Há tempos, Passos Coelho perguntava, exasperado, como se esperava que houvesse estrangeiros dispostos a investir em Portugal quando o governo assentava numa aliança com comunistas (disse isto ou coisa parecida, não tenho vagar para procurar).
O comentariado caiu-lhe, previsivelmente, em cima. Passos é odiado, e não apenas detestado, pela esquerda, porque não é da variedade de direitistas de faz-de-conta, como Cavaco (este, se fosse sueco, seria socialista, se lá se admitem socialistas cabeçudos que nem falar sabem), ou Marcelo (que seria igualmente socialista, se fosse francês e lá se admitissem - creio que sim - socialistas incontinentes verbais). E é igualmente abominado por muita direita que lhe execra as profissões de fé, de resto raras, social-democratas, e a acção governativa, que foi insuficientemente reformadora e que, pelo menos numa certa perspectiva, talvez não inteiramente justa, das coisas, privilegiou o aumento de impostos e não o corte na despesa.
A estas duas correntes há que acrescentar personalidades avulsas e revulsivas, como Pacheco Pereira e Manuela Ferreira Leite, ou homúnculos que inexplicavelmente poluem o espaço de opinião pública, como Pedro Marques Lopes ou Marques Mendes.
Por mim, tenho vindo a ganhar respeito ao homem, porque lhe aprecio a teimosia, até mesmo no asneirol ocasional, e porque se é depositário de um ódio tão persistente do establishment esquerdista, isto é, quase toda a gente, e isto sem que nunca ninguém lhe tenha vislumbrado inclinações antidemocráticas, algum mérito terá de ter.
Gente ingénua supõe, porque a comunicação social veicula a ideia, que a doce Mariana é uma azougada filha-família da revolução romântica, a quem sobra em voluntarismo o que falta em senso; que a actrizinha de segunda escolha que se espraia em considerações sobre quanto assunto está na ordem do dia do debate político, e que lidera nominalmente o BE, tem no caco mais do que uma recauchutagem serôdia e colada com cuspo de quanta doutrina marxista aflige a humanidade vai para cem anos; e que o Bloco é um partido social-democrata radical, que pretende curar os males e os desequilíbrios do capitalismo por via fiscal, sem todavia pôr em causa a propriedade privada dos meios de produção e as poupanças, qualquer que seja a sua forma, nossas porque as ganhamos, ou recebidas de ascendentes que quiseram legar à prole o que sobrou de exacções fiscais anteriores.
A receita do BE tem provado ser mais popular que a dos comunistas, porque promete o mesmo mundo igualitário sem a carga imensa do desastre económico e humanitário que foram e são todos os regimes comunistas.
O movimento comunista internacional histórico tem um representante, o PCP, que defende naturalmente quanto regime decrépito nasceu faz décadas, como o norte-coreano ou o cubano; e o BE guarda o seu apoio, e a sua solidariedade, para a Venezuela chavista, para o Syriza, ou para o Podemos que um demente espanhol lidera, porque são modernos, empunham firmemente a bandeira das causas com que alguma gente nova sonha fazer o céu na terra, parecem isentos de violências e terrores, e ainda não foram verdadeiramente testados (salvo o venezuelano, donde o silêncio cúmplice até que se possa afirmar que a CIA fez cair o regime, ou que Maduro não tinha as excelsas qualidades de Chavez).
É isto que explica o apoio embaraçado do PCP a Angola e as críticas veementes que o BE dedica aos atropelos aos direitos de cidadãos angolanos; e é isto que explica o sucesso eleitoral do BE ̶ não são comunistas, credo, eles em tendo poder porão os ricos na linha e teremos finalmente investidores que querem apenas genuinamente criar riqueza e postos de trabalho, mas não lucros senão os que distribuem em prémios comedidos pelos trabalhadores, gestores beneméritos que salvam empresas sem que ganhem mais do que o quartil superior de um leque apertado de salários, herdeiros mas apenas dos álbuns de fotografias da família, ricos por se deslocarem em carros de gama média e não utilitários, além de terem nos casos mais salientes uma quintinha para férias, e de forma geral cidadãos obedientes a um Estado igualitarista e perfeitamente livres de guardar tudo o que não suscite a cobiça do vizinho e pensar tudo o que os mandarins do pensamento não achem sexista, racista, imperialista, machista, fascista e uma extensa, e crescente, lista de outros istas.
Na prática, não há qualquer diferença entre a soturna, e sinistra, cartilha de Jerónimo e o discurso da simpática, desempoeirada e até (para mim, que sou sexista e tenho muito mais inclinação para prestar atenção à carinha - e ao resto - de Mariana do que às tolices que vai expectorando) encantadora pasionaria de Alvito e das marchas LGBT. E isto mesmo que, surdamente, os comunistas autênticos detestem os bloquistas, as suas sapatilhas de marca, a sua indisciplina e o seu relativo sucesso.
Porque é equivalente eliminar os ricos, isto é, os que assim são considerados depois de os verdadeiros terem sido destruídos no PREC, e de os poucos que ainda sobram ou renasceram terem prudentemente o grosso dos seus cabedais a bom recato, expropriando-lhes os bens e nacionalizando-lhes as empresas; e ir lentamente, por via fiscal, taxando não apenas os rendimentos mas também o capital, começando por taxas ou limiares que não pareçam confiscatórios e ir aumentando ̶ como a rã que não salta se mergulhada em água morna e se vai adaptando ao aumento de temperatura até que morre cozida.
Quererá mesmo o PS ser “alternativa ao sistema capitalista”? E até que ponto? ̶ pergunta Mortágua, e as fotografias mostram um Galamba, o rebo de serviço do PS, embevecido.
Olha, filha, querida, se a dúvida é essa estou em condições de esclarecer: O PS está com Costa porque Costa inventou uma receita inusitada para salvar a pele, e isso deu-lhe poder para distribuir tachos; e correrá asinha com ele logo que a estrela se lhe apague. O PS de hoje parece liderado pelo BE e sê-lo-á na exacta medida em que isso permita a Costa fazer aprovar a legislação que a Europa possa fingir que não está a ver onde conduz. No teatro europeu representa-se uma peça de teatro, e a plateia não veria com bons olhos que se empurrasse um actor desastrado: é preciso que ele caia pelo seu pé.
Caia em breve, ou mais adiante, o PS, anticapitalista não é. E logo que haja oportunidade isso mesmo te dirá um Francisco Assis, um Sérgio Sousa Pinto ou até uma das rolhas que, desde Guterres, servem com devoção a causa socialista e o líder do dia, desde que devidamente acolhidos no quente regaço do Orçamento de Estado. Depois é claro de uma travessia do deserto, porque quanto mais tempo durar este governo mais créditos políticos (e débitos em metal sonante) terá o seguinte.A boa pergunta é portanto: esta primavera esquerdista, e a tua celebridade, durarão até te aparecerem as primeiras rugas?
Acho pouco provável. Razões pelas quais não aconselho uma basezinha tonificante, mas recomendaria um creme. Para as espinhas.
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