Há países em que há fixação legal do salário mínimo e onde este é alto; e outros onde não há e este é igualmente alto, e até mais alto, do que nos primeiros, excepto quando é baixo; há países sem fixação legal do salário mínimo onde ele é baixíssimo, altíssimo e assim-assim; e países onde o salário mínimo é alto, nominalmente, mas o dinheiro não serve porque, para certos bens, o que há são listas de espera. Quanto à relação entre o salário mínimo e o médio, dentro de cada país (é o índice de não sei quê), há para todos os gostos mas, no nosso caso, os dois estão mais perto um do outro do que na maioria dos países.
Não vale a pena tentar encontrar o caminho da recta opinião (se se deve, ou não, fixar legalmente o salário mínimo, e a que nível) na floresta de literatura sobre o assunto (uma espécie de Amazónia da Economia, quase tão vasta como a que existe sobre moeda) porque há exemplos, e correlações, para ilustrar convincentemente todas as teses, e o seu contrário. E não se pode esperar nada de estudos, porque para estes serem válidos seria preciso, em duas sociedades iguais, ou parecidas, legislar numa e não legislar noutra, aguardar um certo tempo e, desde que todas as outras condições que influenciam a criação de emprego se mantivessem iguais, tirar conclusões. Mas nem há duas sociedades iguais nem, sobretudo, todos os outros factores evoluem da mesma maneira, nem é possível calcular exaustivamente de que forma uns factores interagem com outros.
Assim, ficamos como no princípio, com o nosso palpite. Eis o meu: o aumento do salário mínimo cria dificuldades acrescidas para pessoal indiferenciado (isto é, que não sabe especificamente fazer nada) encontrar o primeiro emprego; incentiva o despedimento, ou a não contratação, daqueles trabalhadores que desempenham tarefas que podem ser automatizadas, porque é cada vez mais barato automatizar; e empurra para cima os outros salários, para restaurar a hierarquia salarial que existia antes, o que numas empresas pode, mas noutras não, ser acomodado. Se o livre jogo do mercado de trabalho conduzir a salários de miséria em alguns casos, poderia talvez haver compensações directas da comunidade para os trabalhadores, desde que compatível com fiscalidade baixa e se evitassem distorções da concorrência e fenómenos de corrupção. Pode ser? Não faço ideia. Mas faço ideia de que distorcer o mercado do trabalho, como qualquer outro, só pode levar a consequências perversas, e no caso deste elas são o desemprego. Este efeito pode ser mascarado por outros factores benéficos para o emprego, mas não é menos real por causa disso.
Um liberal doutrinário dirá que a empresa que fecha por não poder acomodar aumentos de salários permite o aumento de produção de outra mais eficiente, que lhe herdará a quota de mercado e parte dos trabalhadores; um esquerdista idiota, com perdão da redundância, dirá que um patrão que apenas pode sobreviver pagando salários de miséria deve desaparecer, sendo substituído por um outro com adequada formação, que brotará da geração mais bem preparada de sempre; um consultor de gestão afirmará convicto que o que interessa é encontrar formas criativas, imaginativas, inovadoras, de aumentar as margens, pelo que o custo do factor trabalho é muito menos relevante que a aplicação de ferramentas de gestão moderna; um socialista dirá que é preciso apostar na formação e nas novas tecnologias para reforçar a competitividade (competividade, se o socialista em questão for o actual primeiro-ministro); e todos, mais a gente que se julga de direita por ser conservadora nos costumes e acreditar no milagre de Fátima, e ainda os gestores e economistas que saem das universidades às fornadas, bem como os professores deles, estarão de acordo em que a classe empresarial do país é lamentável, ao contrário da dos jornalistas, dos poetas, dos políticos da preferência de cada qual, e ainda da dos eleitores a que todos pertencemos, e que acredita piamente em todas estas tolices, porque com elas lhes martelam os ouvidos há décadas.
Pois a candente matéria está em debate pelo organismo daninho que se dedica à concertação social, um dos fétiches da nossa Constituição. O que penso sobre ele disse já inúmeras vezes, por exemplo aqui - é uma câmara corporativa, e devia ser extinta.
Desta vez, o leilão abusivo no qual as confederações fingem umas que representam os trabalhadores e outras os patrões, sob a batuta de um ministro que finge que tem a mais remota noção do que as empresas podem pagar, todos para licitar bens roubados porque se trata de riqueza que não criaram nem sabem como se cria, e que de todo o modo não lhes pertence, é ainda mais caricata do que o habitual: as confederações patronais querem evitar estragos na imagem e danos maiores, tolhidas de medo que as tratem de fascistas; a CGTP, uma filial do PCP, finge que não é aliada do governo - uma novidade, costumava limitar-se a fingir que não era comunista; a UGT, uma filial do PS, finge que não fará o que lhe mandarem; e o ministro Vieira finge que está ali a discutir, quando na realidade está apenas a tentar encontrar o ponto de equilíbrio que lhe renda mais votos, que é a matéria-prima de que depende a sobrevivência da sua lamentável carcaça política.
Vão-se entender, no fim. A CGTP carpindo que não se chegue desde já aos 600 euros porque o governo não é suficientemente patriótico e de esquerda mas, enfim, a direita ainda é pior; a UGT triunfante porque, mais uma vez, deu provas de grande realismo; as confederações patronais satisfeitas porque conseguiram garantir que a legislação laboral não volte a ficar cubana; e o governo porque deu um brilhante exemplo de que o diálogo funciona.
Os abutres são assim: disputam agressivamente a carniça mas todos se vão alimentando. E o empregado? Vai ficar melhor - se não for despedido. E o desempregado? Também - se encontrar emprego.
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