Não incumbe ao Estado assegurar a igualdade no acesso a produtos nocivos à saúde, diz o professor doutor de Coimbra meu Deus, e a gente pasma.
Mas o Estado garante, a quem não tenha recursos para se atochar de pilhas de bolos e litros de refrigerante, pontos de distribuição gratuita daqueles maléficos produtos?
Não, não garante, nunca garantiu, e só o viria algum dia a fazer se os consumidores diabéticos, obesos e desdentados fossem a maioria e prometessem trocar o seu voto por tíbias, bolas de Berlim, éclairs, natas, e coca-colas de litro oferecidos pelo partido que estivesse no Poder, caso em que os magros, sadios e portadores de reluzentes teclados em perfeito estado de conservação se veriam acabrunhados de impostos.
Portanto, o Estado não garante, e nunca ocorreu a ninguém que o devesse fazer. Mas garante a saúde para todos, quer a possam quer não possam pagar, e para todos gratuita. E como não há simplesmente recursos para suportar um tal monstro que outra luminária de Coimbra pariu ao som das trombetas da igualdade, e perante os aplausos das multidões rendidas, segue-se que, para manter o falido Serviço Nacional de Saúde, é essencial que os cidadãos a ele não recorram. Semelhante premissa estava já implícita até no nome: é um serviço de saúde, não de doença.
O cidadão novo deve então ser saudável, e no limite o Serviço Nacional de Saúde ficará adstrito idealmente às gravidezes, às doenças de origem genética, às epidemias, às doenças geriátricas, aos acidentes e às unhas encravadas.
Doenças que possam ter origem em comportamentos pouco saudáveis - não. Para já, os transgressores são tratados a golpes de impostos especiais. Seguem-se as proibições, as multas e outras sanções, como já sucede com o tabaco, e, em devido tempo, além de não incorrer em certos comportamentos, ao cidadão exigir-se-á que adopte outros que o beneficiem - como andar a pé, por exemplo.
Entretanto, os pobres não têm direito nem a vícios nem a prazeres que as autoridades não aprovem. E, a prazo, a gritante injustiça desta discriminação haverá de ser corrigida: Incumbe ao Estado assegurar a igualdade na proibição do acesso a produtos nocivos à saúde, dirá a seu tempo o preclaro constitucionalista.
Se perguntado, dirá que é a favor da igualdade (mas não a de comer croissants em excesso), da economia de mercado (mercados regulados, entenda-se, de modo a que se produza não o que o consumidor quer mas o que o Estado entende que deve querer) e da liberdade (foi por causa dela que deixou de ser comunista).
A liberdade acima de tudo, ai. Liberdade de ser igual ao vizinho, fazer o que o vizinho faz, e de agir do modo que se possa e queira desde que não prejudiquemos terceiros nem a nós mesmos. Porque quem se prejudicar a si mesmo está a prejudicar terceiros, que é o que sucede quando o indivíduo não se pertence mas ao Estado.
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