O PSD e o CDS, que constituem o que em Portugal se chama “a direita” não são hoje, nem poderiam ser, o que eram quando nasceram. O primeiro nasceu para impedir que o revanchismo anti Velha Senhora descambasse numa Cuba europeia; e o segundo para atrair franjas de antigos situacionistas, católicos de vária pinta, embriões de liberais e reaccionários sortidos que convinha arregimentar a benefício do jogo democrático. Mas a Velha Senhora já quase ninguém a viveu e conheceu; e o que hoje se descreve como extrema-direita, entre nós e no exterior, nem remotamente põe em causa o regime democrático, apenas defende soluções públicas que não agradam ao complexo jornalístico-situacionista actual, feito de um socialismo mole regado a impostagens absurdamente altas, engenharias sociais fracturantes, Estados obesos, clientelas imensas e dirigismos bem-pensantes.
Para quem não viveu, é difícil imaginar as circunstâncias deste parto e as juras, sentidas ou hipócritas, que foi preciso fazer, sobretudo o CDS, de respeito pela democracia socialista, pela revolução de Abril e os seus capitães e, finalmente, pela Constituição que consagrou a sociedade sem classes. A qual, aliás, o CDS, com a coragem e coerência que o PSD não teve, não aprovou. Hoje, semelhante destino colectivo apenas permanece no preâmbulo, que os sucessivos revisores constitucionais deixaram incólume.
Esta ternurenta preservação, em que pese aos realistas que entendem que, por não ter conteúdo jurídico substantivo, é inócua, é pelo contrário sintomática: indicia o pecado original de o nosso xadrez partidário ter sido inquinado pela defesa do socialismo.
Mas foi, e está. A sociedade portuguesa actual, no score eleitoral absurdo de comunistas e radicais de esquerda, na promiscuidade do Poder com o grande capitalismo, na esmagadora camisa de forças regulatória, fiscal e interventiva que atrapalha o pequeno, e na opressiva opinião publicada ou televisionada, ainda é tributária dos primeiros anos do regime e do papel que então coube ao PS de partido-charneira.
É certo que o mesmo PS que arrastou sempre os pés para rever a Constituição, aceitando a cada nova revisão o que rejeitou na anterior, evoluiu recentemente para o respeito das contas públicas equilibradas. Uma cambalhota que contradiz o passado, as promessas eleitorais, e as profissões de fé no efeito multiplicador da despesa pública. Com isso roubou o principal capital político do PSD tradicional, reduzindo-se agora a destrinça a questões adjectivas de diferenças de carácter e de propaganda (Costa mente com facilidade e naturalidade, e conta com uma comunicação social atenta, veneradora e obrigada), rigor de contas (boa parte do alegado sucesso de Centeno assenta no empurrar de problemas para o próximo governo, quando não vindouros mais longínquos), grau de nepotismo (a colonização do aparelho de Estado por familiares e amigos atingiu com o PS níveis sem precedentes) e pouco mais.
É certo que o PSD de Rio não é o mesmo de Passos Coelho. E não é decerto um acaso o ódio virulento e persistente que a esquerda em peso dedica a Passos, e se manifesta sempre que este emerge do silencioso exílio a que com dignidade se remeteu. Passos, aliás, abundou nos idos de 2011 em declarações de índole liberal, defendeu a certo ponto, para geral escândalo, a revisão da Constituição, e deu provas como governante de não se impressionar com bonzos do capitalismo caseiro. É certo que nada ou quase fez pela reforma do Estado, mas não sabemos se no apertado colete de forças da troica havia espaço, tempo e imaginação para reformar fosse o que fosse, donde se lhe deu o benefício da dúvida. Além do que a reforma do Estado tropeça sempre nas imensas clientelas a ofender, numa opinião publicada hostil, e numa opinião pública formatada na dependência do Estado.
Passos, porém, e o PSD de Passos e Morgado, não são candidatos nestas eleições nem, presumivelmente, nas próximas – Rio sim. E, admitindo que as sondagens têm um mínimo de credibilidade (que um máximo não têm, estou certo), compreende-se que o eleitorado, que é conservador, não vá correr atrás de um socialista novo quando tem um velho à mão, que já deu provas (mais retóricas do que reais, mas a retórica conta) de se preocupar com os pobres. Razões por que, se eu fosse laranjinha, orientava desta vez o meu voto para um valor menos duvidoso, já que melhor do mesmo não chega – é preciso outra coisa.
Na outra coisa há agora a Iniciativa Liberal, que a comunicação social tem com zelo ignorado, como não ignorava o Bloco nos seus primórdios. Sucede porém que a IL, se arrebanha parte do que melhor há à direita, tem a liberdade de não se preocupar com a exequibilidade do seu programa porque realisticamente sabe que não chega a poder executá-lo. Portanto, o seu natural objectivo é difundir as boas ideias lá no terreno onde elas podem medrar, isto é, com certeza o CDS e em parte o PSD. As eleições são instrumentais para este mais do que legítimo propósito.
Na Iniciativa Liberal não está ninguém que conheça e de quem verdadeiramente não goste, e conheço muitos, e moram muitas ideias que subscrevo. E no CDS não apenas há gente por quem não morro de amores, como há ideias, e algumas práticas, no passado e no presente, que de liberal têm nada, e de fradesco ou social-democrata muito.
Resta todavia que a boa direita sempre morou no CDS, ou num PSD que agora está em banho-maria. E o país, que já perdeu muito por não lhe ter dado mais força, não tem nada a ganhar em enfraquecê-lo. A Iniciativa Liberal atrai, mas é como a amante nova, jovem, álacre e um pouco destravada – trocá-la pela legítima não é exactamente a melhor coisa que um conservador pode fazer.
Razões por que, no domingo, voto CDS.
PS: Não falo da Europa para não dar a impressão que levo a sério a ficção das eleições europeias. Estas eleições são uma sondagem em ponto grande. A mim basta-me para escolher.
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