Houve um tempo na minha vida em que tive uma grande ligação às artes plásticas, porquanto aos sábados ia esperar uma aluna à ESBAP, à saída das aulas, e tal prática durou mais de um ano.
Fiquei a conhecer, de vista, alguns futuros pintores e escultores. Destes últimos lembro-me bem de um que teve um chumbo redondo por ter apresentado um trabalho que consistia num armário cheio de frascos de compota, cada frasco com uma etiqueta identificando o que continha. Havia uma que dizia compota de pregos, outra de parafusos, outras de vários conteúdos, e mesmo uma que rezava "compota de merda", que era efectivamente o que o frasco continha.
Chamava-se a escultura O Compotador, e ignoro por que razões a originalidade, e até a franqueza, do trabalho não mereceram aprovação. O artista achava-a uma obra de arte, tinha um significado simbólico e continha uma mensagem - precisamente o que caracteriza boa parte da escultura contemporânea, muita dela ornando as nossas rotundas municipais. Fosse hoje e bastaria talvez designar o frasco de excrementos como "compota de políticos" e logo o corpo docente, a associação de carros de praça lisbonense e Pacheco Pereira aplaudiriam a mãos ambas.
Pois bem: para "mostrar a indignação pelo estado em que está o país", um aluno com o nome memorável de Élsio Menau fez uma forca na qual dependurou, de cabeça para baixo, a bandeira portuguesa. O trabalho, de final de curso, mereceu a classificação de 17 valores no curso de Artes Visuais na Universidade do Algarve.
Caiu-lhe em cima uma acusação de "crime de injúria aos símbolos nacionais", prestou declarações na Polícia Judiciária e vai ser julgado na próxima segunda-feira.
Sobre o trabalho digo nada, excepto que tem a grande vantagem de ser feito em materiais perecíveis. Mas pergunto: Menau tem ou não o direito de manifestar indignação pelo estado em que está o país? E pode ou não pode achar, e dizer, que os actuais detentores do Poder são inimigos de Portugal (se é isso que quer dizer)? E a utilização da bandeira para simbolizar o país martirizado e ofendido ofende a bandeira como?
É a isso que o tribunal vai responder na segunda-feira. E só pode responder de uma maneira - absolvendo. Se fosse eu o juiz, aproveitaria para me dirigir a quem fez a acusação para fazer duas perguntas: V. Exª é patrioteiro, patriotaça ou patriotarreca?; está com falta de crimes para investigar, e criminosos para perseguir?
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