José Eduardo Martins não se queixa mais, e faz muitíssimo bem. Eu também não, mesmo sem nunca ter sido "detido" (a palavra pundonorosa que o legislador inventou para que certos cidadãos possam ser metidos em celas sem nenhum julgamento ou condenação, em nome da "agilização de processos", para "servir os fins superiores da Justiça", como "prevenção contra males maiores", ou ainda outras razões igualmente nobres).
Também não porque a minha longa experiência de tribunais me leva a pensar que são lugares a evitar sempre que possível, porque se tropeça facilmente em funcionários que se imaginam juízes, juízes acreditando que a majestade da Justiça encarnou neles, e todo um clima de abuso, descaso e ineficiência que a opinião pública tolera porque supõe que as coisas não podem ser de outra maneira, assiste a sucessivas reformas operadas por especialistas que chegam a ministros da Justiça mas nunca alcançam os resultados pretendidos, vê pelas notícias e pelos filmes que as coisas lá fora não parecem ser muito diferentes e sabe que os advogados, o elo mais são do sistema porque não têm nem privilégios nem poderes, também não têm no geral nenhuma ideia que preste para reformar o sistema em que vivem atolados (como se comprova, aliás, pelas personalidades que democraticamente elegem para os representar como bastonários, que, sendo entre si muito diferentes, têm sido quase todos iguais na inoperância, quando não no ridículo).
Este caso foi notícia por estar envolvido um político, e só isso já absolve o juiz abusador: se é político é ladrão, salvo prova em contrário, é para que veja, porque não mudou a lei quando estava no Parlamento, quem é que ele se julga - e todas as outras razões que os cidadãos de virtude encontram para vituperar quem escolheram, demais a mais se não for de esquerda e não tiver por conseguinte o coração a sangrar permanentemente com pena dos desvalidos.
Sucede porém que Martins não diz, mas digo eu, que é de um juiz abusador que se trata, porque a magistrada, perguntada se "tinha lido o processo" respondeu que "lhe bastou ler o código". E como Martins indica benevolamente que parte do código está em apreço, fui ler o artº 116º do Código de Processo Penal. Diz:
1 - Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
Alguém requereu a detenção? Quem e porquê? Ninguém requereu? Então a senhora juíza acha que ordenar a detenção de um cidadão sem ler o processo é assim uma coisa corriqueira? Acha mal.
Acha mal e seria bom que os seus colegas do Conselho Superior da Magistratura a ilustrassem. Não porque uma figura pública deva ter tratamento diferente do de um cidadão comum; mas porque, se se trata assim quem escreve nos jornais, fala na televisão e conhecerá possivelmente alguns dos poderosos que a opinião pública execra, como não se tratará um cidadão comum?
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