porque os fássistas não o deixaram cumprir o seu glorioso destino, e pode haver quem compre o arrazoado). Mas o resultado será o mesmo - eleições logo que legalmente possíveis. E talvez se estrague menos.

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publicado por José Meireles Graça às 23:12
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1 comentário:
De Manuel Nunes Guerreiro a 24 de Outubro de 2015 às 13:28
Muito bom texto, de autor sensato e de caracter. É necessário que cada vez mais se instaure ou acrescente no País a verticalidade e a lucidez honrada que este post nos mostra. Chapelada!

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