Precisamente. E por não se ter adaptado acabou por, no termo de uma guerra inútil, fazer uma descolonização presumivelmente pior para os descolonizados e seguramente para os colonos, que tiveram que fugir sem sequer terem tido tempo, a maior parte deles, de pôr a recato ao menos uma parte do que tinham granjeado em vidas de trabalho. Que as Forças Armadas se tenham comportado naquela maré, como disse algures Marcelo Caetano, como um exército fujão, e que muitos dos postos de comando tenham sido ocupados, como no caso de Rosa Coutinho, por gente objectivamente, quando não também subjectivamente, ao serviço da estratégia da União Soviética, não tira nem põe ao gigantesco erro de cálculo que a guerra colonial foi.
Isto na minha opinião, discutível como todas. E não na do senhor tenente-coronel, que não apenas acha, suponho, que a guerra colonial podia ser ganha como entende que no essencial nada a diferenciava, por exemplo, da guerra da Restauração, pela qual nos libertámos do domínio espanhol.
A minha opinião, suponho, coincide com a da maioria das pessoas; e a do senhor tenente-coronel não. Que diz isso a respeito do mérito relativo das nossas opiniões? Nada - nada porque a verdade histórica, quando se consolida, o que nem sempre acontece, não fica cativa da opinião dos contemporâneos dos sucessos, aos quais falta sempre, entre outras coisas, recuo.
Isto quanto à guerra. Quanto ao que Alegre fez em Argel aos microfones da rádio suponho que não seria muito diferente do que o senhor tenente-coronel seria capaz de fazer se, no caso de o 25 de Abril ter evoluído para um regime comunista, fosse exilado e o país invadido por forças da OTAN. Hipótese louca, decerto, mas just for the sake of the argument - caso em que não haveria de faltar quem declarasse Brandão Ferreira um traidor.
Não pretendo num post anódino despachar o problema da guerra colonial; mas apenas tomar partido pelo tenente-coronel Brandão Ferreira no diferendo que o opõe a Alegre. Não porque Brandão tenha necessariamente razão - mas porque o tribunal não sabe, não pode saber, nem tem que saber, quem tem razão.
O tribunal não é um intérprete qualificado de factos históricos: saber se um conjunto de atitudes integra a figura de traição à Pátria é uma questão de opinião, desde logo porque o próprio conceito de traição, salvo na definição do Código Penal, que "supõe o uso da violência ou a ameaça dela ou usurpação ou abuso de funções de soberania por parte do alegado traidor", conforme lembra Vital Moreira, para demonstrar o contrário do que devia, não é aqui aplicável.
Resta o direito ao bom nome e reputação, e é com base nesse direito que o mesmo Vital, num artigo capcioso, aprova entusiasticamente a infeliz decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Condenar alguém por acusar Alegre de traidor, quando para fundamentar a acusação não fez mais do que enunciar factos que são conhecidos e que o próprio Alegre não nega, é o mesmo que dizer que o tribunal tem uma definição obrigatória de traidor, sendo qualquer opinião diferente um ilícito.
O tribunal não se enxerga. E, no exercício do meu direito à opinião, creio saber porquê: os senhores juízes são a favor do respeitinho porque têm receio que amanhã, com estas modernices da liberdade de opinião, alguém se lembre de lhes espiolhar as decisões e imagine que nem sempre têm nem o senso, nem o distanciamento, nem a ausência de paixão política, que deviam ter.
Não é que interesse muito, salvo o tempo perdido pelo condenado e o custo para ele e o contribuinte: a sentença vai ao ar, como outras, no Tribunal Europeu. O mesmo que o europeísta Vital acha fundamentalista. Acha ele; que eu o que acho é que se pode sair do PCP, mas dificilmente o PCP sai de nós.
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